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Projeto Temático

Botânicos revelam a riqueza da flora paulista

Até junho deste ano estará concluída a primeira etapa do projeto “Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, financiado pela FAPESP. Trata-se, senão do maior, de um dos maiores projetos de pesquisa da área de Botânica já levados a efeito em São Paulo, envolvendo 23 instituições, três delas estrangeiras. Nada surpreendente, portanto, que a Sociedade Botânica do Brasil, pensando numa futura “Flora Fanerogâmica do Brasil”, tenha deliberado que o projeto paulista servirá de modelo para os demais estados brasileiros.

Trocado em miúdos, o título do projeto em curso refere-se ao levantamento e à catalogação de todas as plantas com flores que ocorrem nos 248.255,7 quilômetros quadrados do território paulista. São elas justamente os fanerógamos, vegetais com órgãos reprodutivos bem aparentes (nas suas flores), enquanto seus opostos, desse ponto de vista – os criptógamos – não se reproduzem por meio das flores e apresentam órgãos reprodutivos ocultos.

Assim, o que está fora do ambicioso levantamento, iniciado no começo de 1994, são basicamente fungos, algas, líquens, musgos e samambaias. Todas as demais plantas nativas do Estado, das menores e mais modestas às mais imponentes, da maioria já cientificamente identificada a algumas espécies até aqui não conhecidas, constituem objeto da pesquisa. Eventualmente, mesmo uma ou outra espécie introduzida, mas que se disseminou largamente, a ponto de se integrar à flora natural, será considerada.

Quantas são essas plantas? O professor Hermógenes de Freitas Leitão Filho, coordenador do projeto até sua morte, ocorrida em 23 de fevereiro passado, precisamente num momento em que dirigia uma atividade de campo da pesquisa, de início as estimava em cerca de 10 mil. Os atuais coordenadores informam que, até aqui, o levantamento comprova a existência de cerca de 8 mil espécies e o número final deverá estar efetivamente em torno disso.

“Isso significa que a flora fanerogâmica paulista tem uma grande representatividade no conjunto dessas plantas”, diz o professor George Shepherd, assistente-doutor da UNICAMP e um dos coordenadores do projeto. “Estima-se que no mundo inteiro existem 240 mil espécies de plantas fanerogâmicas, das quais 60 mil são tropicais. Dentro desse universo, 8 mil é de fato um número representativo”, completa Maria das Graças Lapa Wanderley, pesquisadora científica (nível 6) do Instituto de Botânica do Estado de São Paulo, também coordenadora do projeto (a terceira é Ana Maria Giulietti, professora titular do Departamento de Botânica da USP).

Volumes ilustrados
Concluída a primeira etapa do projeto, os resultados do levantamento e da sistematização da flora fanerogâmica paulista estarão num banco de dados que a equipe de pesquisa está montando. Desse banco constarão todas as espêdes, registradas por herbário e por área geográfica do Estado de onde foram colhidos os exemplares, com os nomes científicos corretos (uma vez que se procedeu à revisão da nomenclatura utilizada nas plantas já existentes em herbários).

Os resultados aparecerão, por ora, também em monografias e textos impressos a partir do banco de dados, e ainda nas coleções de exemplares (exsicatas, como dizem os botânicos) das plantas levantadas, que ficarão abrigadas no Herbário do Instituto de Botânica.Mas será depois de concluída a segunda etapa do projeto, prevista para começar em julho próximo, que todos os seus resultados se traduzirão materialmente numa forma capaz de encher os olhos e já aguardada ansiosamente por botânicos do país inteiro: uma coleção de oito volumes muito bem encadernados, ilustrados com desenhos em preto e branco, distribuídos por cerca de 600 pranchas. É uma coleção desse tipo que os especialistas nomeiam “a flora”. A propósito, existe uma “flora” brasileira, elaborada de 1840 a 1906, ou seja, ao longo de 66 anos de trabalho e, embora desatualizada, ela continua sendo sistematicamente usada pelos botânicos do país.

Nos volumes da flora paulista, todas as plantas estarão cientificamente nomeadas, descritas e acompanhadas por “chaves” (por exemplo, forma e cor das flores, disposição e número dos estames, etc). Estarão também indicados os locais de sua ocorrência.Um dos volumes da coleção se chamará “A Vegetação do Estado de São Paulo” e nele vão aparecer os tipos de fomação vegetal, com a descrição dos lugares onde ocorrem, suas espécies mais características, etc. “Temos em São Paulo muitas formações, como mata atlântica, mata ciliar ou de galeria, mata de planalto, celTado, entre outras.

Na mata atlântica mesmo encontramos a ocorrência de mangue, restinga, mata de altitude e de encosta e tudo isso estará descrito no volume que seria coordenado pelo professor Hermógenes”, observa Maria das Graças. Os pesquisadores estão prevendb uma tiragem para os oito volumes da flora paulista de 500 a 1.000 exemplares, na primeira edição.

Aventuras de campo
O projeto da flora começou a tomar forma em janeiro de 1993, durante o Congresso Nacional de Botânica, promovido pela Sociedade Botânica do Brasil. “A idéia já estava no ar e foi discutida no âmbito da Comissão de Flora do Brasil e foi aí que concluímos que São Paulo tinha que dar o ‘start’ ao projeto. E mais: que Hermógenes era a pessoa certa para coordená-lo”, relatam George Shepherd e Maria das Graças.

O projeto foi elaborado, incluindo a parte referente à publicação, e apresentado à FAPESP, que em novembro de 1993 aprovou a primeira parte, ou seja, a coleta de material de campo e levantamento dos herbários de São Paulo, concedendo para d desenvolvimento dessas atividades o total de US$295,8 mil. Os pesquisadores deram. entrada, no final do ano passado, à solicitação de recursos para a segunda etapa, na qual estão previstas despesas de aproximadamente R$500 mil, já aprovadas pela Fundação.

Com os recursos disponibilizados, um grupo de 42 pesquisadores, 28 bolsistas estagiários e mais uma turma flutuante de estudantes de pós-graduação, totalizando cerca de 100 pessoas, puseram-se a campo já no início de 1994, nas 16 regiões” geográficas em que foi distribuído o Estado, para maior facilidade operacional. “Nosso comportamento usual, na medida do possível, foi destinar para cada pesquisador áreas próximas a seu local normal de trabalho, até mesmo para efeito de redução de custos”, explica Maria das Graças.

O trabalho em campo tomou os anos de 1994 e 1995. As excursões das equipes duravam entre três e cinco dias, na média. As equipes em geral tinham cinco pessoas, mas em alguns casos – por exemplo, quando o professor Hermógenes levava os seus alunos de pós-graduação – podiam ter até 20 pessoas. E com esses grupos maiores aconteceu de o resultado de uma única excursão ser nada menos que 1.000 plantas coletadas, em vez da média de 400 mantida nos outros casos.

As equipes coletavam exemplares inteiros, quando se tratava de planta pequena, e ramos com flor e fruto, no caso de plantas grandes. “Muitas vezes os ramos que interessavam estavam a grande altura. E se estavam, por exemplo, a mais de 10 metros, eram retirados com tesoura de alto poda, frequentemente com a ajuda de mateiros, contratados para subir nas árvores, com equipamentos adequados de coleta”, relata Maria das Graças. A alternativa já experimentada em pesquisas na Amazônia e na Malásia, ou seja, o treinamento de macaquinhos para ajudar nessas coletas a grande altura, ou uma outra técnica já usada no Brasil, tiros de espingarda para derrubar ramos altíssimos, não chega ser utilizados em São Paulo, segundo George Shepherd.

O material coletado era em seguida processado nos laboratórios dos herbários envolvidos na pesquisa, ou seja, prensado, posto numa estufa para secar e, depois, afixado em folhas de cartolina, com a etiqueta do herbário, onde estão dados da planta, do coletor e do local de coleta. “Esse é um esquema internacional que se segue, inclusive com a preocupação , de manter a estrutura da flor, visando os novos exames. A flor seca, posta em água fervente, se reconstitui, reapresenta quase todas as suas características e um especialista pode abri-la, examiná-la com á lupa etc”, explica George Shepherd.

De cada planta, uma dessas fichas foi guardada no Herbário do Instituto de Botânica, depositário da coleção principal. As duplicatas foram ou estão sendo enviadas, por ordem de prioridade, para a instituição de origem do especialista que deve confirmar a classificação da espécie (mesmo se localizada no Exterior), para o Departamento de Botânica da UNICAMP, para o Departamento de Botânica da USP e, se ainda restavam exemplares disponíveis, para os demais herbários do Estado.

Entre os especialistas que vão confirmar a identificação e para os quais já começou a ser distribuído o material que deverão analisar, há brasileiros de fora do Estado de São Paulo e pesquisadores estrangeiros dos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Suiça, Argentina e Colômbia. Eles terão um papel importante, inclusive na classificação de eventuais espécies novas. “Encontramos, por exemplo, na Serra da Mantiqueirn, uma begônia que parece que é nova. Há também uma espécie de rubiácea (mesma família do cafeeiro), do gênero manettia, aparentemente nova”, diz Maria das Graças Lapa Wanderley.Se forem, elas vão figurar na “Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo” com essa indicação da descoberta recente. Se não forem, receberão, como todas as demais plantas, uma descrição precisa e atualizada.

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