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Bioeletrônica

Pigmento da pele em baterias

Composto com melanina aumenta a vida útil de dispositivos eletrônicos

Melanina (do gregomélanos, “escuro”), o pigmento responsável pela coloração da pele, é normalmente associado à proteção solar: ao absorver luz, protege o organismo dos raios solares. É também um material semicondutor – e essa característica amplia sua importância. Por essa razão, Carlos Graeff, professor associado do Departamento de Física e Matemática da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, mergulhou no estudo da melanina para ir além de sua função natural e avaliar a possibilidade de novas aplicações.

A melanina é um material biológico diferente, devido à sua natureza semicondutora. Semicondutores são os componentes básicos de dispositivos eletrônicos como os circuitos integrados. O domínio da preparação e da análise dos semicondutores com o objetivo de produzir tais dispositivos é atualmente crucial para o desenvolvimento científico e tecnológico. O projeto pelo qual Graeff estudou a produção e as características da melanina é Propriedades Optoeletrônicas de Polímeros Condutores e Biopolímeros, desenvolvido entre 1997 e 1999 com financiamento da FAPESP.

Pele, penas e lulas
Na verdade, há várias melaninas, classificadas em grupos segundo a origem. Existem, por exemplo, as feomelaninas, responsáveis pela cor avermelhada do cabelo, e as alomelaninas, encontradas em plantas. O grupo mais freqüente e estudado, porém, é o das eumelaninas, que elimina radicais livres e age como antioxidante. Esse tipo de melanina é encontrado em muitos sistemas naturais, desde plantas como a bananeira até fungos. Sua presença na pele e nos cabelos protege contra lesões produzidas pela luz solar e por poluentes. É o pigmento responsável pela cor da pele, dos cabelos, das penas, dos pêlos – e até mesmo da tinta da lula e do polvo, segundo trabalho dos pesquisadores americanos Miles Chedekel e Lisa Zeise na publicação Cosmetics e Toiletries. A eumelanina também é comestível: a tinta da lula é usada para colorir, aromatizar e dar textura aos molhos.

Entre os que estudam a melanina no Brasil está o professor Amando Ito, do Instituto de Física da USP em São Paulo. Ele chamou a atenção de Graeff para as propriedades da melanina como semicondutor amorfo (não cristalino). Entre as vantagens dos semicondutores amorfos sobre os cristalinos estão a possibilidade de produção a custo menor e a de cobrir áreas maiores (como em uma célula de painel solar, por exemplo). Outros pesquisadores, como Douglas Galvão, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Marília Caldas, da USP, deram contribuições importantes ao estudo, especialmente sobre a estrutura eletrônica da melanina.

Propriedades eletrônicas
É incomum que um material de origem biológica tenha a propriedade de ser um semicondutor, daí o interesse de Graeff. Uma das prioridades do estudo sobre semicondutores amorfos desenvolvido pelo aluno de mestrado Pablo José Gonçalves, sob a coordenação de Graeff, foi investigar a interação de moléculas de água com melanina. Esse estudo foi feito com a melanina sintética chamada DOPA-melanina. Graeff explica que a DOPA-melanina em sua fase sólida é composta por 20% de água, mas pouco se sabia do papel que a água desempenha em sua estrutura. Para estudar essa interação, o grupo usou a técnica de ressonância paramagnética eletrônica (RPE): “Pudemos tirar informações indiretas sobre a ligação da água e seu papel na estrutura física e eletrônica da melanina”, informa o físico.

A água tem uma importância até então não avaliada na condutividade elétrica da melanina: quando se altera a proporção de água, por exemplo, a condutividade pode ser reduzida em até 1.000 vezes, segundo medições e experimentos realizados em laboratório.Já na fase final de desenvolvimento do projeto, Graeff soube que na Universidade de Houston (EUA) o professor Melvin Eisner conduzia pesquisas na mesma linha. Ambos fizeram um trabalho conjunto sobre o assunto. O projeto também despertou o interesse do químico Sérgio Galembeck, que realiza cálculos para descrever a interação água-melanina em nível molecular.

Baterias melhores
Outro estudo, dentro do projeto patrocinado pela FAPESP, é feito em colaboração com o professor Herenilton Oliveira, do Departamento de Química da USP em Ribeirão Preto: o objetivo é avaliar a intercalação da DOPA-melanina com o pentóxido de vanádio. As pesquisas já desenvolvidas indicam que, ao se combinar melanina e pentóxido de vanádio, forma-se um novo composto: é um híbrido de condutividade significativamente superior à do pentóxido de vanádio puro, que pode ser usado em baterias de lítio. O estudo da síntese, da caracterização e das propriedades desse novo material teve os resultados publicados no Journal of Material Chemistry dos Estados Unidos e recebidos com interesse num encontro realizado em 1999 em São Francisco (EUA), onde Oliveira fez uma preleção.

“A melanina melhora a estabilidade do material no processo de carga e descarga de íons de lítio”, afirma Graeff, com base nos primeiros experimentos. A conseqüência importante disso: aumenta o tempo de vida útil das baterias baseadas nesse material híbrido e diminui o tempo necessário para a carga e a recarga.

Bioeletrônica
Além da melanina, Graeff se interessa por outros materiais e dispositivos potencialmente úteis na chamada bioeletrônica. A bioeletrônica tem como objetivo acoplar unidades de funções biomoleculares, como moléculas ou proteínas, com dispositivos eletrônicos. Um exemplo são os sensores capazes de medir e estimular impulsos neuronais, que podem ser usados para entender funções ou corrigir disfunções cerebrais. “Consideremos o cérebro humano em comparação com os computadores”, diz ele. “Fica claro que um grande desafio será unir em dispositivos futuros as vantagens de sistemas biológicos ao mundo da eletrônica atual à base de semicondutores inorgânicos.” A melanina, por ser um material de origem biológica, é naturalmente biocompatível, portanto pode ser útil no desenvolvimento dessa nova tecnologia que acopla a eletrônica aos seres vivos.

Para tanto, Graeff acredita que materiais híbridos orgânicos e inorgânicos, como o pentóxido de vanádio intercalado com a melanina, têm grande potencial de uso em diversas áreas, como na indústria de baterias para telefones celulares. Um exemplo clássico de utilização de materiais híbridos orgânicos e inorgânicos são os chamados biossensores (ver Notícias FAPESP nº 46). Tudo, por enquanto, está no campo das possibilidades. Graeff e sua equipe prosseguem nos estudos com materiais de interesse para a bioeletrônica, em busca de novas tecnologias de baixo custo.

PERFIL:
Carlos Frederico de Oliveira Graeff
, 32 anos, paulista de Ribeirão Preto, formou-se em Física (1989) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde fez mestrado (1991) e doutorado (1994) em Física Aplicada. Fez pós-doutorado em Ressonância Magnética Eletrônica, Semicondutores e Dispositivos Eletrônicos no Walter Schottky Institut de Munique (Alemanha). Professor associado do Departamento de Física e Matemática da USP em Ribeirão Preto desde 1999, é vice-coordenador de pós-graduação em Física Aplicada à Medicina e à Biologia.
Projeto: Propriedades Optoeletrônicas de Polímeros Condutores e Biopolímeros
Investimento: R$ 16.489,99 e US$ 33.293,50

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