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Ecologia

Um método para medir a sombra

Pesquisa avalia cinco espécies de árvores plantadas na área urbana e indica quais as mais adequadas para dar conforto aos habitantes

Um estudo com cinco espécies que arborizam áreas urbanas de Campinas (SP) – a sibipiruna, o ipê-roxo, a magnólia, a chuva-de-ouro e o jatobá – comprovou que todas reduzem bastante os efeitos da radiação solar e oferecem conforto térmico. E, como Campinas tem clima semelhante ao de outras regiões do Sudeste brasileiro, essas árvores devem servir para muitas outras cidades. Onde o clima for diferente, contudo, será preciso fazer um estudo com espécies nativas ou adaptadas, o que agora ficou simples: o estudo de Campinas estabeleceu uma metodologia que está à disposição dos interessados.

Financiado pela FAPESP, o projeto Conforto Térmico em Cidades: Efeito da Arborização no Controle da Radiação Solar foi desenvolvido entre 1997 e 1999 pela física Lucila Chebel Labaki, chefe do Departamento de Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com a bióloga Rozely Ferreira dos Santos, professora do Departamento de Saneamento e Ambiente da mesma faculdade e especialista em planejamento ambiental.

O trabalho enfocou também o conforto térmico dado por certas áreas verdes da região central de Campinas e mostrou que a atenuação da radiação solar chega a 99,06% num bosque antigo e denso e a 88,24% numa praça criada recentemente.Confirmou-se que a vegetação reduz drasticamente o desconforto das chamadas ilhas de calor dos grandes centros, criadas pela associação de fatores como as grandes massas de edificações – que favorecem a redução dos ventos e a concentração de poluentes -, a impermeabilização do solo pela pavimentação e a presença de materiais de construção que absorvem muito calor. Como sugestão, o estudo aponta algumas espécies arbóreas mais adequadas para dar conforto aos habitantes nas áreas de passagem, como ruas e avenidas, ou de lazer, como praças e parques.

O que influi
Lucila explica que o conforto térmico depende de quatro fatores ambientais e dois pessoais. Os ambientais são: temperatura, temperatura radiante média, umidade relativa do ar e velocidade do ar. Temperatura radiante média é o valor médio entre a radiação térmica que incide sobre as superfícies do local – objetos e seres vivos -, e as aquece, e a radiação que elas emitem de volta para o ambiente. Esse valor dá uma indicação dos efeitos da radiação térmica sobre a pessoa, pois há diferenças significativas de temperatura entre as superfícies circundantes- no caso de áreas externas, são as próprias árvores, a grama, o pavimento e as construções em torno. Um exemplo da importância desse parâmetro é o de uma multidão reunida em praça pública num dia de sol: embora a temperatura ambiente seja a mesma nas laterais e no interior da praça, quem está no centro da multidão sente mais calor – porque, além da radiação solar e da radiação refletida pela área cimentada do local,recebe o calor emitido pelos corpos ao redor.

Os fatores pessoais que influem no conforto térmico são a roupa que a pessoa usa e a atividade física que desempenha. Se, num dia de sol forte, compararmos um indivíduo com roupa preta e outro com roupa branca, o de branco terá maior sensação de conforto térmico: o branco reflete a luz e, portanto, praticamente não absorve radiação – ao contrário do preto. Quanto à atividade, basta pensar em fazer um trabalho braçal ou praticar esportes sob um sol escaldante para lembrar que numa posição de repouso a sensação de calor será menor.

Os seis fatores devem ser levados em conta num projeto de arborização. Para os lugares de clima quente e os destinados a práticas esportivas, por exemplo, recomendam-se árvores que absorvam a radiação solar com muita eficiência. Já ao lado de bancos de jardim destinados ao descanso e à leitura, pode-se pensar numa vegetação que filtre um pouco menos os raios solares, já que o corpo estará em repouso.

Entre os objetivos do projeto estava a análise e o conhecimento da capacidade de várias espécies na atenuação da radiação solar, com vistas a projetos de arborização. “Mas o objetivo principal”, salienta Lucila, “foi a construção de uma metodologia com a qual, a qualquer momento e em qualquer clima, estudos semelhantes poderão ser realizados.” Em resumo, a metodologia consiste em colocar equipamentos de medida sob a copa de cada árvore estudada – que deve estar plantada em local isolado, sem edificações ou vegetação de grande porte ao lado. Equipamentos similares são colocados perto, sob o sol. Depois, os dados são comparados e a atenuação da radiação solar é obtida em porcentagem.

“Um detalhe importante da pesquisa é que os instrumentos foram colocados a 1,30 metro do solo, o que corresponde à altura média do peito de uma pessoa”, salienta Lucila. Isso porque de nada adiantaria medir a atenuação da radiação no nível do chão ou muito mais alto que a estatura média das pessoas.Esses procedimentos foram seguidos pela engenheira civil Carolina Lotufo Bueno Bartholomei – que, em meados de 1998, terminou o mestrado na área do projeto, na Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp. Para cada espécie estudada ela recolhia os dados dos equipamentos registrados durante cinco dias, das 7 às 17 horas.

A sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides), árvore nativa da Mata Atlântica e do mesmo gênero do pau-brasil, destacou-se na pesquisa: com belas flores amarelas, cerca de 6 metros de diâmetro de copa e densidade média, foi campeã como reguladora da radiação solar, ao registrar 88,5% de atenuação. Houve uma surpresa inicial com o resultado, já que as folhas da sibipiruna são miúdas como as da avenca, com cerca de 0,9 centímetro de comprimento por 0,5 centímetro de largura. Admitiu-se então que, num mesmo espaço, várias folhas pequenas como as dessa espécie acabem oferecendo uma área maior de exposição ao sol – e, conseqüentemente, de absorção da radiação – do que uma só folha grande.

Em segundo lugar, quase empatados e bem perto da sibipiruna, ficaram a chuva-de-ouro, com 87,3% de atenuação da radiação solar, e o jatobá, com 87,2%. De origem asiática, a chuva-de-ouro ou acácia dourada (Cassia fistula) tem cerca de 7 metros de diâmetro de copa, densidade média, vistosas flores amarelas perfumadas e folhas de mais ou menos 11,5 centímetros de comprimento por 4,5 de largura.A majestosa copa do jatobá (Hymenaea courbaril), nativo do Brasil, também tem densidade média, mas atinge 23 metros de diâmetro. As flores são brancas e as folhas têm 5 centímetros de comprimento por 2 de largura.

Em terceiro ficou a magnólia (Michelia champaca), com 82,4% de atenuação da radiação solar: também de origem asiática, tem copa densa com 8 metros de diâmetro e folhas de 23 centímetros de comprimento por 7 de largura.Por fim, com 75,6%, ficou o brasileiríssimo ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa), de copa rala com cerca de 10 metros de diâmetro, belas flores lilases e folhas com 17 centímetros de comprimento por 9 de largura. Outros resultados referem-se ao conforto ambiental das áreas de lazer. Nas três áreas verdes estudadas no centro de Campinas, também foram feitas medições sob a copa de árvores agrupadas e sob o sol direto.

No centro de Campinas
Como se esperava, o destaque foi o tradicional Bosque dos Jequitibás, mais denso e antigo, com 99,06% de atenuação da radiação solar. Em segundo lugar, o Parque dos Guarantãs, com vegetação média, nem muito densa nem muito rala, que atenuou 88,91% da radiação. Por fim, uma surpresa: o Bosque dos Artistas, praça nova e ainda pouco densa, atingiu a marca de 88,24% de atenuação. O trabalho com praças e bosques resultou em tese de mestrado da arquiteta Larissa Fonseca de Castro, também da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp. Terminado o projeto, ela e Carolina deram seqüência aos estudos e desenvolvem teses de doutorado com o mesmo tema. Agora, soma-se ao grupo a arquiteta Érika Lois, aluna de mestrado em Engenharia Civil da Unicamp, que usa os equipamentos já adquiridos para pesquisar o conforto térmico relacionado à arborização ao longo de cursos de água.

As ferramentas de trabalho

Num dos suportes do equipamento usado na pesquisa das árvores controladoras da radiação solar ficavam dois termômetros, um de bulbo seco e outro de bulbo úmido – conjunto chamado de psicrômetro a ventilação natural -, que permitem calcular a umidade relativa do ar. O mesmo suporte tinha um termômetro de globo, que consiste numa esfera oca, pintada de preto fosco, aproximando-se do corpo negro ideal – que absorve a radiação emitida pelo ambiente ao redor e fornece a chamada temperatura de globo.

Geralmente de hora em hora, a engenheira Carolina Bartholomei, encarregada das medições, anotava as medidas obtidas pelos equipamentos e media a velocidade do ar com um anemômetro portátil. Tendo os valores de temperatura de globo, velocidade do ar e temperatura ambiente, calculava a temperatura radiante por meio de uma fórmula.

Noutro suporte, para medir a intensidade da radiação solar, Carolina instalava o solarímetro linear, equipamento que agrônomos e botânicos usam desde a década de 70 para acompanhar o crescimento de plantas. O solarímetro ficava acoplado a um registrador automático de dados, o logger, programado para captar os dados a cada 10 minutos e descarregá-los diretamente no computador.

Houve adaptações práticas, impostas pelos caprichos da natureza e pelas condições urbanas. O vento, por exemplo, insistia em derrubar ou deslocar de posição os suportes dos equipamentos. Então, o técnico do laboratório de conforto ambiental Obadias Pereira da Silva Júnior, também engajado no projeto, construiu tripés mais resistentes e contribuiu com sugestões que garantiram a captação de dados confiáveis. Outro problema, o perigo de furto, impediu que os solarímetros com loggers ficassem instalados permanentemente: os suportes eram montados de manhã e recolhidos ao fim da tarde.

O projeto
Conforto Térmico em Cidades: Efeito da Arborização no Controle da Radiação Solar (nº 96/01262-1); Modalidade Auxílio a projeto de pesquisa; Coordenadora Lucila Chebel Labaki – Faculdadede Engenharia Civil da Unicamp; Investimento US$ 11.145,80

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