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BIOMATERIAIS

Tratamento com qualidade

Método desenvolvido na Unesp garante implantes dentários mais eficientes

Um processo inédito para tratamento da superfície do titânio que serve de matéria-prima para implantes dentários ganhou inovações importantes no Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus de Araraquara. A nova técnica, mantida em segredo por estar em fase de patenteamento, garante uma melhor integração entre o implante e o osso. Ela vai permitir aos fabricantes dos pinos que sustentam o dente implantado um adicional de qualidade nos seus produtos.

Sob a coordenação do professor Antônio Carlos Guastaldi, as pesquisas começaram há quatro anos, acompanhando o desenvolvimento do uso do titânio como biomaterial. Para Guastaldi, o biomaterial é definido como qualquer substância ou combinação de substâncias que não sejam drogas ou fármacos, de origem natural ou sintética. Eles são usados por qualquer período de tempo, como parte ou sistema completo, na substituição de tecidos, órgãos ou funções do corpo. Para que a coexistência não desencadeie reações adversas ou incontroláveis nos sistemas biológicos, o material estranho ao corpo humano deve ser biocompatível. O titânio já é usado como biomaterial na ortopedia, na substituição de ossos, há pelo menos 20 anos. Para aprofundar o conhecimento desse material na área odontológica, Guastaldi teve como base o projeto de auxílio à pesquisa financiado pela FAPESP Estudo das Propriedades Mecânicas e de Corrosão do Titânio e das suas Ligas Aplicadas como Biomaterial e a colaboração de vários projetos de mestrado e doutorado.

As pesquisas partem da principal característica do titânio, que é ser um material muito reativo em presença de oxigênio e portanto capaz de oxidar-se rapidamente. Com isso, na superfície do metal forma-se um óxido, com grande estabilidade termodinâmica, que dificulta as reações químicas posteriores. Mesmo assim o titânio é usado com sucesso para aplicação como biomaterial. O grande desafio dos pesquisadores da Unesp-Araraquara é desenvolver um processo que permita a alteração das características da camada oxidada. O objetivo é ter uma resposta mais adequada dos implantes e das próteses aos requisitos essenciais para um bom uso como biomaterial: ser biocompatível e biofuncional, ter bioadesão e preço compatível com a realidade brasileira.

Ligação sintética
“A nossa preocupação é promover uma mudança na superfície do titânio tornando-o um suporte apropriado, com área específica para se depositar a hidroxiapatita, um material sintético semelhante à parte inorgânica do osso, que faz a ligação entre o implante e o osso, fenômeno este denominado osseointegração”, explica Guastaldi.

“As nossas pesquisas direcionam-se por um caminho completamente diferente do que é realizado no resto do mundo”, diz ele, acrescentando apenas que o segredo da técnica está em promover mutações sutis na superfície do titânio.Mesmo as soluções mais modernas têm limitações. “A olho nu, os implantes dentários parecem perfeitos”, diz Guastaldi. “Mas quando submetidos aos sistemas eletrônicos de análise, como a microscopia eletrônica de varredura com ampliações de 35 a 10 mil vezes, constatam-se imperfeições na superfície dos materiais utilizados que poderão comprometer a tão desejada osseointegração.”Uma das conseqüências é a abertura de frestas milimétricas nas peças implantadas. Nessas frestas, as substâncias existentes na saliva favorecem o crescimento de uma placa bacteriana, responsável pela corrosão induzida por microrganismos, comprometendo dessa forma o desempenho do biomaterial implantado.

Para dar conta desses desafios necessita-se do conhecimento de química básica e química de materiais. Com essas preocupações e necessidades, Guastaldi formou uma equipe, chamada de Grupo de Biomateriais, que inclui químicos, dentistas, farmacêuticos, engenheiros de materiais e matemáticos.

Estudo pioneiro
O primeiro estudo de titânio no Grupo de Biomateriais foi do químico Ivan Ramires com sua tese de doutorado Estudo dos Mecanismos de Corrosão Empregando-se Espectroscopia de Impedância Eletroquímica dos Biomateriais: Titânio e Ligas Metálicas à Base de Titânio, que teve bolsa da FAPESP. Ele investiga, com o auxílio do matemático Jorge Capela, os mecanismos de corrosão e os tipos de filmes formados na superfície do material, quando estes estão em contato com meios que simulam a agressividade da saliva.

A química Luci Cristina de Oliveira estuda em sua tese de doutorado Modificação da Superfície do Titânio e da Liga Ti-6Al-4V para Implantes Dentários, também com bolsa da FAPESP, a modificação da superfície dos materiais, com posterior incorporação de fosfato de cálcio que pode formar a hidroxiapatita, responsável pela osseointegração.

Técnica de plasma
Outro químico, Anselmo Colombo de Alencar, iniciou em 1998 seu doutoramento com o tema Estudo das Modificações na Superfície do Ti c.p. – Titânio Comercialmente Puro e da Liga Ti-6Al-4V Usados como Biomateriais Utilizando-se Deposição por Plasma Spray, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele utilizou a técnica de plasma spray que é uma das formas usadas para o recobrimento de implantes metálicos com gases ionizados por meio de aspersão térmica.

Nessa técnica, o pó do metal que se deseja depositar no material a ser tratado é aspergido junto com uma chama de plasma (o quarto estado da matéria) por meio de uma pistola de alta temperatura e impulsionado pelo gás argônio que é inerte. Assim, o pó metálico é direcionado e fundido na superfície do titânio. O resultado é aumento da durabilidade do revestimento e a melhora da biocompatibilidade.

O problema, em todos os casos, é a instabilidade ou a pouca longevidade do processo de aderência dos depósitos de metal. “Com isso”, explica ele, “as peças do implante e os depósitos apresentam propriedades mecânicas diferentes e conseqüentemente trabalham com módulos de elasticidade diferentes: ou seja, em vez de atuarem em movimento harmônico, reagem de modo antagônico durante os movimentos de mastigação, levando o implante ao insucesso”.

Interesse empresarial
A equipe de Guastaldi espera finalizar os testes dos novos implantes de titânio ao longo deste semestre. “Pode ser que demore até mais, mas vamos tomar todos os cuidados para que a descoberta tenha aplicação prática de forma rápida”, diz. Guastaldi informa também que a empresa brasileira Conexão Sistemas de Prótese, fabricante de material para implantes dentários, está interagindo com o Grupo de Biomateriais e tem grande interesse nos resultados comentados pelos pesquisadores. Depois de ter o método completamente testado e a patente registrada no Brasil e em outros países, processo que terá o apoio da FAPESP, os pesquisadores da Unesp devem negociar o repasse da tecnologia para a Conexão. A empresa tem grande interesse em fabricar peças para implantes que proporcionem maior segurança e qualidade. Se tudo der certo, novos pinos dentários estarão no mercado odontológico em 2002.

O projeto
Estudo das Propriedades Mecânicas e de Corrosão do Titânio e das suas Ligas Aplicadas como Biomaterial; Modalidade Auxílio a projeto de pesquisa; Coordenador Antônio Carlos Guastaldi – Instituto de Química da Unesp – Araraquara; Investimento R$ 13.173,27 e US$ 34.475,00

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