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As danças do núcleo atômico

O âmago da matéria é muito mais inquieto do que se pensava e o movimento das partículas subatômicas não cabe mais nos modelos convencionais da Física

00Costumava-se imaginar o átomo como um minúsculo sistema planetário, no qual o núcleo faz o papel da estrela e os elétrons representam os planetas. Nessa figura – agora se sabe, ingênua – todo o dinamismo caberia aos elétrons, enquanto o núcleo seria uma ilha de tranqüilidade, habitada por prótons e nêutrons imóveis como se colados uns aos outros. A realidade não poderia ser mais diferente.

O núcleo é, na verdade, uma estrutura extremamente turbulenta, cujas partículas se movem e interagem sem cessar. Nessa agitação ininterrupta, há movimentos caóticos, que desafiam qualquer previsão. Mas, em condições especiais, como as produzidas por um poderoso campo eletromagnético, há situações específicas de excitação, nas quais prótons e nêutrons dançam organizadamente. Numa dessas condições – chamada ressonância gigante -todas as partículas do núcleo vibram coerentemente ao mesmo tempo. Um trio de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) – em colaboração com especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos – acaba de formular uma teoria para explicar a intrincada dinâmica desse fenômeno, que os físicos tentam entender desde os anos 50.

Naturais e exóticos
Integrada pelos professores Mahir Saleh Hussein, Antonio Fernando de Toledo Piza e Maurício Porto Pato, a equipe da USP não se limitou a equacionar as oscilações nucleares coletivas dos elementos da natureza. Ao lado de Luís Felipe Canto, da UFRJ, e Brett Vern Carlson, do ITA, explicou também os estranhos movimentos que ocorrem nos núcleos chamados exóticos – produzidos em laboratório, têm um número de nêutrons (partículas sem carga elétrica) menor ou maior do que o normal e só duram uma ínfima fração de segundo. Mas participam de etapas fundamentais na evolução das estrelas, daí a importância de estudá-los.

No decorrer do projeto temático chamado simplesmente Física Nuclear Teórica, entre 1997 e o final do ano passado, os pesquisadores publicaram 59 artigos em revistas internacionais – nove deles na Physical Review Letters. Agora, eles se lançam num empreendimento mais ambicioso: estender os conceitos elaborados a partir do núcleo atômico para o movimento sincronizado de átomos e moléculas. Nesse campo mais amplo, centram a atenção em dois objetos de enorme interesse científico e tecnológico: as moléculas chamadas buckyballs (estruturas geodésicas perfeitas formadas por 60 átomos de carbono) e os condensados de Bose-Einstein (gases atômicos resfriados até perto do zero absoluto).

A grande façanha da equipe até o momento foi produzir uma teoria que abrange tanto o balé simples das partículas nucleares durante sua excitação coletiva como a movimentação caótica que se instala a seguir. A capacidade de lidar com o caos é a principal diferença entre a nova abordagem e o velho modelo explicativo, que só funcionou bem enquanto a energia que produz os movimentos coordenados de prótons e nêutrons limitou-se a seu valor mínimo, que corresponde a 1 quantum. Conceito criado no início do século 20 para descrever os movimentos oscilatórios, em micro e macroescala, o quantum é uma medida de energia que depende da freqüência da oscilação do movimento.

Há pesquisas no patamar energético de 1 quantum desde os anos 50, quando os físicos do projeto ainda estavam nos bancos escolares. Até que, no início da década de 90, uma equipe do acelerador de partículas da Gesellschaft für Schwerionenforschung, ou Sociedade de Pesquisa de Íons Pesados (GSI), de Darmstadt, Alemanha, conseguiu gerar excitações coletivas com 2 quanta de energia. Foi aí que a antiga teoria capotou.

Para produzir a excitação coletiva num acelerador de partículas, é preciso acelerar feixes de núcleos e depois fazê-los colidir. O poderoso campo eletromagnético gerado pela aproximação dos núcleos atua então sobre os componentes nucleares. “Os fótons (partículas portadoras do campo eletromagnético) se acoplam aos prótons (partículas de carga elétrica positiva), deslocando-os coletivamente para o mesmo lado. E os nêutrons compensam esse deslocamento movendo-se para o lado oposto, de modo a conservar uma importante grandeza física, o momento ou quantidade de movimento”, diz Hussein. Prótons para cá, nêutrons para lá, os corpúsculos executam seu balé sincronizado.

Os experimentadores da GSI alcançaram o platô de 2 quanta, a etapa seguinte do movimento coordenado, imprimindo a núcleos muito pesados – chumbo, estanho, xenônio, ouro, urânio – uma aceleração extremamente elevada: 900 milhões de elétron-volts (MeV) por partícula (essa é a unidade de energia empregada em Física Nuclear: a massa do próton ou do nêutron é de aproximadamente 1.000 MeV).

Realizado num aparato chamado Land (Large Angle Neutron Detector), que fica no final do acelerador de partículas do GSI, o experimento ocorreu exatamente como era previsto, do ponto de vista qualitativo. Quando se tomaram as medidas quantitativas, porém, verificou-se que as contas não batiam com as estimativas teóricas baseadas no velho modelo atômico. Toledo Piza explica por quê: “Decorre do fato de esse tipo de excitação ser um fenômeno extremamente fugaz. As partículas nucleares vibram apenas duas ou três vezes em conjunto. Depois, a energia se dissipa, produzindo movimentos caóticos. E o pecado da antiga teoria era não saber lidar com esse ingrediente ruidoso”.

Quando o aporte energético ficava na marca de 1 quantum, isso não tinha maiores conseqüências, porque os analistas fechavam o foco nas duas ou três vibrações coletivas e o que vinha depois já não fazia parte da questão: era como um resíduo descartável. Quando a equipe da GSI conquistou o patamar dos 2 quanta, tornou-se impossível escamotear a complexidadedo problema.

01Ruídos no caminho
Esse era o estado da arte quando a equipe brasileira entrou em cena. Estudando a fundo, os físicos perceberam que os sistemas de partículas nucleares não respondiam aos saltos de energia tão simplesmente como supunha o modelo anterior. “Prótons e nêutrons”, revela Hussein, “não evoluíam do estado fundamental que caracteriza os núcleos encontrados na natureza para o estado excitado de 1 quantum e, daí, ordenadamente, para o estado de 2 quanta. Havia ruídos no meio do caminho. E o efeito desses ruídos precisava ser computado. Porque o segundo quantum de energia excitava partículas já dotadas do movimento caótico produzido pela dissipação do primeiro”.

Em outras palavras, aquilo que nos velhos experimentos de 1 quantum podia ser tratado como resíduo descartável agora fazia diferença. Com recursos matemáticos sofisticados, os pesquisadores brasileiros trataram de construir uma teoria completa, capaz de acomodar tanto as oscilações coletivas como os movimentos caóticos.

A tarefa foi bem-sucedida, a ponto de agora os pesquisadores alemães da GSI colaborarem ativamente com o time da USP, ao mesmo tempo em que se preparam para um vôo experimental mais alto: o estudo de excitações ao nível de 3 quanta. “Não é uma tarefa fácil”, antecipa Thomas Aumann, um dos pesquisadores da GSI que trabalha em colaboração com os físicos da USP. Quanto maior o patamar de energia, mais rápido e ruidoso se torna o processo, o que exige dos experimentadores grande perícia e uma aparelhagem muito especial. “O modelo da USP pode prever o estado de 3 quanta, e pessoalmente eu acredito que uma vibração de três fônons deveria mesmo existir”, comenta Aumann. O fônon equivale ao quantum, a unidade de energia da física quântica. “Como físico experimental, porém, prefiro observar essa situação e comparar com a teoria da USP.”

Na faixa dos 2 quanta, todos os elementos pesquisados se enquadraram perfeitamente na teoria da equipe da USP, exceto o xenônio, que – sabe-se lá por quê – parece resistir a qualquer norma teórica. “Acreditamos que isso se deva mais a alguma peculiaridade ainda desconhecida do núcleo do elemento do que a eventuais deficiências do novo modelo”, pondera Porto Pato.

Novo projeto
O grupo está na verdade confiante na universalidade da nova teoria e, concluído o primeiro projeto temático, iniciou o segundo, visando estender os mesmos conceitos para outras coletividades de corpúsculos – osbuckyballs e os condensados de Bose-Einstein.

Segundo o físico indiano Jagadis Chandra Bose (1858-1937) e o alemão naturalizado norte-americano Albert Einstein (1879-1955), em temperaturas próximas do zero absoluto, os átomos que compõem determinado tipo de gás se condensam e passam todos a ocupar o estado quântico de menor energia, mais estável, no qual permanecem praticamente parados. Esses condensados foram obtidos recentemente por um grupo de físicos franceses, alemães e italianos, que noticiaram o fato na revista Science de 20 de abril.

Os pesquisadores da USP estudam a possibilidade de criar condensados híbridos, nos quais pares de átomos se convertem em moléculas e vice-versa. “Nesse caso, poderia haver uma oscilação coletiva, de átomos contramoléculas, análoga à que ocorre entre os componentes do núcleo”, diz Toledo Piza. “O interessante”, acrescenta, “é que esses sistemas podem ser muito grandes – com 500 mil átomos e alcançando o tamanho de 1 mícron, por exemplo – e, ainda assim, exibir comportamento quântico”. Ou seja, comportamento de partículas subatômicas.

A descrição desse fenômeno é ainda mais complexa que a das oscilações nucleares, porque, enquanto no núcleo o número de prótons e nêutrons permanece constante, nos condensados híbridos há uma variação permanente da quantidade de átomos e moléculas, já que uns se convertem nosoutros.

“Estamos interessados também em estabelecer um vínculo com os físicos experimentais da USP em São Carlos, coordenados pelo professor Vanderlei Bagnato, que vêm procurando produzir condensados de átomos de dois elementos diferentes – rubídio e sódio”, diz Hussein.

As perspectivas de aplicação tecnológica dessas investigações são muito promissoras. O estudo de átomos frios já levou, por exemplo, a um aperfeiçoamento enorme nas medições do tempo. Graças a ele, a precisão com que se determina o tempo hoje é de 1 para 100 quatrilhões (o número 1 seguido de 17 zeros), o que equivale a cometer um erro de 5 segundos na idade do universo.

A preocupação em municiar o trabalho experimental é constante. A segunda parte da pesquisa, dedicada aos núcleos exóticos, já equivale a um forte empurrão na física experimental desenvolvida no país. Para entender o que são esses núcleos, vale considerar o caso do lítio. Os núcleos do lítio encontrado na natureza são constituídos por três prótons e quatro nêutrons. Por isso, esse elemento é conhecido como lítio 7, o número de suas partículas nucleares. Mas, pela fragmentação do oxigênio, é possível fabricar um lítio 11, com quatro nêutrons a mais.

Núcleo estranho
O novo núcleo tem características estranhas. A começar pelo tamanho: apesar de formado por apenas 11 partículas, ele é enorme, quase tão grande quanto o do chumbo, composto por 82 prótons e 126 nêutrons. “Isso se deve a um efeito quântico que faz com que, dos quatro nêutrons adicionais, apenas dois fiquem confinados no pequeno espaço ocupado pelas sete partículas do núcleo básico. Os outros dois passam a se mover em volta desse caroço de nove partículas, num halo relativamente distante do centro”, explica Porto Pato. Daí o inchaço do núcleo.

Mas o tamanho não é tudo. Igualmente extravagante é a dança coletiva dessas partículas quando o núcleo sofre a ação de um campo eletromagnético. No caso, dois modos de vibração que se combinam: os três prótons deslocam-se contra os seis nêutrons no caroço; e o caroço como um todo desloca-se contra os dois nêutrons do halo. A primeira oscilação é rápida, típica de um corpo relativamente rígido, e a segunda, lenta, como convém a um sistema macio.

Por mais intrincados que pareçam, esses movimentos compostos são, na verdade, mais simples que as oscilações coletivas produzidas no laboratório da GSI. Porque a vibração suave do caroço contra o halo tem muito pouca energia. “São estados de um quantum apenas. De modo que, neles, os movimentos caóticos provocados pela dissipação da energia tornam-se irrelevantes”, comenta Toledo Piza. Como caso particular, as oscilações dos núcleos exóticos puderam ser perfeitamente descritas pela nova teoria, sem que fosse necessário lançar mão de todo o aparato matemático que o modelo contém.

Esse é um estudo especialmente relevante no domínio da dinâmica estelar. Um dos objetos de interesse, no caso, é o boro 8, que tem dois nêutrons a menos do que o boro normal. “No Sol, esse núcleo exótico decai, produzindo o berílio 8, que, por sua vez, se desintegra em duas partículas alfa (constituídas por dois prótons e dois nêutrons)”, explica Hussein. “No decaimento do boro 8, ocorre supostamente a liberação de um neutrino – partícula elementar da mesma categoria (léptons) do elétron – de energia alta. Conhecendo melhor esse núcleo, talvez possamos explicar por que o número deneutrinos detectado na Terra éaproximadamente a metade do previsto pelo modelo padrão da evolução solar.”

As aplicações da nova teoria são amplas, mas isso ainda não é tudo. O projeto já pôs o Brasil em sintonia com o padrão internacional em física nuclear e atraiu para a USP quatro pós-doutorandos: o inglês Adam Sargeant, o japonês Manabu Ueda, o russo Oleg Vorov e o chinês naturalizado brasileiro Chi-Yong Lin. Outro desdobramento foi o congresso internacional Collective Excitation of Bose and Fermi Systems, coordenado pelos membros da equipe e patrocinado pela FAPESP, em 1998, que teve a participação do físico William Phillips, ganhador do Prêmio Nobel de 1997. Com esses antecedentes, é compreensível a expectativa em torno dos próximos passos do grupo, que agora lança o olhar sobre as coletividades de átomos e moléculas.

A teoria, desde os antigos

Há pelo menos três milênios o homem avança na tentativa de desvendar o microcosmo da matéria

A noção de átomo remonta às mais antigas escolas filosóficas indianas: o sistema Vaisesíka – nome derivado do sânscrito visesas, “individualidade atômica” – postulou sua existência há não menos que 2.800 anos e, muito provavelmente, herdou esse conceito de um passado ainda mais remoto. Nós o recebemos de Leucipo e seu discípulo Demócrito, filósofos gregos do século 5 a.C.

A noção grega de átomo, como fração mínima e indivisível da matéria, passou por radical transformação em 1897, com a descoberta experimental do elétron pelo físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940). Com base nesse achado e no fato de os átomos serem eletricamente neutros, Thomson supôs que contivessem um segundo ingrediente, para contrabalançar a carga dos elétrons. Daí nasceu seu modelo do átomo como um pudim de passas: uma carga positiva, distribuída uniformemente, formaria a massa do pudim, enquanto os elétrons, salpicados aqui e ali, seriam as passas. Um modelo saboroso, mas que não resistiu à observação.

Bombardeio
Ela foi realizada pelo neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937) em 1910. As partículas alfa (que hoje sabemos formadas por dois prótons e dois nêutrons) acabavam de ser descobertas e Rutherford resolveu usar esses minúsculos projéteis, liberados em processos radioativos, para investigar a intimidade do átomo. Bombardeando uma finíssima folha de ouro com um feixe de partículas alfa, verificou que a maioria dos corpúsculos atravessava a folha praticamente sem se desviar, ao passo que uns poucos eram violentamente rebatidos.

Concluiu que os átomos da folha se estruturavam como diminutos sistemas planetários. A maior parte de seu espaço interior era vazia, atravessada sem problemas pelas partículas alfa. A carga positiva se concentrava num núcleo central, responsável pelo rebatimento de parte dos corpúsculos. Separados da carga positiva pelo vazio, os elétrons giravam ao redor do núcleo, como planetas em torno de uma estrela.

Compatível com os dados experimentais e fácil de ser representado graficamente, o modelo de Rutherford tinha ainda a virtude de trazer aos espíritos a reconfortante idéia de que um mesmo padrão de organização se reproduzia nas estruturas do universo, do microcosmo ao macrocosmo. Apresentava, porém, um importante defeito.

Segundo a física clássica, cargas em movimento emitem radiação eletromagnética e, ao fazê-lo, perdem energia. Ou seja, os elétrons em trânsito deveriam ter sua velocidade continuamente diminuída e, por isso, descrever órbitas cada vez menores. Numa fração de segundo, eles se chocariam contra os núcleos, não sobraria nenhum átomo no universo, nem estaríamos aqui para contar a história. Mentes conservadoras descartariam o modelo, em nome das boas leis da física. Não foi o quefez o jovem físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), que, em 1912, juntou-se à equipe de Rutherford na Universidade de Cambridge.

Salto quântico
Num lance de gênio, Bohr incorporou ao modelo planetário de Rutherford o conceito quântico de energia, formulado no início do século por Max Planck (1858-1947). Por esse conceito, a energia não é um fluido contínuo, como pensara a física clássica, mas um fluxo descontínuo de “grãos”, quantidades mínimas não fracionáveis chamadas quanta (plural latino de quantum). O próprio Planck não levava essa idéia muito a sério e só a utilizara como artifício matemático. Mas Bohr agarrou-se a ela e, depois de meses de cálculos, produziu o primeiro modelo quântico do átomo. Nele, há órbitas precisas nas quais o elétron se move sem emitir radiação. A troca de energia com o meio só ocorre quando o elétron “salta” de uma dessas órbitas estacionárias para outra. Esse “salto quântico” é um dos aspectos mais revolucionários do novo modelo: sem passar pelo “espaço intermediário”, o elétron simplesmente desaparece de sua órbita original para aparecer instantaneamente na outra.

Em 1913, Thomson descobriu que um elemento químico podia ter átomos com a mesma carga elétrica e massas diferentes, chamados isótopos. A existência deles sugeria que, além de partículas negativas (elétrons) e positivas (prótons), os átomos deviam conter um terceiro tipo de corpúsculo, neutro, porém maciço. Rutherford chamou essa partícula de nêutron, mas sua existência só foi demonstrada experimentalmente pelo inglês James Chadwick (1891-1974), em 1932. Com massa relativamente próxima à do próton, o nêutron compõe com ele o núcleo atômico.

Interação forte
Sabemos hoje que o núcleo é 10 mil a 100 mil vezes menor do que o átomo. Dependendo do número de partículas que contém, seu diâmetro médio oscila entre o quatrilhonésimo e o centésimo trilhonésimo de metro (10-15 a 10-14 m). O volume decorrente é tão exíguo que nos pode levar à falsa idéia de que prótons e nêutrons estariam simplesmente espremidos em seu interior, incapazes do menor movimento. Não é o que ocorre, porém. Eles dispõem, na verdade, de espaço suficiente para desenvolver velocidades da ordem de 30 mil quilômetros por segundo – um décimo da velocidade da luz. E, como acontece com o próprio átomo, distribuem-se numa estrutura em camadas que é regida por princípios quânticos. Seu confinamento numa região tão pequena se deve à chamada interação forte, que impede que o núcleo se estilhace por efeito da repulsão eletromagnética entre os prótons. A intensidade dessa força é 100 a 1.000 vezes superior à da interação eletromagnética. Mas seu alcance é extremamente limitado: não mais do que um quatrilhonésimo de metro (10-15 m), enquanto a força eletromagnética se propaga indefinidamente.

Essa interação forte, que em seu reduzido âmbito de atuação é a força mais poderosa da natureza – tem outra estranha peculiaridade: passa de atrativa a repulsiva quando as partículas se aproximam demais entre si. Isso permite que mantenha o núcleo coeso e, ao mesmo tempo, evita que prótons e nêutrons se esmaguem uns contra os outros. Os físicos acreditam, aliás, que ela seja responsável pela própria existência dos prótons e nêutrons, já que mantém aprisionados em seu interior os corpúsculos ainda menores que os constituem: os quarks, cuja existência foi postulada na décadade 1960 pelo norte-americano Murray Gell-Mann (1929-).

Segundo o modelo padrão vigente na física departículas, longe de serem minúsculas esferas desprovidas de estrutura interna, prótons e nêutrons assemelham-se mais a ínfimos, porém turbulentos oceanos. Em cada um deles, três quarks se movem em altíssima velocidade numa nuvem formada por glúons, as partículas portadoras da interação forte.

Dentro dessa nuvem, flutuações de energia fazem com que pares de quarks e antiquarks se materializem e desmaterializem incessantemente, sobrevivendo só por frações de segundo. Esse fluxo ininterrupto já foi comparado a uma tempestade no interior de uma gota – imagem que expressa bem o dinamismo dos mundos atômico e subatômico, onde não há lugar para o repouso e a permanência.

O projeto
Física Nuclear Teórica (96/01381-0); Modalidade: Projeto temático; Coordenador: Mahir Saleh Hussein – Instituto de Física da USP; Investimento: R$ 26.730,00

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