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Patentes

Receita para bons negócios

Seminário avalia estratégias para levar a pesquisa ao mercado com sucesso

O que leva tecnologias ao mercado não é só o seu potencial comercial nem seu teor de inovação. Regras do mundo dos negócios também são necessárias, e a correta adequação a elas é ainda mais importante quando se trata de captar recursos, e encontrar mercados, no exterior. Para discutir o tema, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) realizou, com o apoio da FAPESP, o seminário Comercialização Internacional de Tecnologia Brasileira, na sede do instituto, em 29 de novembro do ano passado. “Todos nós temos muito que aprender sobre esse assunto”, afirmou Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), da FAPESP.

Abordando os desafios que se colocam para a comercialização da tecnologia brasileira, o norte-americano Robert Sherwood, consultor que colaborou para a reforma dos sistemas de propriedade intelectual de 11 países trabalhando para o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, lembrou que, antes de prospectar recursos, é fundamental que se verifique se a tecnologia objeto da pesquisa ainda não foi inventada e se ela tem oportunidades no mercado. O passo seguinte é encaminhar o registro da patente. Esse processo, frisou, tem de ser iniciado antes da publicação do trabalho – o que, evidentemente, não significa que os resultados da pesquisa não devam ser publicados. “A publicação prematura desfecha um golpe mortal sobre qualquer perspectiva de comercialização futura”, disse. “Os analistas recebem centenas de planos de negócios e simplesmente eliminam, logo na primeira triagem, aqueles nos quais o problema da propriedade intelectual não está contemplado”, disse.

Sherwood afirmou que, na busca de capital, o mais difícil é conseguir financiamento para a pesquisa. Ressalvou que essa é uma dificuldade que os pesquisadores brasileiros praticamente não conhecem em função dos mecanismos de fomento disponíveis. “Ainda são raros, porém, os casos em que a imensa criatividade dos brasileiros rende frutos do ponto de vista comercial. E os contribuintes, que financiam a pesquisa, têm o direito de condenar a falta de preocupação com o potencial econômico das tecnologias desenvolvidas no Brasil. “Na avaliação de Sherwood, a lentidão dos processos de patenteamento no país pode ser um obstáculo à obtenção de recursos.

Lembrou que iniciar o processo de registro de patentes pelo Brasil não é a única possibilidade. Como alternativa, ele sugeriu iniciar pelos mercados em que a aplicação da tecnologia tenha maior potencial comercial. Afirmou também que a legislação brasileira, apesar dos avanços registrados em 1997, ainda deixa os investidores receosos com, por exemplo, o poder de decisão do governo sobre quebra de patentes por razões de interesse público, ou a impossibilidade de patentear alguns bens, como material transgênico e software.

O especialista ressaltou que é necessário proteger informações relativas a tecnologias patenteáveis por contratos de confidencialidade – os chamados non-disclosure agreements – com redação clara. Em projetos que presumem pesquisa compartilhada, convém que os contratos estabeleçam nitidamente a responsabilidades de cada uma das partes envolvidas. Walter Bayer, vice-presidente da GE Licensing, divisão da General Electric dedicada exclusivamente ao licenciamento de patentes, definiu o licenciamento de tecnologias como um negócio. Na avaliação de Bayer, um bom plano de negócios começa pela identificação dos interessados. Apenas deter os direitos de propriedade intelectual sobre determinada tecnologia não basta, se não houver potencial efetivo de licenciamento. As expectativas de retorno dos investimentos devem ser quantificáveis. “Argumentos como ‘qualquer lojinha vai vender’ não devem ser usados”, adverte Bayer.

No que diz respeito ao registro de patentes propriamente dito, Bayer lembrou que idéias não podem ser patenteadas: em qualquer parte do mundo, é preciso contar com algo tangível. Da mesma forma, os chamados segredos comerciais não são passíveis de proteção por patente – são fórmulas, ou mesmo processos, que as empresas guardam a sete chaves por seu valor como diferencial competitivo. Nesse sentido, o exemplo mais conhecido é o da receita da Coca-Cola, mas há milhares de outros, bem menos evidentes. “Em uma companhia de software, uma idéia se transforma em código, e código-fonte pode constituir um um segredo comercial.” No caso, o que pode ser patenteado é o produto de software, que ganha tangibilidade por meio de gravação, digamos, em um CD.

A decisão de patentear uma tecnologia ou tratá-la como segredo comercial depende de uma avaliação dos riscos envolvidos e de uma comparação cuidadosa dos custos e benefícios de cada opção. A patente é a escolha mais segura. Na visão de Bayer, uma política de licenciamento bem-sucedida deve, entre outras coisas, apoiar-se em um portfólio amplo e competitivo. Mesmo quando se trata de licenciar apenas uma tecnologia, a capacidade de antever as aplicações possíveis, imediatas ou futuras, faz diferença. O plano de negócios deve se fundamentar, porém, nos resultados a curto prazo e utilizar um estilo de argumentação agressivo. Do ponto de vista comercial, também é preciso manter a flexibilidade, dando abertura para o futuro licenciado realizar as modificações que forem de seu interesse. “Uma patente não é um monopólio”, disse Bayer.

Conflitos de interesse
Christopher Ostrovski, presidente da Technology Partners International, agência especializada em transferência de tecnologia com sede em Guelph, no Canadá, comentou um estudo realizado por ele que tinha como objetivo uma melhor compreensão dos conflitos de interesse que muitas vezes permeiam a relação entre universidades e empresas. “Os objetivos do pesquisador incluem o direito de publicar seus trabalhos, transferir propriedade intelectual para a sociedade e o compromisso com o desenvolvimento da pesquisa”, enumerou. “Por sua vez, a empresa quer vantagem competitiva, a construção de uma base tecnológica e uma visão das novas tecnologias.” A solução desse conflito está na consciência das necessidades da outra parte, e uma das questões a serem equacionadas é a que antepõe a proteção de direitos de propriedade intelectual à publicação dos trabalhos.

Ostrovski acredita que as duas partes devem estar dispostas a estabelecer relações de longa duração para desenvolver confiança recíproca e que um dos caminhos mais fáceis para chegar a isso é a aproximação. “Para fazer o marketing de suas tecnologias, a universidade deve nomear representantes com habilidades de comunicação e capazes de administrar as diferenças filosóficas entre a academia e a indústria.” No que diz respeito à prospecção de recursos, Ostrovski aconselhou os pesquisadores a prestar atenção aos diversos tipos de investidores possíveis – de amigos dispostos a apostar em uma tecnologia a bancos, dos chamados “anjos” (indivíduos muito ricos que gostam do setor tecnológico e agem quase como os mecenas das artes) aos investidores institucionais e, no caso de empresas de base tecnológica, abertura do capital.

A advogada Juliana L.B. Viegas, da Trench, Rossi e Watanabe, fez uma explanação sobre a evolução do conceito de propriedade intelectual no contexto da legislação brasileira. “Com mais de 30 anos de carreira, vi muitos casos de importação de tecnologia e no máximo dois ou três casos de exportação de tecnologia brasileira, e talvez este seja o momento da virada.” Ela afirmou que o país, do ponto de vista legal, não tem o conceito de licenciamento de tecnologia – o que existe é só transferência permanente. Outra dificuldade apontada por ela é a limitação da remessa de royalties e da dedutibilidade para fins fiscais entre 1% e 5% das vendas líquidas e a obsolescência da definição de essencialidade que pauta a aprovação das importações de tecnologia, que data de uma portaria de 1958.

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