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CONFERÊNCIA DA ALCUE

Cooperação para o desenvolvimento

América Latina e Caribe e UE querem ampliar investimentos em PeD

A América Latina e Caribe e a União Européia (UE) estão buscando formas de ampliar os investimentos na área de ciência e tecnologia (CeT) e redefinir políticas de cooperação para expandir a pesquisa e o desenvolvimento (PeD) entre os países membros. O grande desafio é reduzir o gap tecnológico que aprofunda as desigualdades econômicas e sociais regionais e compromete a competitividade das nações no mercado internacional. Os dois blocos de países já mantêm, historicamente, relações de parceria na forma de acordos bilaterais, que, no entanto, necessitam ser reformuladas para que se traduzam num intercâmbio eficaz com ganhos concretos para toda a sociedade.

O foro para esse novo diálogo sobre a cooperação científica e tecnológica é a Alcue – Conferência Ministerial sobre Ciência e Tecnologia da América Latina, Caribe e União Européia -, instalada no Rio de Janeiro, em junho de 1999, e que teve continuidade em Brasília, entre os dias 20 e 22 de março último. Ministros e representantes de 47 países elaboraram propostas para a cooperação birregional, e que constam na Declaração de Brasília, que serão submetidas à aprovação dos chefes de Estados e governos, nos dias 17 e 18 de maio, na II Cimeira da Alcue, em Madri.

A expectativa da Alcue é que esse novo modelo de parceria produza, rapidamente, resultados. E a pressa se justifica: os Estados Unidos investem, anualmente, 2,7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia, equivalente a US$ 216 bilhões, o que explica a sua liderança mundial em pesquisa, desenvolvimento e inovação e em relação ao número de patentes registradas de processos e produtos. No Japão, o porcentual é ainda maior: supera a casa dos 3% e atinge a cifra dos US$ 126 bilhões, garantindo posição de destaque no restrito grupo de países inovadores.

A União Européia também aposta alto em ciência e tecnologia: o investimento médio dos 15 países membros no setor foi de 2,4% do PIB em 2001, algo em torno de 150 bilhões de euros ou US$ 133 bilhões. Mas esse resultado deve-se à contribuição de países como Alemanha, Suécia, Finlândia, Reino Unido e França, que investem até 4,84% do PIB em PeD. De acordo com a Eurostat (agência de estatísticas da União Européia), 21 dos 211 centros de produção de tecnologia de países da UE são responsáveis por mais da metade das 10.500 patentes com aplicação em alta tecnologia depositadas no Escritório Europeu de Patentes, em 2000. O destaque é para a Alemanha, que no período em questão produziu 42% das patentes de alta tecnologia.

O desempenho de países como Portugal e Espanha, que contabilizam, respectivamente, investimento de 0,9% e 1,7% de seus PIBs em CeT,ou ainda o da Itália e Grécia, que também registram baixo padrão de gastos em pesquisa, deixa claro que a UE convive com forte concentração regional na produção do conhecimento e, conseqüentemente, com enorme disparidade de desenvolvimento tecnológico entre os países.

Agenda política
As desigualdades regionais são ainda mais gritantes quando se observa o desempenho dos países latino-americanos e caribenhos. No ano passado, os gastos médios em CeT de grande parte dos países da região oscilou entre 0,4% e 0,6% do PIB. Com um total de investimentos inferior a US$ 15 bilhões, a grande maioria dos países da América Latina e Caribe integra o grupo de nações qualificadas como tecno-excluídas. A boa notícia é que a maior parte dos governos já tem claro que ciência e tecnologia têm papel estratégico no desenvolvimento e incluiu em sua agenda política planos de ampliação dos investimentos no setor. Mas o grande problema é a sua estrutura de financiamento: pelo menos 80% desses recursos têm origem nos cofres públicos, já que a contribuição privada para pesquisa e desenvolvimento ainda é baixa.

O Brasil, por exemplo, conseguiu elevar os gastos em CeT de 0,6% para os atuais 0,9% do PIB, nos últimos dois anos, agregando ao orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) recursos dos fundos setoriais para financiar a pesquisa científica e tecnológica em setores estratégicos. O MCT espera que o Congresso Nacional aprove, ainda neste semestre, o projeto de Lei de Inovação por meio do qual pretende estimular o empreendedorismo e estreitar relações entre a universidade e o setor privado. A expectativa é que, em 2010, o país contabilize recursos da ordem de 2,4% do PIB no setor, com incremento da participação privada.

O México enfrenta problemas muito semelhantes: pretende atingir o patamar de 1,5% de investimentos em CeT, nos próximos dois anos, com um conjunto de medidas de incentivos fiscais para ampliar a participação privada. Também o Chile conta com o apoio das empresas para ampliar os investimentos em CeT dos atuais 0,7% para 1,2% do PIB até 2006. “O crucial, nesse contexto, é fazer com que o setor privado faça um aporte, que não seja só recursos públicos”, enfatiza Eric Goles Chacc, presidente da Comissão Nacional de Investigação Científica e Tecnológica do Chile (Conicyt).

A situação não é diferente na Costa Rica, país que investe 0,5% do PIB em CeT. “Nos últimos quatro anos criamos um fundo especial com o objetivo de fortalecer as unidades de pesquisa e, ao mesmo tempo, criar uma nova cultura no setor empresarial”, conta Fernando Gutierrez, vice-ministro da Ciência e Tecnologia costa-riquenho. O fundo, formado por recursos governamentais e privados, financia projetos das unidades de pesquisa em função das necessidades das empresas. “Temos que criar uma nova cultura no setor empresarial, em sua maioria formado por pequenas e médias empresas.”

A proporção entre investimentos públicos e privados em PeD só é mais equilibrada em Cuba. “Investimos US$ 120 milhões no setor, ou 1,68% do PIB. No ano passado, 60% foram gastos públicos e 40% foram aportados pelas próprias empresas”, conta América Santos Rivera, vice-ministra cubana de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. “Não temos dúvidas de que o futuro da investigação científica está no estreitamento das relações entre a indústria, a universidade e os centros de investigação”, conclui.

Incentivos fiscais
A baixa participação privada nos investimentos em PeD também preocupa os paísesda União Européia. Enquanto nos Estados Unidos eles contribuem com 69% dos investimentosem PeD, na União Européia amédia da participação privada é de 56%. Mas, mais uma vez, esse desempenho não é homogêneo. Em Portugal, por exemplo, a parcela das empresas no financiamento das pesquisas é da ordem de 30%. “Isso faz repousar sobre os fundos públicos a maior parte do esforço de investigação que é necessário promover”, afirma Armando Trigo de Abreu, presidente do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional, do Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal.

Na tentativa de alterar esse quadro, o Conselho Europeu de Barcelona, reunido nos dias 15 e 16 de março, sugeriu que os países membros não medissem esforços para atingir, nos próximos dez anos, um patamar de investimentos em CeT de 3% do PIB, e que fossem criadas condições – leia-se incentivos fiscais – para a expansão dos investimentos de empresas em PeD. “Dos 3% de investimentos desejados, mais ou menos dois terços deveriam ser feitos pelo setor privado e um terço pelo setor público, em média”, explica Ana Birulés i Bertran, ministra para a Ciência e Tecnologia da Espanha. Como a Espanha, até junho, ocupa a presidência da União Européia, a ministra acumula o cargo de presidente do Conselho de Pesquisa da UE, presidente do Conselho Industrial da UE e presidente do Conselho de Telecomunicações da UE.

A Declaração de Brasília, que reúne as propostas da Alcue, não estabelece metas para investimentos em CeT. O diretor-geral do Conselho Nacional para a Ciência e Tecnologia do México, Jaime Parada Avila, até sugeriu que o documento estabelecesse patamares mínimos para investimentos no setor – entre 1% e 1,5% do PIB – nos próximos dez anos, proposta que contou com o apoio do Panamá, Equador, Chile, Cuba e Colômbia, por tratar-se de um forma de “amarrar compromisso dos governantes”, conforme foi justificado.

Prevaleceram no entanto os argumentos diplomáticos e, no documento, os participantes da conferência aplaudem a decisão do Conselho Europeu de Barcelona e expressam “a esperança de que um esforço paralelo seja envidado nos países da América Latina e do Caribe para atribuir a máxima prioridade possível à política de CeT e aumentar significativamente os recursos dedicados ao desenvolvimento, à pesquisa e à tecnologia”.

Financiamento
A questão do financiamento do desenvolvimento tecnológico, como se vê, é um problema comum aos dois blocos de países e um desafio para consolidar a cooperação científica. “É necessário pensar qual o modelo de financiamento a ser adotado no plano internacional. Estamos estudando algumas propostas”, diz Ronaldo Sardenberg, ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que já têm recursos para o setor, poderiam ser parceiros nesse projeto, mas, para tanto, seria necessário rever sistemas de apoio considerados “obsoletos”.

A ministra da Ciência e Tecnologia da Espanha acredita que a cooperação entre países, no âmbito da Alcue, também poderá contar com o estímulo de agências como o Banco Europeu de Investimentos e de recursos provenientes de convênios com empresas privadas. “Creio que essa é uma disposição que veremos crescer entre organismos, bancos e entidades financeiras dedicadas ao fomento”, afirma. Para Ana Birulés, o financiamento para CeT será um “elemento-chave” na Cúpula de Chefes de Estado e Governo, em Madri.

Declaração de Brasília 
Em maio, a Cúpula de Chefes de Estado e Governo de 47 países da América Latina, Caribe e União Européia, em Madri, deverá transformar em decisão política a recomendação da Alcue de criar um “espaço específico” para a cooperação científica e tecnológica entres os dois blocos econômicos. Essa é a essência da Declaração de Brasília, aprovada ao final da Conferência Ministerial sobre Ciência e Tecnologia. A relação entre esses países tem sido, historicamente, bilateral.

A intenção agora é criar um marco inter-regional de cooperação em áreas prioritárias para a atuação conjunta: saúde e qualidade de vida, sociedade da informação, crescimento competitivo em ambiente global, desenvolvimento sustentável e urbanização e patrimônio cultural. A parceria também contempla questões ligadas à capacidade de inovação dos países, como educação e treinamento de recursos humanos, mobilidade transnacional e intersetorial de pesquisadores e estudantes nas áreas de pesquisa apontadas. Um grupo de trabalho com 18 membros vai detalhar, até o final do ano, sugestões de medidas concretas para pôr em prática essa decisão.

A conferência definiu também um plano de ação que preconiza a mobilização de todos os recursos necessários, nacionais e regionais, com participação dos setores público e privado bilaterais e birregionais” para a cooperação científica e tecnológica entre países. Está previsto, ainda, o apoio a redes transnacionais de centros de excelência, com o envolvimento de instituições científicas, acadêmicas e tecnológicas nacionais de todos os países parceiros.

Acordo com a Argentina
Ao mesmo tempo em que participa do diálogo multirregional no âmbito da Alcue, o Brasil intensifica sua política de cooperação bilateral com países da América Latina e União Européia. O Ministério da Ciência e Tecnologia fechou um amplo acordo com a Argentina por meio do qual se compromete a disponibilizar R$ 1,5 milhão do Programa Sul-Americano de Apoio às Atividades de Cooperação em Ciência e Tecnologia (Prosul) para financiar o intercâmbio e a formação de recursos humanos. A parceria prevê que pesquisadores brasileiros e argentinos possam fazer visitas bilaterais, com períodos de 15 dias a seis meses de duração, e receber bolsas de doutorado e pós-doutorado.

O acordo de cooperação inclui também ações conjuntas no setor de genômica com capacitação de recursos humanos nas áreas de biologia molecular, bioinformática e seqüenciamento de genes. A idéia é formar uma rede binacional de genômica e proteônica, que poderá incluir laboratórios argentinos na Rede Nacional de Biologia Molecular Estrutural.

Brasil e Argentina pretendem, ainda, submeter ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) proposta de financiamento de projeto de cooperação em CeT no prazo de cinco anos. Os projetos serão definidos nas próximas semanas. “Entendemos que essa é uma parceria estratégica, pois sem ela a Argentina não se sustenta no mundo globalizado”, afirma o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina, Júlio Luna.

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