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Microeletrônica

Na trilha do futuro

Programa permite que alunos projetem e testem circuitos integrados fabricados no exterior

DANIEL SILVA DE LARA / CCS-UNICAMPCircuitos integrados, ou chips, estão por toda parte. Sem fazer ruído, essas pequenas peças, que têm o silício como base e constituem o coração dos computadores, se multiplicam, embutidas nos mais variados tipos de equipamentos, de dispositivos high tech para telecomunicações a brinquedos infantis, de automóveis a eletrodomésticos e relógios. Com tamanha importância industrial, não é de estranhar que o domínio da fabricação de chips cause um impacto direto sobre a competitividade de cada país. No Brasil, ainda não há consenso sobre a necessidade de produção local de chips. Altos investimentos (cerca de US$ 2 bilhões) e excesso de oferta desses dispositivos no mercado mundial são os dois motivos mais importantes alegados por aqueles que são contrários.

Em um ponto, porém, há unanimidade: a capacidade de projetarchips é fundamental, porque esse é o bem de maior valor na indústria eletrônica e aquele que pode gerar empregos qualificados. Essa proposição impulsionou, já em 1994, a FAPESP a criar o Programa Especial para Fabricação de Circuitos Integrados no Exterior, conhecido como multiusuário (PMU), com o objetivo de oferecer aos alunos de pós-graduação nas universidades ou de qualquer outra instituição de pesquisa paulista a chance de ver e testar os chips que projetaram. O programa contribui assim para a formação de recursos humanos para design de circuitos eletrônicos, um fator importante para a modernização da indústria de produtos de eletrônica, e também para a instalação de uma fábrica desses produtos no país.

“Sem o PMU, não teríamos recursos para a produção dos chips, e o que determina o sucesso de um projeto são os testes”, afirma o professor Jacobus Swart, diretor do Centro de Componentes para Semicondutores (CCS), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e coordenador do PMU. “A produção de um chip é também um fator de mobilização do interesse dos estudantes por uma área estratégica para o desenvolvimento econômico do país.”

Longo tempo
O primeiro programa PMU nasceu na antiga Fundação Centro Tecnológico para Informática (CTI), hoje Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), durante os anos 80, lembra Wilhelmus Van Noije, chefe do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP e membro do comitê assessor do PMU. Esse programa do CenPRA tinha um alcance nacional e adotava uma metodologia diferente da usada atualmente. Os projetos eram reunidos e enviados ao exterior em grandes lotes. Nesse método de trabalho, o prazo de envio dos desenhos dos circuitos eletrônicos era muito longo, resultando numa conseqüente demora no retorno doschips. Além disso, o programa era limitado a uma única tecnologia de fabricação, Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS). Dessa forma, o PMU da FAPESP veio somar os esforços da iniciativa original do CenPRA, oferecendo flexibilidade na escolha da tecnologia, reduzindo prazos e garantindo os recursos financeiros necessários.

“No início dos anos 90, vivíamos um período de inflação muito alta e a desvalorização da moeda entre a solicitação de verbas e sua liberação inviabilizava muitos projetos”, lembra Van Noije. “Com o PMU, as coisas se tornaram bem menos burocráticas.” Para a produção, as universidades que participam do programa utilizam, basicamente, os serviços de duas empresas européias – a Circuits Multi-Projects (CMP), em Grenoble, França, e a Europractice, na Bélgica -, que atendem encomendas de diversos centros de pesquisa, universidades e empresas espalhados pelo mundo, num período de dois a quatro meses. Essas foundries (fundições) oferecem diversos processos de produção, para os mais variados padrões de circuitos integrados. Fortalece-se, hoje, a tendência dos systems on chip (SoCs), que está levando à substituição progressiva dos diversos componentes antes necessários para a operação de um equipamento por circuitos integrados mais evoluídos e multifuncionais.

Os coordenadores do PMU avaliam todos os projetos antes de autorizar a fabricação das peças, para analisar o mérito do trabalho proposto e evitar que eventuais erros comprometam os protótipos, gerando atrasos no desenvolvimento do trabalho do mestrando ou doutorando. Afinal, os desenhos são quase sempre muito complexos. “Hoje, um só chip pode concentrar uma quantidade de trilhas (onde ficam gravadas as informações) suficiente para retratar o mapa do Brasil, com todos os rios, todas as ruas das cidades e todas as estradas que cortam o país”, comenta Swart.

“Desde sua criação, o PMU contribuiu para a formação de cerca de 100 projetistas, entre mestres e doutores”, lembra Swart. Muitos destes estão trabalhando em universidades, centros de pesquisa e empresas, como na design house da Motorola. Muitos dos trabalhos desenvolvidos sob o programa foram publicados em periódicos especializados internacionais. Entre eles, destaca-se, por exemplo, o desenvolvimento de uma técnica para aumentar a velocidade de processadores CMOS digitais, de João Navarro Júnior, sob a orientação de Van Noije. No início de junho, o artigo estava programado para a edição daquele mês da revista do prestigiado Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), com sede em New Jersey, nos Estados Unidos.

Processador rápido
Partindo da tecnologia tradicional de true-single phase clock (ou relógio de real fase única), o estudo aponta a possibilidade de atingir o dobro da freqüência do clock (da velocidade) no processamento de dados por meio da aplicação de novas estruturas formadas pela conexão de algumas trilhas. Com isso, o consumo de energia do computador, por exemplo, registra queda de 30%. “Há outros projetos interessantes em andamento, principalmente em relação à comunicação móvel”, revela Van Noije. “As áreas com maior concentração de trabalhos em curso são a de telecomunicações, instrumentação e a de equipamentos médicos”, conta Swart.

Outro trabalho com circuitos integrados desenvolvido na Unicamp pode se transformar em uma inovação na indústria automotiva, contribuindo para introduzir controles eletrônicos e, de quebra, reduzir os custos de produção. O projeto, desenvolvido pelo professor Carlos Alberto dos Reis Filho, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, e cinco orientandos entre 1996 e 1999, em uma parceria com a Magnetti Marelli, empresa de autopeças do Grupo Fiat, baseia-se na substituição de fios de cobre por uma pequena rede de comunicação sem fio para diagnosticar eventuais defeitos em, por exemplo, um farol, e avisar o proprietário. Além disso, com o auxílio de um software específico, será possível recuperar o histórico operacional da peça. “A solução não foi adotada em função de problemas internos da Magnetti Marelli”, conta Reis. A companhia abriu mão de seus direitos de exclusividade sobre o produto, que pode ser objeto de acordo com outra organização.

No Brasil, diz Swart, pelo menos 40 pessoas concluem o mestrado em microeletrônica a cada ano; e 20, o doutorado. E, se o número ainda é pequeno – na Suíça, exemplifica o pesquisador, 200 doutores se formam anualmente -, boas notícias são o que não falta na área. Na USP, conta Van Noije, a procura por temas da microeletrônica por parte dos alunos de graduação em Engenharia Elétrica cresceu muito depois que as matérias optativas passaram a abranger também conhecimentos em hardware, software e telecomunicações. “Na última semana de escolha de matérias optativas, 200 estudantes buscaram informações sobre essas novas opções”, anima-se.

Mudança de rumo
Outro ponto que favorece a microeletrônica no país foi o lançamento do Programa Nacional de Microeletrônica (PNM), em agosto de 2001, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), com o objetivo de diminuir a importação de chips. Em 2000, os circuitos integrados geraram um déficit de R$ 1,7 bilhão na balança comercial do setor de eletrônicos brasileiro, respondendo por nada menos que 57% do saldo negativo total, de R$ 3 bilhões. Para tentar reverter o déficit comercial nessa área, um dos alvos do PNM é atrair duas design houses ligadas a grandes nomes do ramo de semicondutores, como Intel, AMD e Texas Instruments, por exemplo, e estimular a criação de pequenas empresas nacionais especializadas no desenho de circuitos. Design houses são companhias que podem desenvolver projetos sob encomenda, contemplando apenas alguns aspectos de uma iniciativa de desenvolvimento de grande envergadura, ou criam soluções inovadoras para oferecer ao mercado.

“Trata-se de semear o incremento do capital intelectual na microeletrônica brasileira”, afirma Vanda Scartezini, titular da Secretaria de Política de Informática (Sepin), do MCT. “A propriedade intelectual responde por nada menos que 66% da receita de exportação dos Estados Unidos, e o Brasil possui um mercado interno enorme e deve se mirar nos modelos adotados pelos países desenvolvidos. “O PNM, com previsão de investimento de cerca deR$ 200 milhões até 2005, elegeu dois Estados-âncora em suas primeiras iniciativas: São Paulo e Rio Grande do Sul. “É importante somar esforços federais aos que vêm sendo desenvolvidos pela FAPESP”, avalia Vanda.

Para trazer as empresas de maior porte, o MCT está disposto a apoiar sua instalação, contribuindo para o treinamento de equipes de projeto com contratação local e, eventualmente, bolsas para pesquisadores por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de oferecer facilidades de financiamento. Em contrapartida, as empresas terão de se comprometer a operar no país por pelo menos o dobro do período durante o qual receberem benefícios, trazer pelo menos um líder de projetos de circuitos integrados para cada cinco projetistas recrutados no Brasil com o objetivo de difundir conhecimentos de processos. Outra condição básica é o respeito aos direitos de propriedade intelectual em negociações.

Produtos acabados
Na visão de Vanda, atrair uma fábrica de circuitos integrados é interessante para o país, mas não consiste em prioridade. “Quando conseguirmos transformar os chips projetados nas design houses em produtos com boa aceitação mercadológica, a indústria virá naturalmente, sem fazer muitas exigências quanto ao tratamento fiscal”, prevê. Ela acredita que a melhor estratégia para compensar a balança comercial de eletrônicos não é a venda de chips, que, ao menos nas aplicações mais correntes, já são commodities, mas a exportação de produtos acabados, nos quais o projeto de circuitos integrados ganha importância cada vez maior.

Com toda essa perspectiva em favor do desenvolvimento da microeletrônica no país, o PMU da FAPESP conseguiu formar mão-de-obra competente e tem pela frente pelo menos mais 15 meses de vigência, tempo para agrupar novos projetos de novos interessados no design de chips.

Usina gera projetos
A Motorola, gigante internacional do setor de telecomunicações, com faturamento global de US$ 30 bilhões em 2001, começou a prestar atenção na capacidade dos projetistas brasileiros em 1997. “Naquele ano, iniciamos os projetos de circuitos integrados no Brasil com um grupo de 14 pessoas”, recorda Antônio Calmon, diretor da empresa, que responde pela área de semicondutores na América Latina.

No início, a empresa aproveitou os conhecimentos acumulados no país no período em que vigorava a reserva de mercado para bens de informática, quando a Vértice – design house do Grupo Machline, que encerrou suas atividades em 1995 – e fabricantes de chips , como Sid Informática e Itautec, chegaram a exportarknow-how . E aproveitou tão bem que, hoje, o Centro de Tecnologia de Semicondutores da Motorola, desde 2000 instalado em Jaguariúna, região de Campinas, não pode aceitar encomendas: está com a capacidade tomada até o final do ano. O centro emprega mais de 100 projetistas. Entre eles, afirma Calmon, há diversos doutores – e quase 90% são mestres.

O executivo conta que dezenas de chips projetados no Brasil já estão embutidos em produtos da Motorola. “Desenvolvemos circuitos integrados para comunicação móvel, automóveis e redes, entre muitas outras aplicações.” Seu maior orgulho é, porém, a conquista, para a subsidiária brasileira, do design de toda uma família de microprocessadores, um grande sistema que integra vários circuitos integrados. “Nunca, em toda a trajetória da Motorola, o projeto de um chip central havia saído da matriz”, revela.

Em abril de 2001, a empresa aderiu ao Programa Nacional de Microeletrônica, assumindo o compromisso de doar equipamentos no valor de aproximadamente R$ 10 milhões para o Centro de Excelência Ibero-Americana de Eletrônica Avançada (Ceitec), cujo objetivo é viabilizar a manufatura de protótipos de chips em Porto Alegre (RS). A Motorola também anunciou a doação de equipamentos para a Unicamp e estabeleceu parceria com essa universidade para a montagem de um laboratório voltado à pesquisa em microeletrônica.

O projeto
Programa Especial para Fabricação de Circuitos Integrados no Exterior Fase 4 (nº 01/04989-0); Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenador Jacobus Swart – Centro de Componentes para Semicondutores – Unicamp; Investimento R$ 161.687,50 e US$ 243.000,00

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