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Biotecnologia

Terapia genética para galinhas

Pesquisadores da Unicamp descobrem proteína para combater doença aviária

URARA KAWAZOE / UNICAMPQuando pega a coccidiose, o frango fica com infecção intestinal e perde pesoURARA KAWAZOE / UNICAMP

No meio de tantas possibilidades oferecidas pela biotecnologia, pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram dar um grande passo para a formulação de um novo medicamento para o tratamento da coccidiose aviária, uma doença que provoca infecção intestinal, debilidade e perda de peso em frangos. Eles identificaram em uma pequena proteína (peptídeo) o caminho para uma nova terapia de combate aos protozoários (Eimeria spp.) responsáveis pela doença. A amplitude dessa descoberta está no prejuízo anual proporcionado pela coccidiose aos avicultores brasileiros: US$ 20 milhões. Parte desse prejuízo vem dos medicamentos anticoccidianos atuais, que estão perdendo a guerra contra o protozoário, gerando indivíduos resistentes às drogas.

A idéia inicial dos pesquisadores, coordenados pelo professor Adilson Leite, é criar uma variedade de milho transgênico que incorpore o peptídeo em suas sementes e faça parte da ração alimentar básica das aves. Esse tratamento já despertou o interesse de duas empresas multinacionais – uma norte-americana e outra canadense -, que analisam a possibilidade de dar prosseguimento aos estudos. O conhecimento dos pesquisadores está resguardado em um pedido de patente depositado tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e no Brasil. Financiada pela FAPESP, por meio do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), a patente vale para o próprio peptídeo, para suas variantes e também para o método de identificação.

Para Leite, um dos segredos do sucesso foi estudar com detalhes o ciclo de desenvolvimento do protozoário Eimeria acervulina, uma das sete espécies causadoras da coccidiose, até para que se pudesse determinar a etapa mais vulnerável a possíveis tratamentos. Para esse trabalho, a equipe do CBMEG contou com a colaboração da professora Urara Kawazoe, responsável pelo Laboratório de Coccidiose Aviária do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Os pesquisadores sabiam que a transmissão da doença acontece quando as galinhas, ciscando no chão, ingerem oocistos (“ovo” de protozoário envolvido por duas resistentes capas de proteção) de Eimeria eliminados junto com as fezes de aves doentes.

Invasão do parasita
Na moela do animal, depois de ingerido, o oocisto é quebrado, rompendo-se a primeira capa. Logo após, por conta da ação de enzimas de digestão, as formas invasivas do parasita, denominadas esporozoítos, são liberadas da segunda capa. Isso acontece no intestino da ave, após a passagem pelo estômago. Na etapa final, o parasita primeiro adere e na seqüência invade as células da superfície interna do intestino, passando a usá-las como um novo escudo contra o sistema imunológico dos animais.

“A fase em que o parasita está mais vulnerável é no momento em que os esporozoítos são liberados. Ali, não há proteção. Era nesse ponto que precisávamos agir”, explica Arnaldo da Silva Junior, também pesquisador do CBMEG. Quando desembarcam no intestino, os esporozoítos de Eimeria reconhecem o local e secretam proteínas de adesão. Se conseguisse identificar peptídeos que bloqueassem a ação dessas proteínas de reconhecimento ou de adesão, o grupo da Unicamp evitaria a invasão das células e daria um grande passo em direção a uma nova possibilidade de tratamento para a doença.

Para encontrar os possíveis peptídeos de combate, a equipe optou por um método de seleção chamado phage display. Eles utilizaram um vírus que infecta a bactéria Escherichia coli – chamado bacteriófago M13 – que funcionou como uma biblioteca de peptídeos. O organismo apresentava, em uma de suas proteínas, peptídeos que envolviam todas as combinações e arranjos de seqüências de que os pesquisadores precisavam. “Eram 20 aminoácidos em 12 posições diferentes, o que gera um número astronômico de informações. Tudo o que queríamos estava ali”, garante Silva Junior.

No laboratório, os esporozoítos foram colocados em contato com os bacteriófagos M13 repetidas vezes. Após esse processo, aqueles vírus contendo peptídeos que apresentaram afinidade pelos esporozoítos de Eimeria foram separados e identificados. “Eram os melhores dos melhores”, diz Silva Junior. No final, os pesquisadores perceberam que a seleção convergiu para um único peptídeo que, quando testado, apresentou atividade anticoccidiana. Chamado de PW2, ele foi sintetizado quimicamente e, sempre em laboratório, incubado com os parasitas, para testar sua eficácia. A representação gráfica da estrutura tridimensional da molécula, que permitirá futuros estudos para o desenvolvimento do novo medicamento, foi construída pelo Centro Nacional de Ressonância Magnética Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em pequenas concentrações, o PW2 conseguiu bloquear em 70% a invasão dos protozoários às células do intestino dos frangos. Melhor ainda: verificou-se que o peptídeo provoca alterações na permeabilidade da membrana do parasita, o que leva os pesquisadores a trabalhar com a hipótese de que, mesmo que os 30% restantes consigam chegar à superfície do intestino das aves, provavelmente falharão em tentar prosseguir em seu ciclo. Durante os estudos, o PW2 foi testado contra duas espécies do protozoário, que são as mais freqüentes no Brasil: a Eimeria acervulina e a Eimeria tenella. Há ainda outros cinco tipos, que não foram avaliados por não serem tão representativos. Mas os pesquisadores acreditam que o efeito benéfico deverá ser o mesmo.

Gene no milho
As novas etapas dos estudos são os testes com aves vivas e a criação do milho que traga em seu código genético o peptídeo anticoccidiano PW2. A tecnologia para obtenção dessa variedade é velha conhecida do grupo da Unicamp (veja Pesquisa FAPESP nº 49). “Basta introduzir uma seqüência de DNA, chamada de cassete de expressão, contendo o gene de interesse na semente do cereal”, resume Leite. A idéia carrega consigo uma outra grande vantagem: por tabela e sem querer, os pesquisadores constataram que o peptídeo descoberto é também eficaz para inibir a ação de alguns fungos, dentre eles os do gênero Aspergillus, exatamente aqueles que provocam mofo em milho estocado. “Ganharemos nas duas pontas”, completa o coordenador dos estudos.

As novidades chegam em boa hora. A incidência da coccidiose aviária no Brasil apresenta curva crescente. Depois de estacionar em menos de 10% na década de 80, em virtude dos medicamentos, ela voltou a subir e atingiu os 40% na década de 90, pois o protozoário tornou-se resistente aos remédios em uso. A coccidiose é uma doença mórbida, ou seja, em muitos casos, seus sinais são percebidos somente na hora do abate, quando não há mais o que fazer. Ela não mata o frango, mas, ao provocar a infecção intestinal, faz com que o animal perca capacidade de transformar a ração consumida em peso. A descoberta do PW2, portanto, pode representar uma nova etapa na história do combate à coccidiose aviária, podendo, inclusive, diminuir os custos na avicultura, pois o remédio preventivo já estaria incorporado à própria ração.

O Projeto
Pedido de patenteamento para um novo método de seleção de peptídios antimicrobianos e do peptídio anticoccidiano pw2 (nº 00/12151-3); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual; Coordenador Adilson Leite – Unicamp; Investimento R$ 65.044,05

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