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Investimentos

Avanços e problemas

Governo federal cria institutos de pesquisa, edita medida de incentivo à inovação e libera recursos para o CNPq, em caráter de emergência

NEGREIROSA pouco menos de três meses da mudança de comando do país, o governo federal anunciou a criação de três novos institutos de pesquisa em áreas estratégicas – Bioamazônia, Semi-Árido Nordestino e Nanotecnologia – e medidas de incentivo fiscal para estimular os investimentos nacionais em inovação. Simultaneamente, viu-se obrigado a liberar em caráter de emergência R$ 60 milhões para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), dos quais R$ 50 milhões destinados a minorar a difícil situação por que passa o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

É um volume de recursos que responde apenas parcialmente às necessidades urgentes do conselho. Com 45% dos recursos orçamentários previstos para este ano sob contingenciamento – ou seja, R$ 279 milhões, num orçamento total de R$ 620 milhões -, o CNPq vinha atrasando a liberação de financiamentos aprovados desde 2001 para vários grupos de pesquisa em todo o país, provocando, assim, a paralisação ou a redução do ritmo de suas atividades. Agora, ele poderá resolver pelo menos a parte dos financiamentos acertados no ano passado.

Essa pequena amostra das ações federais recentes na área de ciência e tecnologia é bastante ilustrativa da política federal para o setor no atual governo. Um balanço equilibrado mostra que essa política foi responsável por avanços indiscutíveis para garantir à ciência e tecnologia o papel determinante que ela deve ter no desenvolvimento nacional, como a criação e regulamentação dos 14 fundos setoriais de pesquisa, montados nos últimos dois anos sob o comando do MCT; a lei de inovação enviada pelo Executivo ao Congresso, que só deve entrar na pauta de debates e votação no próximo ano; e a ampliação do intercâmbio do Brasil com nações que podem se tornar parceiros-chave para um melhor posicionamento internacional do país em C&T.

Mas, em paralelo às mudanças positivas, principalmente no arcabouço legal de sustentação ao setor, o balanço revela também problemas, como, por exemplo, a escassez de verbas para grupos e instituições importantes no sistema nacional de ciência e tecnologia, e a redução significativa dos investimentos federais em bolsas (do CNPq e da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) no Estado de São Paulo, a partir de 1995 (veja Pesquisa FAPESP 63, de abril de 2001).

Incentivos fiscais
A decisão mais recente do governo federal para estimular a inovação se traduziu em três artigos incluídos na Medida Provisória 66, editada em 29 de agosto, que autorizam as empresas privadas a descontar no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) parte dos investimentos em pesquisaedesenvolvimento (P&D). No caso das empresas que também registrarem patentes de produtos, a dedução será maior porque, além dos abatimentos já previstos, poderão deduzir uma segunda vez esses gastos na determinação de lucro real junto ao IR. Para tanto, a patente terá que ser depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) ou nas outras três entidades de exame reconhecidas no Brasil: European Patent Office, Japan Patent Office e United States Paten and Trande Mark Office. As deduções só valem para os casos de pagamentos feitos a empresas ou pessoas físicas residentes no país.

Nos cálculos do MCT, as deduções de impostos serão, em média, de 30% do valor total aplicado. “A média mundial de incentivos é de 10%”, ressalva o ministro Ronaldo Sardenberg. Ele afirma que as medidas de incentivo fiscal completam um ciclo de ações adotadas pelo governo federal desde 2000, que tiveram como objetivo estimular o investimento das empresas em P&D no país.A Lei de Inovação deverá reforçar as medidas de incentivo. Com ela pretende-se flexibilizar as relações entre pesquisadores, institutos de pesquisa e empresas privadas e acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias para produtos, processos e serviços. O projeto de lei prevê, por exemplo, que os produtos e processos inovadores, obtidos por instituições de pesquisa, sejam transferidos às empresas privadas interessadas na produção de bens e serviços; que as empresas compartilhem laboratórios e equipamentos com as instituições públicas de pesquisa, mediante remuneração, e que, quando a parceria resultar em patentes, o pesquisador participe dos ganhos econômicos.
Tanto os incentivos fiscais como a Lei de Inovação se inscrevem num conjunto de diretrizes estratégicas de longo prazo, reunidas no Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação, divulgado também em agosto último. Elaborado a partir de um amplo debate promovido pelo MCT em todo o país, no ano passado, que culminou na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, em setembro de 2001, o livro é uma espécie de síntese daquela reunião.

Ele traça as linhas de um projeto nacional de desenvolvimento em C&T para os próximos dez anos. O documento aponta como um dos principais desafios para o desenvolvimento da C&T e Inovação no país a elevação dos investimentos em P&D, dos atuais 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) – somados aí os cerca de R$ 300 milhões dos Fundos Setoriais, estimados para este ano, para um patamar de 2%, num prazo de dez anos, projetando-se um cenário de crescimento anual de 4% do PIB. Para atingir essa meta, as aplicações em P&D deverão crescer a uma taxa média anual de quase 11%, até 2012, tarefa que o setor público precisa dividir com as empresas privadas, já que exigirá uma elevação de gastos anuais da ordem de 7%. Para o setor privado, o crescimento médio anual terá de ser da ordem de 15%.

O quadro atual está muito distante desse cenário ideal. Hoje, cerca de dois terços dos dispêndios brasileiros em P&D têm origem no setor público, e com um agravante: os recursos orçamentários da União estão sujeitos a cortes e contingenciamentos – como o que se abateu sobre as verbas do CNPq -, comprometendo qualquer tentativa de planejamento, mesmo de curto prazo. No próximo ano, pelo menos, esse problema em princípio estará atenuado: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2003, já aprovada pelo Congresso Nacional, contém um dispositivo que impede o contingenciamento de recursos em ciência e tecnologia, aprovados pelo Legislativo, como já ocorre nas áreas de saúde, educação e assistência social.

O orçamento do MCT em 2003, se aprovado pelo Congresso, será de R$ 2,6 bilhões, levando-se em conta o início do funcionamento de quatro novos fundos (saúde, agronegócios, aeronáutica e biotecnologia). É certo que, antes mesmo da edição da medida provisória, o governo federal já tinha adotado algumas ações de estímulo a investimentos privados em P&D. Entre elas deve-se incluir a nova Lei de Informática, a lei 10.332, de 2001 – que permite a aplicação de recursos fiscais na equalização das taxas de juros, na subvenção direta a empresas inovadoras de base tecnológica e no estímulo ao capital de risco – e a criação do Fundo de Interação Universidade-Empresas, conhecido como Fundo Verde-Amarelo, em 2001. De todo modo, esses instrumentos têm se mostrado insuficientes para atender às demandas das empresas, e o governo pretende que os investimentos do mercado sejam mais estimulados com as novas medidas de incentivo fiscal e os mecanismos previstos na Lei de Inovação.

Novos institutos
Em relação aos institutos de pesquisa criados para começar a funcionar em 2003, vale assinalar que eles resultam da adoção, pelo governo, de algumas recomendações do Relatório Tundisi. Trata-se de um documento elaborado por uma comissão formada por 72 especialistas – sob a coordenação do pesquisador José Galízia Tundisi, ex-presidente do CNPq e atual diretor do Instituto Internacional de Ecologia, sediado em São Carlos -, que durante um ano e meio analisou e avaliou a missão dos 21 institutos de pesquisa ligados ao MCT, com o objetivo de propor novas políticas de atuação.

O orçamento do MCT para 2003 reservou R$ 25 milhões para a constituição de dois novos institutos e a incorporação do Instituto Bioamazônia, uma organização social para pesquisas em biodiversidade atualmente supervisionada pelo Ministério do Meio Ambiente. “Estamos executando umscript “, diz João Evangelista Steiner, secretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa do MCT. Mas, a exemplo da Lei de Inovação, a criação dos novos institutos também depende de o Congresso Nacional acatar a proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo.

O Instituto Bioamazônia deverá contar com R$ 10 milhões anuais. Sua tarefa será transformar os resultados das pesquisas realizadas pelos laboratórios e universidades locais em produtos e riqueza para a sociedade. O MCT já conta com três unidades de pesquisa na região amazônica: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. O Relatório Tundisi ressalva, no entanto, que uma das principais prioridades do MCT deveria ser a de articular, em conjunto com outros órgãos, um programa estratégico de C&T para a região. Ressalta que um dos desafios mais dramáticos “é a carência de recursos humanos qualificados, fixos na região”.
O Instituto do Semi-Árido Nordestino, com dotação de R$ 8 milhões, terá como principal missão coordenar pesquisas para o desenvolvimento de tecnologias nas áreas de recursos hídricos, controle da desertificação, clima e pobreza. A região, com mais de 25 milhões de habitantes, tem um imenso potencial produtivo, apesar de ser uma das áreas mais desprovidas de recursos de ciência e tecnologia em todo o país, segundo Steiner. Ele lembra, por exemplo, os resultados do trabalho do Centro de Pesquisa sobre o Semi-Árido, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que promoveu “uma verdadeira revolução” na fruticultura irrigada nas regiões de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia.

Apesar da presença, na região, do Programa Xingó, um centro de extensão que atua em 29 municípios no baixo rio São Francisco, o Relatório Tundisi sugere que o MCT realize “um esforço adicional de C&T para o semi-árido” e propõe a criação do instituto, com sede em Juazeiro, com ações concentradas em recursos hídricos e biodiversidade da caatinga e para apoio institucional ao Instituto do Milênio sobre o Semi-Árido.

O terceiro instituto, de Inovação em Nanotecnologia, contará com R$ 7 milhões anuais. Terá estrutura descentralizada para operar em rede, conectando instituições de pesquisa e indústrias. “Não será propriamente um instituto de pesquisa básica, mas voltado para iniciativas na área, de tal forma a gerar riqueza para a sociedade brasileira”, diz Steiner.

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