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Astrofísica

Explosão de energia

Soma de técnicas permite a identificação de fontes mais fracas de raios gama

Uma equipe de astrofísicos brasileiros e astrônomos norte-americanos identificou um tipo bastante raro de galáxia, conhecida como blazar, situado a 10 bilhões de anos-luz da Terra (cada ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros) – um dos mais distantes objetos cósmicos já encontrados. Entre as 93 galáxias desse tipo já conhecidas, essa é a mais fraca fonte de emissão em raios gama e em ondas de rádio. Mesmo assim, é mil vezes maior que a emitida por toda a Via Láctea e 100 quatrilhões de vezes superior à liberada pelo Sol.

Só foi possível descobrir esse blazar, chamado 3EG J2006-2321, porque técnicas refinadas de pesquisa se uniram a recursos que poderiam ser chamados de arcaicos. Vai longe o tempo em que bastava apontar o telescópio para o céu e encontrar novas galáxias. Hoje, a busca de objetos celestes, sobretudo os mais distantes, exige a integração de técnicas que detectam a energia emitida nas diferentes formas de radiação eletromagnética, de um extremo a outro do espectro – dos raios gama às ondas de rádio, passando pelos raios X e pela luz visível. Cada tipo de radiação funciona como peças de um quebra-cabeça que se encaixam e lentamente dão uma idéia da imagem que vai se formar.

A descoberta partiu das informações do Telescópio de Experimentos Energéticos em Raios Gama (Egret) do Observatório Compton, o satélite da Nasa, a agência espacial norte-americana, que vasculhou o céu de 1991 a 2000 em busca de fontes de raios gama, catalogou algumas novas possíveis galáxias. Mas foi um telescópio do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), equipado com uma câmara digital e cristais de calcita – material usado pelos vikings há mil anos para navegar por permitir localizar a posição do Sol com base na polarização da luz -, que confirmou a identificação do blazar. A cooperação aprimorou o método de detecção desses objetos, com a associação da análise da emissão de raios gama, ondas de rádio e luz visível.

“Está cada vez mais claro que é preciso coletar informação de vários comprimentos de onda para compreender melhor um objeto”, afirma o astrofísico Antônio Mário Magalhães, do IAG, que coordenou a etapa brasileira desse estudo, publicado na edição de abril da revista The Astrophysical Journal. A soma de técnicas permite compreender melhor a estrutura e a formação dos blazars já conhecidos e identificar outras fontes fracas de raios gama, radiação composta por luz de comprimento de onda da ordem da milésima trilionésima parte do metro (o tamanho do núcleo dos átomos) e milhões de vezes mais energética que a luz visível.

Os blazars pertencem a uma classe de galáxias com núcleos ativos, que apresentam uma característica que as distingue de galáxias mais calmas, como a Via Láctea: a região central das galáxias ativas, concentrada numa região menor que o Sistema Solar, emite mais energia que o restante da galáxia, justificando o nome de núcleos ativos de galáxias ou NAGs. O blazar recém-identificado, mesmo com emissão de radiação gama relativamente baixa entre os já conhecidos, libera 1040 watts (o número 1 seguido de 40 zeros).

Os pesquisadores acreditam que a energia dos núcleos ativos de galáxias resulte de um buraco negro com massa muito elevada, de 100 milhões a 1 bilhão de sóis, situado no centro daquela galáxia, que pode permanecer ativo por 100 milhões de anos. A cada ano, esse buraco negro consome o equivalente a um Sol e lança dois jatos de gás, em sentidos opostos, a uma velocidade próxima à da luz, com até 100 mil anos-luz de extensão. Os elétrons desses jatos emitem radiação com comprimento de onda nas faixas de raios X, ondas de rádio e luz visível. Presume-se que sejam os fótons de rádio que, espalhados pelos elétrons energéticos, se convertam em raios gama.

Apenas com o método tradicional os astrônomos não conseguiam avançar. Após analisar as 271 fontes de radiação dessa mesma faixa do espectro eletromagnético catalogadas pelo telescópio Egret, Paul Wallace, do Berry College, selecionou um objeto que apresentava maior probabilidade de ser um blazar entre os ainda não-identificados. Essa provável galáxia, embora emitisse pouca energia, tinha uma das marcas dos núcleos ativos: o fluxo de energia variava com o tempo. Diferentemente dos objetos observados no óptico, porém, as fontes de raios gama vêm de uma direção no céu não conhecida com exatidão.

Fontes de Rádio
Seguindo por um caminho complementar, Dave Thompson, do Centro de Vôos Espaciais Goddard, da Nasa, analisou fontes de rádio, as menos energéticas do espectro eletromagnético, que no céu apareciam próximas à fonte de raios gama. Thompson encontrou seis objetos que poderiam corresponder à fonte gama identificada por Wallace. Quatro foram logo excluídos. Os restantes eram peculiares: geravam um fluxo de energia em ondas de rádio entre quatro e seis vezes mais fraco que o normal para um blazar.

Jules Halpern, da Universidade de Colúmbia, tomou imagens ópticas e notou que uma das fontes era uma galáxia normal e a outra, um objeto pontual. Por ser pontual, podia ser um blazar ou qualquer outro astro dentro ou fora de nossa galáxia. Mas o espectro da radiação emitida por esse objeto exibiu um deslocamento para o vermelho, o chamado redshift, indicando que a fonte estava bem distante da Via Láctea.

Magalhães deu a palavra final. Com o polarímetro que ele mesmo havia projetado, a equipe do IAG estudou as duas fontes de rádio, mas na luz visível. Acoplado ao telescópio do IAG no Laboratório Nacional de Astrofísica, em Brasópolis, Minas Gerais, o polarímetro mede qual fração da luz captada é polarizada, ou seja, vibra num único plano. Em seis horas de observação, em duas noites de 2000 e 2001, os astrônomos paulistas fecharam o diagnóstico ao associar o 3EG J2006-2321 à fonte distante de luz visível que também emitia em rádio: o objeto pontual apresentava variação da polarização da luz, outra característica dos blazars.O próximo passo: avaliar a polarização da luz de outros 15 possíveis blazars do Egret com um polarímetro conectado a um telescópio de Cerro Tololo, no Chile. “A identificação de fontes ainda não estudadas ajudará a conhecer a origem dos fótons mais energéticos que permeiam o Universo”, conclui Magalhães.

O Projeto
Manutenção das Atividades em Polarimetria Astronômica (nº 97/11299-2); Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenador
Antônio Mário Magalhães – IAG/USP; Investimento R$ 73.106,21

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