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Sensoriamento

Relevos inéditos

Empresa usa informações de satélite canadense para fazer mapas com detalhes topográficos

GEOAMBIENTESerra de Carajás, no Pará: mapa inédito com detalhes das elevações do terreno está sendo finalizadoGEOAMBIENTE

A Amazônia atrai a atenção mundial pela sua biodiversidade, seus recursos minerais e áreas ainda intocadas. Mas o olho humano, as câmeras fotográficas ou mesmo os sensores ópticos a bordo de aeronaves ou satélites têm enormes dificuldades em desvendá-la por completo, principalmente em relação à variação de altitude do terreno. Encoberta quase todo o tempo pelas nuvens que integram seu clima e pela fumaça freqüente das queimadas, a região ainda é de difícil mapeamento. O céu começou a clarear, no entanto, desde que, há dois anos, uma empresa de São José dos Campos, a Geoambiente, detectou nessa dificuldade uma boa oportunidade de avançar no desenvolvimento de sistemas para uma melhor captação de imagens, principalmente dos solos da Amazônia.

A empresa criou um projeto, financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, que propõe a autocapacitação para extrair das imagens orbitais do satélite Radarsat-1 material para confecção de cartas topográficas atualizadas e mais precisas. Com escala de 1:250.000 (cada centímetro no papel equivale a 2.500 metros no terreno), muitas cartas que retratam a Amazônia não contêm dados de altimetria, que permitem conhecer a topografia da superfície.

O Radarsat-1, lançado em 1995, foi desenvolvido pela Canadian Space Agency (CSA), a agência espacial canadense, como o primeiro sistema comercial para monitorar recursos naturais e mudanças ambientais do planeta. Esse satélite é equipado com um sensor imageador de microondas, chamado de Radar de Abertura Sintética (Synthetic Aperture Radar – SAR), que permite “ver” em condições climáticas adversas e também durante a noite. Da mesma forma, captura imagens em diferentes ângulos de observação, as quais, combinadas em computador, possibilitam a obtenção de dados de altimetria das áreas observadas, ou seja, de mapas em três dimensões, com detalhes das elevações do terreno.

Resolução elevada
O radar imageador funciona como uma câmera fotográfica com flash, que fornece a própria iluminação para a cena. Ele faz isso ao emitir microondas de rádio e captar a imagem na mesma região do espectro eletromagnético (comprimentos de onda da radiação entre 1 centímetro e 1 metro). Com isso, o Radarsat capta imagens com elevada resolução espacial (8 metros por 8 metros), melhor que as captadas pelos sensores ópticos multiespectrais no espectro visível e infravermelho de outros satélites, como o Thematic Mapper (TM) Landsat, lançado pela Nasa, que faz imagens da Terra na resolução espacial de 30 metros por 30 metros e tem sido usado para estimar o desflorestamento na Amazônia. Mesmo com resolução espacial menor, as imagens do TM-Landsat também são usadas no projeto da Geoambiente.

“Elas são utilizadas em fusões com as do Radarsat-1 para identificarmos estradas, povoados, vegetação e culturas agrícolas no terreno”, explica o geólogo Waldir Renato Paradella, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do projeto. A vantagem do Radarsat é que ele opera em comprimento de onda maior que o dos sensores remotos ópticos. Dessa forma, não é afetado pelas condições atmosféricas adversas. Ele também tem a versatilidade de poder colher imagens em 35 modos diferentes de uma mesma região, ampliando assim as opções em adquirir informações do terreno, além de possuir sistemas de visores com pares estereoscópicos (percepção tridimensional) usados na extração de altitude e obtenção de curvas de nível da carta topográfica.

Os potentes radares imageadores dos Sistemas Integrados de Vigilância e de Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) também conseguem atravessar o nebuloso céu amazônico e captar o relevo em maior detalhe que o Radarsat-1, mas há limites para que sejam utilizados. Como os sensores estão baseados em aviões, os custos são muito mais elevados. Além disso, um grande esforço de capacitação ainda precisa ser feito no país para dominar a tecnologia de transformar dados em informações adequadas.

Segundo Paradella, a qualificação de técnicos no Brasil é um dos maiores benefícios da proposta da Geoambiente. Isso possibilitará a redução dos custos dos mapas obtidos a partir de imagens do Radarsat-1 – que até agora têm sido confeccionados com tecnologia desenvolvida no exterior – e o atendimento da demanda de uso da tecnologia e de formação desses profissionais pelo Sipam. “Já estamos negociando também com a Diretoria de Serviço Geográfico, órgão do Exército brasileiro, a possibilidade de desenvolver projetos conjuntos de aplicações cartográficas com dados do Radarsat-1 para a Amazônia”, informa a presidente da Geoambiente, a geóloga Izabel Cecarelli.

Iniciado há dois anos, o projeto receberá, no total, cerca de R$ 230 mil. O investimento já rendeu o primeiro fruto: a carta cartográfica da Floresta Nacional de Tapajós, área de 1.940 quilômetros quadrados em Belterra, no Pará. Na confecção da carta, os técnicos primeiramente processaram no computador duas imagens do Radarsat-1, em tonalidades de cinza, obtidas de ângulos diferentes – o que possibilita a modelagem das três dimensões do relevo. Desse processo, obtém-se o Modelo Digital de Elevação (DEM) relativo, que permite gerar altimetria para cartas na escala de 1:250.000. Mas o DEM absoluto, do qual se pode extrair altimetria para cartografia na escala 1:100.000 (cada centímetro no mapa representa 1.000 metros no terreno), como a de Tapajós, só é obtido depois de um extenso trabalho de campo. Quanto maior a escala, mais detalhes podem ser observados no mapa.

No caso de Tapajós, uma equipe de três técnicos e um oficial do Exército brasileiro – também parceiro no projeto – embrenharam-se na floresta durante dez dias, percorrendo mais de mil quilômetros em busca de cem pontos escolhidos previamente. Em cada ponto alcançado foi instalado um aparelho receptor Global Positioning System (GPS), sensor de posicionamento que fornece medidas de precisão de latitude, longitude e altitude do local.

Com esses dados, o computador modelou o relevo de toda a área, permitindo a confecção do mapa cartográfico com dados altimétricos e planimétricos de detalhes como malha viária, hidrografia, ocupação urbana e vegetação nativa. “Como o acesso muitas vezes é impossível e os custos são elevados, visitamos 50 dos cem pontos selecionados. Com parte dos pontos medidos em campo pudemos gerar o DEM absoluto e os demais serviram para validar o modelo”, explica Paradella. Em setembro, teve início o trabalho de campo da segunda fase do projeto, que se encerra em julho do próximo ano e resultará em uma carta topográfica inédita de parte central da serra de Carajás, também no Pará.

Levantamentos precisos
Os resultados já obtidos indicaram que a escala de 1:100.000 é a maior possível para cartografia por meio das imagens de alta resolução do Radarsat-1 para a Amazônia. Em menos de dois anos, porém, quando for lançado o Radarsat-2, com melhoria em resolução espacial (3 metros por 3 metros), essa escala poderá atingir 1:50.000 ou maior, aproximando-se das obtidas por meio de sensores ópticos de outros satélites. Segundo Paradella, as informações mais detalhadas e a disponibilidade do DEM abrem caminho para o Brasil fazer na Amazônia levantamentos de maior precisão.

Mas ainda há muito a percorrer. “A luta agora é para divulgar a tecnologia do radar imageador”, afirma Izabel. É que, embora o sensor radar esteja disponível já há alguns anos, ele ainda é pouco conhecido no Brasil, inclusive por alguns órgãos do governo, os quais chegam a solicitar levantamentos cartográficos de regiões amazônicas baseados em sensores ópticos. Mesmo assim, a empresa já começou a comercializar produtos integrados, resultantes da fusão de imagens de radar e dados de geofísica, relativos à região amazônica.Nesse mercado há sete anos, a Geoambiente até agora se dedicava exclusivamente a processar imagens de sensores ópticos, segmento promissor em um país onde a escassez de informações chega a ser crítica. O próprio crescimento da empresa demonstra essa situação: no ano passado, faturou cerca de R$ 3 milhões, 50% mais do que em 2000, e este ano deve repetir o bom desempenho. “Devemos crescer mais 50% em 2002”, prevê Izabel Cecarelli. O domínio da tecnologia do Radarsat-1 certamente vai contribuir para desenvolver ainda mais os negócios.

O Projeto
Geração de Modelos Digitais de Elevação através da Radargrametria com Imagens do Satélite Radarsat-1 (nº 99/06271-7); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Waldir Renato Paradella – Inpe/Geoambiente; Investimento R$ 129.118,00 e US$ 30.126,18

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