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Óptica

Luz calibrada

Pesquisadores da USP inventam metodologia para medir feixes de laser

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) criou uma metodologia inédita para a calibragem de feixes de laser. A novidade vai servir tanto às indústrias fabricantes de aparelhos emissores de lasers como a profissionais que utilizam esses instrumentos, por exemplo, em cirurgias oculares e precisam verificar, de tempos em tempos, as especificações do fabricante. A nova técnica será usada na caracterização de lasers contínuos em que a distribuição de energia no feixe apresenta um padrão de intensidade da luz mais fraca nas bordas e mais forte no centro. Lasers com esse perfil, chamados de gaussiano, são os mais comuns encontrados no mercado, empregados num vasto campo de aplicações, como medidas ópticas, soldas, metrologia e uso médico (cirurgias, terapia fotodinâmica, odontologia, entre outros).

O método desenvolvido no IQ permitirá determinar o diâmetro ou o raio do feixe do laser em qualquer posição ao longo de seu eixo de propagação. Essas informações são fundamentais para as várias aplicações dos lasers na medicina, na indústria ou em pesquisas acadêmicas que tenham o desempenho esperado. “A nossa metodologia possibilitará a obtenção dos parâmetros do feixe de forma rápida e com bastante precisão”, afirma o engenheiro químico e pós-doutorando Marcos Gugliotti, inventor do aparelho sob a supervisão dos professores Mario José Politi e Maurício Baptista, ambos do Departamento de Bioquímica do IQ.

A concepção do equipamento levou em conta o fenômeno óptico de lente térmica, que é observado quando um feixe de laser atravessa um material no qual a luz é absorvida e transformada em calor. Essa transformação induz uma variação (gradiente) de temperatura, que por sua vez causa uma variação da densidade. Essa variação provoca uma mudança no índice de refração do material, que passa a atuar como uma lente, focando ou desfocando o feixe. “É esse efeito de lente produzido pela geração de calor em determinado meio, no caso um líquido, que é chamado de lente térmica”, explica Gugliotti.

Na metodologia proposta por Gugliotti, o feixe deve incidir numa amostra líquida contendo um corante adequado, próprio para o efeito de lente térmica ser induzido. Os parâmetros necessários para a caracterização do feixe de laser são determinados pela medida do efeito de focagem e desfocagem do feixe que atravessa a amostra. Com isso é possível determinar o raio do feixe em qualquer posição, além de outras medidas características. “Teoricamente, não há limites para o tamanho do feixe. Em princípio, o método poderia ser aplicado tanto para feixes com raios de 2 centímetros como para feixes com raios da ordem de décimos de micrômetros (milésima parte do milímetro), ou ainda menores”, explica Gugliotti.

Por acaso
Embora o efeito de lente térmica fosse conhecido desde 1965, ele nunca havia sido utilizado para a caracterização de feixes de laser. Os pesquisadores do IQ foram os primeiros a vislumbrar a possibilidade de utilizá-lo para essa finalidade. “Aconteceu quase por acaso”, diz Gugliotti. “Durante meu doutorado em estudos de superfícies, sem nenhuma ligação com a caracterização de lasers, eu trabalhei com técnicas fototérmicas, que são técnicas ultra-sensíveis baseadas na transformação da luz em calor e próprias para determinar quantidades muito pequenas (traços) e as propriedades termo-ópticas dos materiais. Com isso, percebi que podia medir o diâmetro e outras propriedades do feixe de laser com a lente térmica”, afirma. “Descobri uma coisa que não estava procurando. Eu tropecei nela.”

Em razão do ineditismo da metodologia, o grupo de pesquisadores entrou com um pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em julho deste ano. Eles contaram com apoio da FAPESP, por meio do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) e do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologias (Nuplitec). Na patente, foram apresentadas medidas comparativas entre a nova metodologia e a técnica convencional para caracterização de feixes de laser, conhecida como método da varredura de faca (knife-edge). “Cheguei aos mesmos resultados empregando os dois métodos. Eles apresentaram a mesma precisão na medida do raio do feixe, da ordem de micrômetros”, afirma o pesquisador. “Os aparelhos comerciais têm precisão de décimos de micrômetros, mas fiz as medidas manualmente. Quando utilizar instrumentos mais sofisticados para medição, como um motor de passo (um motor elétrico comandado por circuitos digitais), é razoável imaginar que essa precisão vai aumentar.”

Vantagens no preço
Segundo seus inventores, a técnica de lente térmica apresenta uma série de vantagens sobre a varredura de faca. A principal delas é o baixo custo dos futuros equipamentos. Os aparelhos com base no método de varredura de faca custam atualmente cerca de US$ 7 mil; e o aparelho dos pesquisadores do IQ, quando estiver pronto, deverá ser vendido por um preço de 10% a 20% inferior a esse valor. “Isso será possível porque os dispositivos utilizados nele são muito simples e baratos”, diz Politi. Mas há outros benefícios. Além de o instrumento ser de fácil manuseio, a nova técnica permite a determinação de vários parâmetros do feixe com um número menor de medidas, que serão menos trabalhosas e poderão ser feitas em menor tempo.

Segundo Gugliotti, apesar de ainda não existir um protótipo do instrumento, algumas empresas já estão interessadas na sua fabricação. “Estamos negociando com grandes companhias norte-americanas que fabricam equipamentos para diagnóstico de feixes de laser“, afirma o pesquisador, que prefere mantê-las no anonimato. “Das seis empresas contatadas desde julho, duas mostraram-se interessadas, e estamos na fase inicial de negociações”, diz Gugliotti.

O primeiro protótipo poderá ficar pronto em algumas semanas depois de assinado o contrato com um dos interessados. “O equipamento será bem compacto, menor do que uma caixa de sapatos, e pesará entre 1 e 2 quilos”, conta. A maior demanda pelo aparelho deverá acontecer no exterior, principalmente nos Estados Unidos, porque o mercado brasileiro de laser ainda está engatinhando. Otimistas, os pesquisadores esperam agora a concretização, em linha de produção, do novo equipamento.

O projeto
Determinação do Raio de um Feixe de laser Gaussiano pela Técnica de Lente Térmica (nº 01/08143-8); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI); Coordenador Mário José Politi – Instituto de Química da USP; Investimento R$ 6.000,00

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