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Biomecânica

Detalhes do movimento

Sistema avalia atletas e pessoas com deficiências motoras

EDUARDO CESARSoftware analisa os movimentos doas jogadores do GuaraniEDUARDO CESAR

Analisar o movimento humano a partir de imagens de vídeo e servir como ferramenta para profissionais que trabalham com atividades físicas, esportes ou reabilitação motora. Esse é o objetivo do sistema Dvideow – Digital Vídeo for Biomechanics, criado pelo professor de educação física Ricardo Machado Leite de Barros, coordenador do Laboratório de Instrumentação para Biomecânica (LIB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O Dvideow foi projetado para ser usado em diferentes aplicações. Quatro já foram desenvolvidas: análise de marcha (ou caminhada), análise de movimentos respiratórios, rastreamento automático de jogadores de futebol e reconstrução de superfícies do corpo humano. “Buscamos desenvolver um sistema aberto e estruturado com grande potencial de difusão”, afirma Ricardo Barros. Ele é composto por um software desenvolvido na Unicamp, seis câmeras de vídeo digital e seis computadores do tipo PC.

A análise biomecânica permite, no contexto da reabilitação motora, a quantificação das alterações nos padrões normais de movimentos, como, por exemplo, a capacidade de flexionar o joelho ou mover os braços durante o andar. Assim, é possível avaliar a evolução de processos de recuperação em pessoas que sofreram acidentes, são portadoras de paralisias ou utilizam próteses. Quando aplicada ao esporte, a análise biomecânica tem como objetivo avaliar o desempenho do atleta, auxiliando na prevenção de lesões decorrentes de sobrecarga, comparar métodos de ensino de uma determinada técnica esportiva e avaliar equipamentos esportivos. A metodologia também pode ser usada para avaliar graus de habilidade ou destreza em estudos ergonômicos.

Embora não seja um sistema totalmente inédito, o Dvideow apresenta várias novidades em relação ao que existe no mercado. A primeira delas é exatamente a flexibilidade, uma vez que diferentes tipos de aplicações podem ser desenvolvidas pelo mesmo software. Outro diferencial, que também se configura em uma vantagem, é o fato de ele ser totalmente baseado em vídeo.

Análise da marcha
Ao contrário de outros sistemas, o Dvideow não trabalha com câmeras de infravermelho, nos quais marcadores ativos de diodos emissores de luz (LEDs), atados ao corpo da pessoa, emitem luz infravermelha registrada pelas câmeras. “Isso impede, por exemplo, o desenvolvimento de um aplicativo para acompanhar jogadores de futebol”, explica o pesquisador. Em cada uma das aplicações foram desenvolvidas ferramentas específicas e inovadoras. No aplicativo para análise de marcha, por exemplo, foi montado um modelo para monitorar o corpo humano por inteiro e não apenas os membros inferiores.

A análise de marcha será, provavelmente, o principal aplicativo usado do sistema. Essa metodologia propõe fazer a descrição e a quantificação dos movimentos dos membros inferiores e demais partes do corpo de uma pessoa enquanto ela caminha. Para isso, são fixados dezenas de marcadores retrorefletivos em pontos previamente definidos que permitam a identificação dos diversos segmentos ósseos (braço, antebraço, coxa, joelho, etc.). As seis câmeras são calibradas e a pessoa com os marcadores no corpo se desloca na frente delas. As imagens são transferidas para os computadores e a posição de cada marcador é medida automaticamente. A partir da posição desses marcadores são calculados ângulos entre os segmentos do corpo, rotações, distâncias percorridas e velocidades de movimento.

A metodologia de análise de marcha já é usada por vários laboratórios de recuperação motora do país, como o da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), de São Paulo. Ela ajuda os profissionais a decidir que tipo de intervenção deve ser feito no paciente. “A diferença do Dvideow com relação ao utilizado pela AACD é que o nosso sistema usa registro de imagem e o deles é baseado em luz infravermelha”, diz o pesquisador. “O sistema usado nessa entidade facilita a medição automática do movimento, mas ele não fornece a informação visual.”

A desvantagem de não ter a imagem é que a equipe de avaliação fica sem um parâmetro qualitativo (visual) do movimento junto com a quantitativa. “Muitas vezes, o registro visual fornece informações importantes para o médico. Algumas características não compreendidas no gráfico podem ser resultado do movimento de um braço, por exemplo. E isso só será percebido em um sistema que monitore membros superiores e trabalhe com imagens, como é o caso do nosso”, explica Barros. Outra vantagem do Dvideow é o baixo custo. “O sistema da AACD deve custar em torno de US$ 300 mil, enquanto o nosso não ultrapassou os R$ 50 mil”, afirma o pesquisador.

Jogadores de futebol
O Dvideow também pode ser usado para acompanhar e analisar o movimento de jogadores durante uma partida de futebol. Para viabilizar o desenvolvimento dessa metodologia, o pesquisador fez um acordo, há dois anos, com o time de futebol do Guarani, de Campinas. Quatro câmeras foram colocadas no estádio da agremiação em dias de jogo, para a captação das imagens, que depois foram exaustivamente estudadas. “Gravamos vários jogos e, agora, com o sistema finalizado, pretendemos fornecer informações ao treinador e à equipe de preparação física do Guarani ou de outras equipes interessadas.”

A idéia desse aplicativo é conseguir identificar, automaticamente, a posição de todos os atletas durante o jogo, fazendo um mapa da trajetória que cada um percorre durante os 90 minutos da partida. Para que isso seja possível, cada jogador é identificado pelo operador do sistema em uma imagem inicial e, a partir daí, passa a ser acompanhado automaticamente nas cerca de 40 mil imagens registradas em cada câmera. Quando acontecem situações em que o sistema pode se confundir na identificação dos atletas – por exemplo, uma aglomeração de jogadores na pequena área -, um operador confere se não houve falhas na identificação. Depois de captadas, as imagens são processadas e transformadas em gráficos, fazendo uma espécie de inventário sobre o comportamento do jogador na partida.

O primeiro benefício da metodologia é a possibilidade de avaliar variáveis relacionadas ao condicionamento físico dos jogadores durante a partida. “Poderemos saber que distância o atleta percorreu, qual foi a velocidade média de seus deslocamentos e qual foi o porcentual do tempo em que ele ficou parado, correu ou atingiu picos de velocidade”, afirma Barros. Essas informações são úteis para os profissionais responsáveis pela preparação e planejamento das atividades físicas do time, além de ajudar no esquema tático da equipe. “O sistema faz uma espécie de fotografia do jogo, numa velocidade de sete e meio quadros por segundo. Com isso, temos uma evolução do desenho tático da equipe”, diz o pesquisador.

Movimentos respiratórios
O terceiro aplicativo do sistema é a análise de movimentos respiratórios. Para isso, são colocados marcadores retrofletivos no tronco da pessoa e feita a captura de imagens, por meio de quatro câmeras. O método mais comum para se avaliar a capacidade respiratória é a espirometria, que trabalha com o volume de gases trocados entre o indivíduo e uma máquina, no caso um espirômetro. A metodologia do Dvideow representa um avanço diante dessa técnica, porque, além de avaliar a capacidade respiratória, também é capaz de identificar que compartimentos do tórax e do abdômen são mais usados no movimento respiratório. Com isso, é possível verificar alterações funcionais induzidas por exercícios físicos, patologias ou acidentes.

“Queremos identificar como a atividade física altera padrões ou maneiras de respirar”, diz Barros. Segundo o pesquisador, um estudo realizado com o sistema mostrou pessoas que praticavam ioga por muito tempo e passaram a ter um determinado tipo de respiração, diferente ao de pessoas sedentárias. “O sistema mostrou uma mudança de padrão. A primeira alteração percebida foi uma diminuição da freqüência respiratória, tendendo a uma respiração mais profunda, mais ampla. Esse aspecto poderia ser detectado por outras metodologias, mas o mais interessante foi observar que nas pessoas que praticavam ioga há um trabalho mais acentuado da região abdominal em comparação com a região torácica.”

Reconstrução de superfícies
O último aplicativo do Dvideow está direcionado para a reconstrução tridimensional e análise de superfícies do corpo humano. Isso é importante, por exemplo, para a confecção de assentos ortopédicos anatômicos ou fôrmas de calçados. A técnica usada é a projeção de luz sobre o corpo. “A vantagem dessa técnica é que não utilizamos marcadores fixados no indivíduo, porque eles são limitados a algumas dezenas. Usamos um projetor de slides que emite luz com padrão de centenas de pontos, que cobrem a pessoa”, explica Barros. “A partir da imagem captada pelas câmeras, reconstruímos cada um desses pontos, numa densidade de um ou dois pontos por centímetro quadrado, formando uma espécie de mapa topográfico tridimensional da região estudada.”

A indústria de calçados já usa uma técnica semelhante, com equipamentos de varredura a laser, para criar modelos de sapatos. “A desvantagem dessa técnica é a perna da pessoa ficar imobilizada enquanto um leitor óptico reconstrói a superfície do pé”, explica o pesquisador. Com o Dvideow é possível, também, analisar movimentos. “No caso de calçados, pretendemos observar a deformação do pé durante o andar, quando ele sofre deformações que muitas vezes não são respeitadas pelo sapato.”

Doutorado alemão
O sistema Dvideow nasceu durante o doutorado feito pelo pesquisador no Instituto de Biomecânica da Universidade de Esportes, na cidade de Colônia, na Alemanha, em 1997. “Ao voltar para o Brasil, trouxe um protótipo do sistema, que ainda funcionava com câmeras analógicas e microcomputadores 486. Depois, fizemos uma parceria com o Instituto de Computação da Unicamp, em particular com os professores Neucimar Leite e Ricardo Anido, e parte do sistema foi desenvolvido no doutorado do aluno Pascual Figueroa.

O passo seguinte foi passar o sistema para a interface Windows, mais amigável, e introduzir algumas técnicas e teorias matemáticas mais avançadas, aplicadas ao processamento de imagens”, conta Barros. “Mas foi com o apoio financeiro da FAPESP que conseguimos migrar para uma tecnologia mais eficiente, no caso a digital, tanto para as câmeras quanto para a análise das gravações.” O projeto ainda teve a participação dos professores do Laboratório de Biomecânica da Unicamp René Brenzikofer e Euclydes Custódio Lima Filho, falecido em maio deste ano.

Segundo Ricardo Barros, apesar de seu enorme potencial comercial, o sistema foi projetado e desenvolvido para fazer pesquisa. “Inicialmente, nossa finalidade foi atender a demanda do Laboratório de Instrumentação para Biomecânica, que precisava de um sistema de análise como esse.” Num segundo momento, o professor disponibilizou, gratuitamente, o Dvideow para outras instituições de pesquisa, como o Departamento de Educação Física da Unesp de Rio Claro. “Não temos ainda nenhuma perspectiva comercial, já que nossa finalidade principal é mesmo fazer pesquisa. Mas estamos abertos se houver interesse por parte de alguma empresa que queira comercializá-lo.”

O projeto
Desenvolvimento de um Sistema para Análise Biomecânica de Movimentos Humanos (nº 00/01293-1); Modalidade Linha Regular de Auxílio à Pesquisa; Coordenador Ricardo Machado Leite de Barros – Faculdade de Educação Física – Unicamp; Investimento R$ 70.647,50

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