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metrologia

Freqüência do tempo

Pesquisadores constroem três relógios atômicos capazes de dividir o segundo em bilhões de vezes

EDUARDO CESARRelógio atômico de cálcio na Unicamp: terceiro construído no mundo, mais preciso que o de césioEDUARDO CESAR

A marcação do tempo sempre foi uma obsessão para o homem, desde a época em que fincar um mastro no chão e uns rabiscos em torno dele formaram o primeiro marcador de horas do mundo, o relógio de sol, provavelmente entre os povos da antiga Mesopotâmia, há mais de 3 mil anos. De lá para cá muita coisa mudou. Adotaram-se os relógios de água e de terra, como as famosas ampulhetas, até se chegar ao século 16, na Europa, nos relógios a pêndulo, com Galileu Galilei. Há pouco mais de 60 anos, a eletrônica proporcionou inovações importantes para tornar esses aparelhos mais precisos. Os relógios a quartzo, como aqueles que estão nos nossos pulsos, tornaram-se populares.

Depois foi a vez do relógio atômico, o mais preciso de todos, que só atrasa ou adianta um segundo em bilhões de anos. São esses equipamentos que medem a hora mundial e servem para medir o tempo nas atividades espaciais e de telecomunicações, que pesquisadores de dois institutos de física, da Universidade de São Paulo, em São Carlos, e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estão debruçados. Eles querem adquirir conhecimento nessa área, ainda carente no país, formar pessoal especializado e implementar inovações nesses relógios nada parecidos com qualquer espécie de marcador de horas que participe do nosso cotidiano.

Os dois grupos de pesquisa fazem parte do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) financiado pela FAPESP. Em São Carlos, a física e pós-doutoranda Mônica Santos Dahmouche faz os últimos ajustes no primeiro relógio atômico construído no Brasil. A intenção dela e do coordenador do Cepof em São Carlos, o professor Vanderlei Bagnato, é, neste ano, reivindicar a participação daquele equipamento na medição da hora certa mundial, formada por mais de 200 relógios atômicos de 30 países. Eles compõem a chamada Hora Atômica Internacional (TAI, da sigla em francês), instituída em 1972. O Brasil participa desse grupo com o relógio atômico do Observatório Nacional (ON), no Rio de Janeiro, um equipamento adquirido no exterior. Na América do Sul, além do ON, existem apenas dois outros na Argentina.

“O nosso foi integralmente desenvolvido aqui”, conta Mônica. O pedido de inclusão desse relógio na hora mundial será feito à Agência Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, da sigla em francês), localizado em Sèvre, na França. Esse instituto controla também o Tempo Universal Coordenado (UTC no inglês), a hora oficial do mundo, que tem diferenças em relação à TAI em cerca de 0,9 segundo, por ano, para mais ou para menos devido à rotação irregular da Terra. A UTC – atual sucessora do Tempo Médio Greenwich (GMT), que media a hora mundial desde 1884 – segue o tempo dessa rotação e, em alguns anos, é ajustada com a TAI.

A reunião de vários relógios de todo o mundo para marcar a hora certa pode parecer desnecessário dado a precisão desses equipamentos. Porém, aspectos como temperatura, pressão atmosférica e ruídos podem influenciar na freqüência emitida por esses relógios, hoje, baseada na pulsação do césio 133, elemento desprovido de qualquer radiação nociva. O césio foi o padrão escolhido, em 1967, durante a 13ª Conferência Mundial de Pesos e Medidas. Ele é definido pela duração de 9.192.631.770 períodos de oscilação da radiação necessária para transição entre dois níveis do estado fundamental do átomo de césio 133. Isso significa que é necessária uma perturbação nos elétrons desse elemento para a emissão da freqüência-padrão.

O césio serve como referência não só para marcar as horas, mas como padrão de pulsos elétricos. Ele tem uma freqüência estável, gerando um sinal elétrico repetitivo. Dessa forma, a unidade tempo também é usada para determinar, por exemplo, o metro. Hoje, um metro é o comprimento do trajeto percorrido pela luz no vácuo, durante o intervalo de tempo de 1 segundo dividido por 299.792.458 partes. Tamanha precisão necessita de equipamentos igualmente precisos que hoje – em modelos comerciais – estão nas empresas de telefonia, de transmissão de sinais de televisão e nos satélites.

Ligações rápidas
Nas telecomunicações, por exemplo, o relógio atômico é imprescindível desde a implantação de uma nova técnica de transmissão de dados, a SDH (sigla em inglês para Hierarquia Digital Síncrona), usada nas comunicações via fibra óptica. Essa técnica funciona com fluxos de transmissão muito rápidos e direcionam as ligações, numa grande rede, em frações de segundo. A navegação também ganhou muito com os relógios atômicos. Navios, barcos, aviões, grupos de pessoas em locais ermos adotam o GPS, o sistema de posicionamento global, para localização.

Ele é composto por 24 satélites que orbitam o planeta, sendo três suficientes para o receptor na Terra decodificar e informar as coordenadas (latitude e longitude). “Sabendo a hora que entrou cada sinal e de onde veio, o receptor determina a posição porque calcula há quanto tempo o satélite emitiu o sinal e quanto tempo ele levou para chegar ao solo”, explica o professor Flávio Caldas da Cruz, do Instituto de Física (IF) da Unicamp. “Esse tempo é informado pelo relógio atômico instalado dentro dos satélites.”

Embora de uso corrente, os relógios atômicos, assim como os de pulso, estão em constante evolução. No caso dos atômicos, o laser é o caminho. O primeiro construído no Brasil, em São Carlos, é um relógio atômico a feixe térmico e começou a ser idealizado em 1997 dentro de uma sala especial, toda blindada, com paredes recheadas de isopor e outros materiais isolantes de ruídos. Ele mantém a estabilidade de ressonância, em relação ao césio, em 10-11, ou seja, além de medir a fração do segundo com até 11 casas, na ordem do picosegundo (um bilhão de vezes menor que o segundo), levaria 31 bilhões de anos para que atrase um segundo. Essa marca é muito próxima à do relógio atômico comercial, que é de 10-12. “A pesquisa científica busca relógios que determinem a freqüência de ressonância do césio (aqueles 9.192.631.770 de oscilações) com mais precisão”, diz Mônica.

A estabilidade da freqüência do césio no relógio a feixe térmico começa com os átomos sendo lançados de um forno para uma cavidade (câmara), onde eles recebem feixes delaser infravermelho, portanto, abaixo do espectro visível. Lá, eles interagem com a radiação de 9.192.631.770 gigahertz (GHz) gerada por um sintetizador de microondas e um oscilador de quartzo. Nessa câmara ocorre o rearranjo dos elétrons do átomo. Com isso, eles absorvem a energia doslaser e passam a emitir fótons, que são transformados em corrente elétrica e a freqüência medida por softwares. Nessa medição verifica-se se a freqüência gerada no sintetizador de microondas está correta, ressonante com o césio, ou necessita de correções.

O outro relógio atômico que está em desenvolvimento em São Carlos, chamado de relógio atômico tipo chafariz, que usa átomos frios, é considerado uma evolução do primeiro. Ao contrário do anterior, que funciona de forma horizontal, nesse os átomos são jogados para cima, como se fosse um chafariz, dentro de um cilindro metálico. Ao subir, os átomos passam por uma cavidade, chegam ao ápice e descem.

Durante a descida, eles passam novamente pela mesma cavidade alimentada por um gerador de microondas que fornece a radiação ressonante com a transição do césio e finalmente interagem com os feixes lasers de detecção na região mais baixa do relógio. Nesse caso, a interação dos átomos dentro da cavidade é maior, permitindo determinar a freqüência de ressonância do césio com mais precisão. “Esse relógio foi totalmente produzido no Brasil, inclusive o projeto. Com isso, nosso grupo dominou todas as etapas, da idealização à técnica de construção”, diz Mônica.

Tanto o relógio chafariz como o de feixe térmico não são produzidos comercialmente. Naqueles que estão no mercado, ímãs fazem o papel de selecionador e detector de átomos de césio no lugar do laser. Por isso, esses equipamentos também necessitam de salas blindadas, longe de qualquer tipo de interferência.

Laser vermelho
Em Campinas, os pesquisadores do Cepof trabalham no que poderá ser a nova geração de relógios atômicos. Ao contrário dos equipamentos baseados em transições dos átomos do césio 133, eles utilzam o cálcio. Esse elemento químico oscila quando detectado e mantido por um laser específico, na cor vermelha, em 456.000 (GHz), muito mais rápido que o césio em 9 GHz. O que ele faz é a transferência da pulsação do laser vermelho para outro laser, agora policromático, transferindo os tons de repetição para um circuito eletrônico que irá contar as oscilações e pulsos.

Com a oscilação dos átomos de cálcio excitados pelo laser, tem-se um ganho de várias ordens de grandeza na precisão. “É muito rápido e obtemos uma contagem de tempo repetitiva e estável”, conta Cruz. A precisão dele vai a 10-17, na ordem dos fentosegundos (um segundo dividido em trilhões) ou um número que tem mais 15 algarismos após os dois dígitos do segundo mostrados nos relógios de pulso digitais.

Quando ficar pronto, em meados deste ano, o relógio atômico de cálcio do IF da Unicamp será o terceiro do mundo. Atualmente, existem dois em funcionamento, um produzido em 2001 no National Bureau of Standards (NIST), o instituto de metrologia norte-americano, e outro em 2002, no Physikalisch-Technische Bundesanstalt (PTB), o instituto de metrologia da Alemanha.

Os projetos
1. Relógio atômico de feixe térmico e relógio atômico de átomos a frio; Modalidade Centro de Óptica e Fotônica (Cepof), São Carlos; Coordenador Vanderlei Salvador Bagnato – Instituto de Física da USP, São Carlos; Investimento R$ 50.000,00 e US$ 70.000,00
2. Um relógio atômico óptico de cálcio (nº 01/11144-6); Modalidade Centro de Óptica e Fotônica (Cepof), Campinas, e Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenador do projeto Flávio Caldas da Cruz – Instituto de Física da Unicamp; Investimento R$ 140.311,18 e US$ 145.778,74

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