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Energia

Eficiência sob o sol

Pesquisadores gaúchos desenvolvem células solares mais produtivas

Cálculos do Ministério de Minas e Energia indicam que cerca de 14 milhões de brasileiros, moradores de áreas rurais, não têm acesso à energia elétrica. Uma das soluções para ajudar a suprir essa carência pode estar nas mãos de pesquisadores gaúchos, que desenvolveram uma tecnologia mais eficiente de obtenção de energia solar. Coordenados por Adriano Moehlecke, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), eles desenvolveram células solares à base de silício com 17% de aproveitamento, o maior índice de eficiência alcançado com tecnologia semelhante no país até o final do ano passado.

Isso significa que, de cada 1.000 watts que o equipamento capta ao meio-dia, em um dia ensolarado, ele consegue produzir 170 watts de energia elétrica. Assim, um sistema desses instalado no telhado de uma casa, por exemplo, pode produzir, em média, 130 quilowatts por hora em um mês, suficientes para uma família de três pessoas que utilize chuveiro elétrico e eletrodomésticos.

A Austrália chegou a 24,7% de aproveitamento, mas utilizando o silício obtido pela técnica chamada FZ (defloat zone ou zona flutuante) e um processo de fabricação bastante complexo. Esses lingotes de monocristais de silício são os mais puros e livres de defeitos, mas também os mais caros. Associados à complexidade e ao custo do processo, as chances de fabricação dessas células em larga escala no Brasil são reduzidas.

Silício ultrapuro
A escolha da matéria-prima foi estratégica, segundo o pesquisador. O Brasil possui as maiores reservas de quartzo de boa qualidade, fundamental para obter o silício ultrapuro, que se destina à produção de chips de computadores, transistores e células solares. Por enquanto, o país ainda não domina a tecnologia de ultrapurificação, limitada a apenas três ou quatro indústrias no mundo. O silício produzido no Brasil, com 98% a 99% de pureza, é chamado de metalúrgico e serve para fabricar ligas de alumínio (para peças automobilísticas) e silicones (usados em cosméticos e na indústria eletroeletrônica). O processo de fabricação desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da PUCRS utiliza produtos químicos (acetona, propanol, ácido clorídrico, ácido fluorídrico, hidróxido de potássio, entre outros) e gases (nitrogênio e oxigênio) de baixo custo. “Esses dois fatores, matéria-prima e tecnologia nacional, vão contribuir para reduzir os custos do processo industrial”, adianta Moehlecke.

A geração da energia fotovoltaica se dá quando a luz solar incide na célula de silício, produzindo cargas negativas e positivas, e essas são separadas por um campo elétrico existente no dispositivo. Assim se estabelece uma corrente elétrica e a passagem dela pela região do campo gera tensão, produzindo energia elétrica. Em países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Japão, a energia gerada por células fotovoltaicas se encontra em estágio avançado. Nos anos 90, o mercado de módulos fotovoltaicos cresceu 20% ao ano. Entre 2000 e 2001, o aumento foi de 40%, com a produção mundial da ordem de 300 megawatts (MW) por ano. Um estudo da Associação de Indústrias de Módulos Fotovoltaicos da Europa estima que em 2010 haverá uma produção anual de módulos da ordem de 630 MW. Desses, 33% serão destinados a sistemas autônomos e 29% a sistemas conectados à rede elétrica. “O uso da energia solar fotovoltaica é um processo já avançado e em pleno crescimento em países desenvolvidos”, ressalta Moehlecke.

No Brasil, os sistemas fotovoltaicos respondem por 12 MW da energia produzida atualmente, segundo o Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. São equipamentos instalados em vilarejos de pescadores, pequenas povoações do Nordeste, tribos indígenas na Amazônia e regiões isoladas, onde outros sistemas não chegam. O dispositivo desenvolvido na universidade gaúcha poderá ser usado, sem grandes modificações na tecnologia, tanto em pequenas comunidades como em grandes centros urbanos. “Os elevados índices de radiação solar, somados à baixa densidade populacional em algumas regiões, tornam essa opção energética bastante competitiva do ponto de vista econômico e ambiental em todo o país”, ressalta o pesquisador.

Jovem cientista
O trabalho, resultado de três anos de pesquisa, foi contemplado com o primeiro lugar na categoria Graduados do XVIII Prêmio Jovem Cientista de 2002. Moehlecke, de 37 anos, é doutor em engenharia pelo Instituto de Energia Solar da Universidade Politécnica de Madri e professor da Faculdade de Física e do programa de Pós-Graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais na PUCRS.

O pesquisador reconhece que o custo da energia solar fotovoltaica, comparado com o da energia elétrica convencional, é um obstáculo para seu uso em larga escala. O preço da energia fotovoltaica é de US$ 3,5 por watt, enquanto o da convencional fica em torno de US$ 1 a US$ 1,4 por watt. “Mas, em compensação, os custos de manutenção do sistema e de transmissão de energia são mais caros na geração hídrica.” Ele ainda ressalta na comparação do custo-benefício que as hidrelétricas exigem grandes centrais de distribuição, têm tempo de vida útil e provocam danos ambientais irreversíveis, enquanto a fotovoltaica é inesgotável e limpa do ponto de vista ambiental.

“Se comparamos os sistemas fotovoltaicos com centrais termelétricas, a carvão ou a gás, opção que está sendo incentivada no país, as vantagens em relação à poluição são ainda maiores.”Moehlecke acredita que, para reduzir o preço pago pelo usuário de energia solar, o Estado poderia bancar parte dos gastos na implementação do equipamento. “Na Alemanha e Espanha, por exemplo, o subsídio é da ordem de 60%. Postos de gasolina, parquímetros e outros equipamentos que atendem à população utilizam cada vez mais a energia fotovoltaica.” Grandes grupos, como British Petroleum e Isofoton, na Europa; Shell Solar e Astropower, nos Estados Unidos; Sharp, Kyocera e Sanyo, no Japão; são os que saíram na frente na produção e comercialização de sistemas e equipamentos de energia fotovoltaica.

Moehlecke não patenteou seu sistema porque considera que mais importante do que isso é deter o know-how de fabricação do equipamento. Alguns empresários já demonstraram interesse em produzir a célula no Brasil. As conversações começaram a ser entabuladas em outubro do ano passado, promovidas pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. “As fontes de energia do mundo estão em fase de transição e caminham para o esgotamento”, diz. Na avaliação do pesquisador, este é o melhor momento para tomar uma decisão a respeito da adoção em grande escala da energia solar.

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