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Engenharia de materiais

Processo dominado

Grupos do Ipen e da USP conseguem fabricar o coração do sensor de oxigênio, peça até hoje importada

Encontrados nas mais diversas formas e áreas de aplicação, os sensores estão em toda parte. Nos dispositivos usados para contar pessoas que entram ou saem de lojas, na avaliação química de bebidas e na identificação de algumas moléculas de gás em meio a 1 milhão de outras que compõem o ar. Na indústria siderúrgica, por exemplo, a tarefa de controlar o processo de fabricação de aços é feita com o auxílio de um sensor descartável. Colocado em um vagão com 200 toneladas de aço a 1.600° Celsius, o dispositivo, antes de derreter, tem apenas 4 ou 5 segundos para avaliar o nível de oxigênio no metal, medida fundamental para determinar as características finais do produto. Formado por mais de dez componentes, apenas um deles, justamente o mais importante, feito em material cerâmico e chamado de coração do sensor, não é fabricado no Brasil.

Mas, pelos resultados apresentados em um estudo conduzido com óxidos cerâmicos por dois grupos da Universidade de São Paulo (USP) e um do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), essa dependência do produto importado poderá ser suprida com tecnologia nacional. “Temos condições não só de desenvolver um material igual, mas até melhor, porque atuamos exatamente no ponto do sensor mais problemático, que é o fenômeno intergranular”, diz o professor Reginaldo Muccillo, do Ipen, coordenador do projeto temático financiado pela FAPESP sobre materiais cerâmicos. O grupo do Ipen faz parte do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação em que a interação com as indústrias é incentivada.

O fenômeno intergranular está relacionado ao processo de fabricação dos materiais cerâmicos, que tem como ponto de partida um pó, que pode ter vários componentes. Para transformar esse pó tanto em um vaso como em um sensor, é necessário que o material seja colocado no forno a altas temperaturas, em um processo conhecido como sinterização. O produto final é um material sólido constituído de pequenos grãos. A região de contato que existe entre eles, chamada de intergranular, é crítica para a passagem de oxigênio, a condução de elétrons e de calor, além de determinar as propriedades mecânicas.

“No temático, a ênfase é para o estudo das propriedades elétricas”, relata Muccillo. Essa escolha deve-se ao fato de que na maioria dos sensores é necessário utilizar um sinal elétrico para fazer as medições desejadas. “Se o contorno do grão não for muito bem elaborado, o material fica resistente à passagem de íons de oxigênio”, explica o professor Douglas Gouvêa, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP, que elabora a estrutura interna (microestrutura) das cerâmicas. “Estudamos como processar esses materiais para ter um grão maior ou menor, porosidade mínima ou máxima, dependendo da aplicação”, relata. O terceiro grupo que participa do projeto tem à frente o professor Renato Jardim, do Instituto de Física da USP, especialista nos fenômenos de transporte elétrico a baixas temperaturas dos materiais supercondutores. “Um grupo complementa o outro”, diz Muccillo.

Ampla aplicação
Nesse projeto, que teve início em setembro de 2000 e está previsto para terminar em agosto do ano que vem, são estudados vários óxidos cerâmicos, como óxido de zircônio, de estanho, de alumínio, manganitas de lantânio e supercondutores cerâmicos. Essas substâncias têm amplas aplicações em dispositivos, sensores, baterias e células a combustível. Como exemplo de aplicação do óxido de zircônio, ele cita o sensor de oxigênio, que pode ser usado tanto pela indústria siderúrgica no processo de fabricação do aço como na automobilística para determinar em tempo real o teor de oxigênio no motor e no cano de escapamento de veículos. Esses sensores permitem um melhor rendimento e o controle do equilíbrio entre ar e combustível. Também nas caldeiras de hospitais é possível economizar combustível.

Muccillo estuda o óxido de zircônio desde 1979. Essa dedicação já resultou em um pedido de patente da preparação de uma massa cerâmica, à base de óxido de zircônio e óxido de magnésio, para ser usada em sensores de oxigênio descartáveis, que garantem uma sobrevida de 10 segundos antes de se desintegrarem nos vagões de aço. Ele diz que o Brasil, mesmo tendo a matéria-prima para a produção de óxido de zircônio e laboratórios de pesquisa com capacidade de desenvolver materiais apropriados para sensores, importa o componente cerâmico. “Um quilo do óxido seria suficiente para fazer uns mil sensores. Uma pequena usina produzindo 500 quilos por mês poderia suprir a demanda atual do país”, afirma o coordenador.

Tratamento térmico
Douglas lembra que uma das idéias discutidas dentro do projeto temático é reativar a produção de óxido de zircônio no Brasil, abandonada depois que o Ipen desativou a sua usina piloto. Ele ressalta que o grupo tem uma contribuição interessante a dar nas fases de conformação e queima das cerâmicas, partes do processo dominadas plenamente apenas pelas empresas detentoras no exterior da tecnologia de fabricação do coração do sensor. Na fase da queima, por exemplo, o seu grupo conseguiu baixar o patamar de sinterização do óxido de zircônio de 1.550º durante duas horas para 1.350º por dez segundos. “Realmente é uma condição especial de fabricação. Mas se a indústria conseguir baixar a temperatura para 1.350º por meia hora terá um ganho energético enorme”, diz Muccillo.

Os pesquisadores já atestaram a possibilidade de ganhos energéticos no processo de fabricação, com a redução da temperatura e do tempo de sinterização. Agora eles vão trabalhar na caracterização do material, para ter certeza de que todas as propriedades da cerâmica serão mantidas e ela poderá ser usada na confecção industrial de sensores.

O Projeto
Estudo de Fenômenos Intergranulares em Óxidos Cerâmicos (nº 99/10798-0); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Reginaldo Muccillo – Ipen; Investimento R$ 309.075,00 e US$ 216.752,00

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