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Resenhas

Painéis da colônia

Livro publicado em Portugal traz ensaios sobre o Brasil colonial

Publicado há alguns meses em Lisboa, Da América portuguesa ao Brasil dá ótima idéia do historiador magnífico que é Stuart B. Schwartz. Dos sete ensaios que compõem o livro, quatro são inéditos no Brasil, e dois dos outros três que já tinham sido aqui publicados desempenharam papel decisivo em algumas das discussões mais “quentes” da historiografia brasileira contemporânea: a da importância da escravidão indígena para o desenvolvimento da produção açucareira na Colônia e a do papel de uma agricultura de subsistência na vida econômica de então. No primeiro caso, trata-se do capítulo I, “Trabalho indígena e grande lavoura no Novo Mundo”; no segundo, do capítulo III, “Camponeses e escravatura: alimentando o Brasil no fim do período colonial”, onde está talvez a melhor crítica feita até hoje aos limites da “teoria’ da brecha camponesa. Numa sociedade escravista e colonial, voltada para a produção de gêneros comerciáveis no mercado externo, a agricultura de subsistência se desenvolveu articulada à de exportação e tinha, irremediavelmente, de assentar-se na mão-de-obra escrava: quando bem-sucedidos, os setores do campesinato não constituíram uma alternativa econômica distinta, mas se voltaram para a utilização do trabalho compulsório de africanos.

Os outros três capítulos aqui traduzidos pela primeira vez constituem uma contribuição oportuna para o estudo dos impérios ibéricos, cada vez mais em voga no Brasil e em Portugal. Em “A jornada dos vassalos: poder real, deveres nobres e capital mercantil antes da Restauração, 1624-1640”, Schwartz trata da expedição enviada em 1625 para libertar a Bahia, então sob controle holandês, e mostra que foi um ponto de viragem na história do Atlântico ibérico, “uma última representação dos velhos laços entre a nobreza e a coroa”. Quinze anos depois, com a Restauração dos Braganças no trono de Portugal, esboroariam os sonhos de uma monarquia ibérica integrada e de um império unificado.

“Pânico nas Índias: a ameaça portuguesa ao Império espanhol, 1640-1650” é uma análise notável do papel do medo e dos rumores na desestabilização da grande política. A partir de 1640, quando Portugal recobrou a independência com relação à Espanha, o medo de que os portugueses residentes nas conquistas espanholas se unissem aos negros (internamente) ou aos concorrentes estrangeiros (holandeses, ingleses e franceses) varreu os domínios de Castela, do México a Buenos Aires. Schwartz mostra com maestria como, naquele momento, nada indicava que as possessões do Império português – entre elas o Brasil – aderissem à nova monarquia: nós é que naturalizamos o argumento, vendo como obrigatório que, uma vez Portugal independente, todas as colônias o acompanhassem. Quando chegou a Madri a notícia de que o Brasil aderira ao novo rei Bragança, o fato foi considerado como traição e doeu mais do que a perda da Catalunha.

Em “A formação de uma identidade colonial no Brasil”, Schwartz lida com o difícil assunto enunciado no título e traz contribuição significativa. A hipótese mais ousada do capítulo é a de que a consciência da distinção e da diferença dos colonos ante os reinóis surgiu primeiro entre grupos mestiços – as elites continuavam muito ligadas a Portugal – e sobretudo no nível regional: não houve, por muito tempo, o sentimento de pertencer a uma totalidade chamada Brasil.

O último capítulo do livro, “Depois da dependência”, faz um balanço da produção historiográfica brasileira voltada para o período colonial e constata que, dos anos 1980 para cá, diminuiu o interesse por assuntos de conteúdo mais econômico – tributários, em grande parte, da teoria da dependência – e aumentou o apreço pelas análises de cunho cultural. Faltaria acrescentar que, na história recente de nossa historiografia, Stuart Schwartz brilhou sempre: consagrou-se como historiador do Nordeste açucareiro, mas o que vem mostrando sobre as dinâmicas do Império merece ser examinado com atenção e constitui um antídoto saudável contra os modismos que atacaram esses domínios nos últimos anos.

Laura de Mello e Souza é professora titular de História Moderna do Departamento de História da Universidade de São Paulo

Mais informações sobre o livro, editado em Portugal, podem ser conseguidas pelo e-mail difel@difel.pt

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