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Memória

Um sábio na selva

Há um século e meio, Fritz Müller, um dos grandes naturalistas do mundo, chegava ao Brasil - para ficar

Müller: à vontade na floresta

Alfred Möller/Wikimedia Commons

Delirante, já perto da morte, o naturalista Fritz Müller só pensava em bromélias. Em frases soltas, desfiava as espécies já nomeadas e outras por estudar. Ele não falava dos crustáceos que ajudaram a firmar a teoria da evolução e encantaram Charles Darwin, nem das borboletas que imitam umas às outras para se livrar de predadores ou das orquídeas, todos objetos de intensa observação. Aos 75 anos, Müller tinha delírios febris com bromélias, donas de uma beleza selvagem que o levara a cultivá-las às dezenas em seu grande jardim à beira-rio, em Blumenau. Na Europa só era possível ver essa planta da família Bromeliaceae em herbários por ser exclusiva do continente americano (das mais de 3 mil espécies, somente uma delas habita a África).

O final da vida desse excepcional naturalista é narrado por Moacir Werneck de Castro na biografia O sábio e a floresta – A extraordinária aventura do alemão Fritz Müller no trópico brasileiro (editora Rocco, 1992, esgotado). Castro mostra que o cientista realizou seu desejo de juventude de conhecer e desbravar uma terra nova com todo o tipo de espécies animais e vegetais, boa parte delas ainda ignorada pelos especialistas. Johann Friedrich Theodor Müller, o nome completo de Fritz Müller, era natural da região central da atual Alemanha, Turíngia. Chegou em Santa Catarina em 1852 com a mulher, Karoline, a filha Johanna e um dos irmãos, August, também casado.

A imaginação do jovem Müller sempre fora excitada pelos relatos dos naturalistas e artistas expedicionários que ajudaram a mostrar o Brasil dos séculos 18 e 19 para o mundo, como Alexander von Humboldt (que Müller conheceu na Alemanha), Wilhelm Ludwig von Eschwege, Carl von Martius, Johann Spix, Georg Heinrich von Langsdorff, Hermann Burmeister, Peter Wilhelm Lund, Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence, entre outros. E, claro, Charles Darwin, que detestoua escravidão então reinante no país, mas maravilhou-se com as florestas brasileiras. Para alguém como Müller, formado em farmácia e medicina, com enorme vocação para o naturalismo, ir para o novo mundo era só uma questão de tempo.

Uma vez instalado na colônia criada no Brasil pelo velho amigo Hermann Blumenau, o cientista alemão trabalhou duro com a mulher e o irmão para construir sua casa e plantar a própria comida. Ao mesmo tempo, tinha de educar pessoalmente as filhas (teve nove mulheres e um menino, que viveu poucas horas), precaver-se contra os ataques de onças e índios e, ainda assim, observar bichos e plantas, coletar espécies para estudo e escrever relatórios, artigos e cartas para periódicos no exterior e no Brasil.

“Ele teve 248 trabalhos publicados, entre memórias e monografias, em inúmeros periódicos científicos do mundo”, diz Paulo Labiak, professor da Universidade Federal do Paraná e presidente da Mülleriana: Sociedade Fritz Müller de Ciências Naturais, de Curitiba. “Mesmo para ospadrões de hoje, mais de um século depois, com todos os recursos gráficos e eletrônicos disponíveis, essa produção é impressionante.” O naturalista alemão publicou apenas um livro, Fatos e argumentos a favor de Darwin, primeiro na Alemanha (para onde nunca voltou), em seguida na Inglaterra – só apareceu no Brasil depois de anos. A idéia era dar mais elementos que fortalecessem a teoria sobre evolução.

O alemão usou os crustáceos como ponto de partida e comparou os tipos superiores com os inferiores – mostrou que ambos tinham passado pela mesma forma embrionária. O livro levou Müller a uma prolífica correspondência científica com o inglês e outros cientistas europeus. Impressionado com a qualidade do trabalho do alemão, Darwin passou a chamá-lo de “príncipe dos observadores”.

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