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Inovação

Esforço Recompensado

Empresas que inovam e diferenciam produtos exportam mais e com preço maior que concorrentes

MIGUEL BOYAYANLinha de gravação de logomarca da LasertoolsMIGUEL BOYAYAN

Um amplo estudo iniciado há cerca de oito meses pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicou que as empresas brasileiras investem, em média, 45% a mais em pesquisa e desenvolvimento que as subsidiárias de multinacionais no Brasil. Até agora, as pesquisas comparavam as empresas sem levar em conta o tamanho, setor e outras informações. O estudo do Ipea utiliza dados de 72 mil empresas e lança mão de instrumentos estatísticos para isolar o efeito do esforço inovativo em relação à origem do capital, controlando 200 variáveis, como faturamento, setor, coeficiente de exportação, número de trabalhadores e outras. É como se comparasse duas empresas que fazem o mesmo produto, com o mesmo faturamento, na mesma rua, com o mesmo número de trabalhadores, sendo que uma é de capital nacional e outra estrangeiro.

“A pesquisa também mostra que as empresas inovadoras lucram e exportam mais”, diz o presidente do Ipea, Glauco Antônio Truzzi Arbix. Aquelas que desenvolvem tecnologia têm 16% mais chances de exportar em relação às que não fazem inovações. “Nós não temos ainda o perfil exato desses empresários, mas avaliamos que eles são de uma geração fruto do reordenamento industrial dos anos 1990, das mudanças profundas que vêm atingindo o país nos últimos 15 anos.” São empresários que não se contentam em apenas comprar tecnologias e técnicas para reproduzir no mercado interno o que é feito lá fora.

Esse restrito grupo, composto por 1.500 empresas, tem em comum três requisitos: inova, diferencia produto e exporta com um preço 30% maior que seus concorrentes. Por isso foi classificado no estudo como pertencente à categoria A. Só em pesquisa e desenvolvimento, essas empresas gastaram, no total, R$ 1,9 bilhão por ano. Na categoria seguinte, a B, estão 15.311 empresas que têm como principal estratégia a especialização em produtos padronizados. Elas podem ser inovadoras em processos produtivos, mas não em produtos. Por ano investem cerca de R$ 1,6 bilhão com pesquisa e desenvolvimento. No grupo C, onde se encontram 55.400 empresas, os produtos não são diferenciados e a produtividade é menor. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento não passam de R$ 200 milhões ao ano.

O estudo tem como objetivo fazer um mapeamento da indústria brasileira a partir de suas estratégias competitivas. Para tanto, integra informações das mais importantes bases de dados brasileiras sobre o tema: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), de 2000, e Pesquisa Industrial Anual (PIA), entre 1996 e 2001, ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mapeamento tornou-se uma espécie de censo da produção industrial e da exportação brasileira ao agregar outras bases de dados, como a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, e informações da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e do Banco Central. Para reunir, cruzar e compatibilizar todas essas informações, foi montada uma verdadeira operação estratégica, que conta com a participação de pesquisadores do IBGE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP).

Salários maiores
Os dados apurados também mostram que a remuneração média da mão-de-obra nas empresas do grupo A é de R$ 1.254,00, enquanto no B é de R$ 749,00. Já naquelas com menor produtividade o salário médio é de apenas R$ 431,00. Outro dado interessante é que o tempo médio de permanência no emprego é 53% maior nas empresas inovadoras do que nas do grupo C. O Ipea apurou ainda que as empresas que inovam e diferenciam produto tendem a pagar salários 23% maiores do que as empresas que não diferenciam e têm produtividade menor. Entre as inovadoras e as especializadas em produtos padronizados a diferença salarial é de 11%. Luís Fernando Cassinelli, diretor de Inovação e tecnologia da Braskem, empresa petroquímica controlada pelo Grupo Odebrecht, concorda que o nível de motivação é muito mais alto nas empresas inovadoras.

“Como somos desafiados diariamente, a equipe se mantém motivada.” Com 13 fábricas e 118 pedidos de patentes, a empresa produz petroquímicos básicos e resinas termoplásticas. “A Braskem tem como principal estratégia buscar os produtos mais inovadores lançados no mercado internacional e adaptá-los para o nacional, de forma que sejam competitivos”, diz Cassinelli. Ele cita como exemplos o copo de requeijão de plástico e duas famílias de resinas lançadas recentemente para substituir produtos importados. No ano passado, a empresa investiu US$ 10 milhões em pesquisa, valor que anualmente fica entre 0,5% e 1,2% do seu faturamento bruto. Em 2003, a Braskem faturou R$ 11,3 bilhões.

O levantamento do Ipea também mostrou que a escolaridade média dos funcionários do grupo A é de 9,1 anos, do B, 7,6 e do C, 6,8. Além disso, na média, um ano na escolaridade do pessoal ocupado aumentaria em US$ 60,7 mil as exportações das empresas que já fazem esse tipo de comércio e em US$ 269 mil nas não-exportadoras, desde que passem a enviar seus produtos para o exterior. A integração entre universidades e empresas é apontada como fundamental para que estas últimas obtenham melhores resultados.

Diferencial tecnológico
A transformação do conhecimento em tecnologia e produtos se dá de forma mais efetiva em parcerias como as realizadas pela Embraco, com sede em Joinvile, Santa Catarina, líder mundial na fabricação de compressores herméticos para refrigeração doméstica, com 25% do mercado. A empresa investe em pesquisa desde 1982, quando firmou convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nos anos seguintes, muitas outras foram firmadas, com instituições do Brasil e do exterior. A Embraco iniciou suas atividades em 1974, produzindo compressores com tecnologia importada. Somente em 1987 lançou o primeiro compressor com tecnologia própria. Mas, de lá para cá, não pára de colecionar números superlativos.

Hoje a empresa tem 37 laboratórios com equipamentos de última geração, dos quais 13 no Brasil, oito na Itália, nove na Eslováquia e seis na China, países onde possui fábricas, e um laboratório na unidade de negócios localizada nos Estados Unidos. São mais de 400 profissionais dedicados a pesquisa e desenvolvimento no mundo, dentre os mais de 10 mil funcionários. Anualmente investe até 3% do faturamento líquido em pesquisa e desenvolvimento, o que corresponde, em média, a US$ 20 milhões e a 352 patentes concedidas em âmbito mundial.

Em 2003 faturou US$ 686,7 milhões, vendendo principalmente para os Estados Unidos e países europeus. “A Embraco acreditou na inovação como fator de competitividade e o diferencial tecnológico de seus produtos é um dos responsáveis pela conquista da liderança mundial em seu segmento”, diz Roberto Campos, gestor de recursos de engenharia. Uma das inovações lançadas pela empresa, em 1992, foi a linha de compressores compatíveis com gases refrigerantes que não agridem a camada de ozônio. “Em 1998 inovou mais uma vez, com o lançamento do compressor de velocidade variável”, relata Campos. Esse aparelho utiliza um controle eletrônico que monitora a variação de temperatura e reduz o consumo de energia.

Foi também a transformação do conhecimento obtido em uma área de ponta, a da tecnologia espacial, que levou pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a desenvolver um produto inovador para a área odontológica, que está prestes a ganhar o mercado internacional. São brocas odontológicas de diamante sintético acopladas a aparelhos de ultra-som em substituição às tradicionais de rotação. “Conseguimos a tecnologia que obtém um filme de diamante que adere completamente à superfície da haste”, diz Vladimir Trava Airoldi, pesquisador do Inpe e sócio fundador da Clorovale. “O tratamento é feito com o mínimo ruído possível, sem o barulho da alta rotação. Fundada em 1997, a empresa conta com apenas seis funcionários e oito sócios.

Mas tem como foco investir em produtos inovadores, como a aplicação do diamante sintético na área de limpeza de águas, inclusive para filtros caseiros e lubrificantes sólidos. A pesquisa que colocou a empresa na rota da inovação teve início em 1998 e recebeu o apoio da FAPESP dentro do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). O lançamento da broca odontológica no mercado ocorreu em 2003. No final do ano passado, a Clorovale recebeu aporte de capital de uma empresa gaúcha, a Atende Bem, que está ajudando a montar uma estrutura de distribuição e venda do produto. Antes de iniciar as vendas no mercado externo, a Clorovale está testando a aceitação do produto em Israel. Nos Estados Unidos, Itália e França, o produto já está sendo avaliado por professores de odontologia.

Alta precisão
Outra empresa que utilizou o conhecimento obtido na universidade para inovar, e obteve sucesso, é a LaserTools, que desenvolveu técnicas a laser para gravações superficiais e profundas de alta precisão para metais e ligas (gravação de logomarcas e tridimensionais). Fundada em 1999 por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), a empresa começou abrigada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) na Cidade Universitária. Para conseguir desenvolver a pesquisa com laser, também recebeu auxílio do PIPE. Hoje tem 30 funcionários e, no ano passado, faturou R$ 1,2 milhão. “Utilizamos tecnologia para tratar peças industriais com laser”, diz Spero Penha Morato, um dos sócios da empresa. A LaserTools agrega valor a produtos de terceiros para serem exportados. Em dezembro de 2004 foi uma das 20 escolhidas, em São Paulo, para integrar o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Tanto a Clorovale como a LaserTools estão instaladas em uma região que os pesquisadores do Ipea chamam de manchas industriais, porque estão à frente nos processos de inovação tecnológica. “A Região Metropolitana de São Paulo ampliada,abarcando de São José dos Campos a Santos, passando por Piracicaba, Campinas e São Carlos, é onde se concentra a maioria das empresas classificadas como A no estudo”, diz Mário Sérgio Salerno, diretor de Estudos setoriais do Ipea. Essa constatação comprova que as empresas mais inovadoras estão instaladas em regiões com melhor desempenho industrial. O estudo do Ipea, que tem como objetivo dar subsídios para a política industrial do governo, já foi apresentado a vários ministérios, mas ainda não tomou a forma de relatório, com recomendações, o que deve ocorrer em maio. “O trabalho valida a idéia de que a estratégia de inovar pode ser um bom caminho para o Brasil diferenciar produtos no mercado internacional”, diz Salerno.

A questão central é como o país deve e precisa incentivar a inovação. “Temos de discutir estruturas que não existem no Brasil. Pensar em política industrial sem essas novas estruturas é repetir velhas fórmulas, como isenção de impostos”, diz Arbix. Ele defende que a única forma de expandir a participação brasileira no mercado internacional é com produtos de conteúdo tecnológico. “A inovação é um elemento-chave para ampliar a exportação e diminuir a enorme dívida externa a que estamos submetidos, que nos sufoca e está na raiz dos juros altos e de uma série de constrangimentos.”

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