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Geocronologia

As idades da terra

Rede vai impulsionar estudo de datação de rochas e do potencial de campos petrolíferos

A Universidade de São Paulo (USP) ganhará, a partir de 2006, um laboratório com fôlego para transformar o panorama da pesquisa em geologia no país. Com financiamento da Petrobras e da Fapesp, o Instituto de Geociências da USP encomendou à Austrália uma microssonda iônica de alta resolução, equipamento capaz de fazer datações pontuais em um único cristal de minerais, além de determinar a idade de processos geológicos de forma mais rápida e precisa do que a tecnologia disponível. Conhecida como Shrimp (abreviatura de Sensitive High Resolution Ion Micro Probe), a microssonda será instalada num laboratório de 800 metros quadrados no campus da USP.

Hoje as pesquisas no país em geocronologia (estudo da idade de rochas e eventos geológicos) e geologia de isótopos (estudo da composição do material para determinar sua origem) dependem de processos demorados em laboratórios superlimpos, onde são feitas a dissolução química de grãos de minerais, rochas ou de material sedimentar e a conseqüente análise da composição de isótopos. E o que se obtém, em alguns casos, é uma média de idade do material, composto ao longo de eventos que demoraram milênios para acontecer. Quando se pretende fazer datações de fases individuais de crescimento dos cristais, a opção é mandar o material para análise em outros países — estima-se que US$ 200 mil por ano sejam gastos com o uso de microssondas desse tipo no exterior. Só existem dez desses equipamentos no mundo. O da USP será o primeiro na América Latina.

A aquisição terá um impacto ainda maior porque a Petrobras, em parceria com os ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e o Serviço Geológico Nacional, decidiu aproveitar a iniciativa e ampliar investimentos na pesquisa de datações geológicas e de análises isotópicas. Está comprando outros três equipamentos, com tecnologia diferente do Shrimp (usa raios laser em vez de feixe de oxigênio). Eles permitirão análises de um espectro maior de materiais, embora não produzam resultados precisos como a microssonda. Conhecidos como ICP/MS (espectrômetros de massa com fonte de plasma e sistemas de multicoletores e de ablação a laser), serão doados às universidades de Brasília, Federal do Rio Grande do Sul e Federal do Pará.

Bombardeio
Com a sonda da USP, comporão uma rede de pesquisas, batizada de GeoChronos (rede nacional e estudos geocronológicos, geodinâmicos e ambientais), com a participação da Petrobras e do Serviço Geológico do Brasil. Um comitê vai definir os projetos a serem realizados. “Os laboratórios serão compartilhados em nível nacional e também por pesquisadores de outros países, sobretudo da América Latina, através de convênios científicos específicos”, diz o geólogo Ciro Jorge Appi, gerente executivo da GeoChronos. “Isso é importante tanto para a Petrobras quanto para o Serviço Geológico Nacional, que aprimorarão o conhecimento das potencialidades de todo o continente sul-americano. Hoje laboratórios estrangeiros onde encomendamos estudos dessa natureza desfrutam mais rapidamente das informações sobre nosso continente.”

A microssonda Shrimp da USP dispensa a dissolução química e submete os grãos a um bombardeio de um feixe de íons de oxigênio. O feixe é posicionado para atingir pontos específicos e minúsculos do grão rochoso e determinar a idade de cada um deles. O bombardeio provoca a fusão dos pontos desejados e libera íons de urânio e chumbo. O material passa por um espectrômetro de massa de alta resolução, capaz de separar até mesmo isótopos com massas muito próximas, e de alta sensibilidade, capaz de medir quantidades muito pequenas de elementos.

Células detectoras de íons recebem os isótopos separados e fornecem os dados necessários para o cálculo das idades de formação de cada um dos pontos, revelando a história do processo geológico daquele grão. A tecnologia consegue analisar uma grande quantidade de zircões, cristais depositados em bacias sedimentares de campos com potencial petrolífero e, assim, saber a história de sua formação e suas características. Isso auxilia na avaliação do potencial das reservas.

Também tem aplicação em datações de todo tipo de rochas, o que permitirá a elaboração de mapas geológicos mais precisos e em menor tempo. Será útil para as mineradoras, pois pode agilizar a descoberta de novos depósitos. “Com a microssonda será possível dar um salto de qualidade e aumentar o número de artigos brasileiros em revistas internacionais”, diz Colombo Celso Gaeta Tassinari, professor titular do Centro de Pesquisas Geocronológicas do Instituto de Geociências da USP, que articulou a compra do laboratório.

O projeto começou a tomar forma há dois anos, quando o grupo da USP, liderado por Tassinari e por Umberto Cordani, professor do Departamento de Geologia, procurou a FAPESP em busca de financiamento para a compra da microssonda. Não era um pedido simples. O equipamento, fabricado pela companhia Australian Scientific Instruments, custa US$ 2,5 milhões. “A FAPESP prontificou-se a ajudar com uma parte e recomendou que procurássemos um parceiro”, lembra Tassinari, que foi à Petrobras. O interesse da estatal foi instantâneo. Em 2000 a empresa já fora procurada pela Universidade de Brasília, que pleiteava no governo federal verba para comprar um Shrimp. A participação da Petrobras se restringiria à construção de um prédio. A idéia não vingou porque a verba principal não saiu.

Cronograma
A compra do Shrimp, projeto aprovado na FAPESP no âmbito do programa de Inovação Tecnológica, prevê a divisão das despesas, US$ 1,5 milhão para a Petrobras e US$ 1 milhão para a FAPESP. A primeira parcela está em via de ser liberada e definirá o cronograma de entrega. Cada microssonda demora 18 meses para ser construída — por isso o equipamento será instalado ao mais tardar no segundo semestre de 2006. Mas há um Shrimp em construção há seis meses — disputado por vários países. Se o dinheiro brasileiro chegar primeiro, a microssonda virá mais cedo. Será dividido por dois o tempo de uso do laboratório. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) terão acesso ao equipamento e, junto com os da USP, poderão usá-lo por 50% do tempo. A outra metade caberá à Petrobras, com envolvimento de pesquisadores de várias instituições do país.

O Projeto
Laboratório de geocronologia com microssonda Iônica de alta resolução: suporte para o desenvolvimento de Projetos de Alta Tecnologia em Exploração de Petróleo (nº 03/09695-0); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (PITE); Coordenador Colombo Celso Gaeta Tassinari — Instituto de Geociências da USP; Investimento US$ 1.000.000,00 (FAPESP) e US$ 1.500.000,00 (Petrobras)

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