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Geriatria

Pé na Estrada

Idosos param de sentir dores, dormem melhor e têm a memória reavivada quando viajam

De Santiago*

Ela adora bater perna. De fato, é difícil localizá-la. Rebeca esteve recentemente em Molina, na Sétima Região do Chile (a 300 quilômetros de Santiago), para conhecer o parque Las Siete Tasas. Chegou a Santiago, arrumou outra mala e viajou para Quintero, a uma hora da capital chilena, mostrando como lidar com liderança, auto-estima e cuidados de si. Aos 73 anos, a chilena Rebeca Mondaca pode perfeitamente escrever um livro sobre suas histórias de viagens, aproveitando o auge do turismo para a terceira idade no país. Ela faz parte dos quase 80 mil idosos que nos últimos quatro anos participaram da iniciativa liderada pelo Serviço Nacional de Turismo do Chile (Sernatur), já seguida por muitos municípios. O diário de bordo de Rebeca Mondaca já contém suas andanças pelas cidades de Arica, Iquique, Villarrica e Pucón, no Chile, e Tacna, no Peru, fronteira com o Chile. Em dezembro de 2004, ela fez mais uma viagem, desta vez para Mendoza, na Argentina; no próximo verão deve ir para La Serena e,sabe-se lá, talvez faça outra viagem internacional. “Sempre que a saúde acompanhe”, comenta Rebeca.

De volta das viagens, Rebeca diz sentir-se muito bem. Realizada. Feliz. A artrose e a osteoporose passam a segundo plano. Esquece da dor. “Fico melhor, mais animada. Minha saúde melhora muito”, diz. É um fenômeno biológico que a maioria dos idosos confirma, de acordo com um estudo realizado da Faculdade de Medicina da Universidade Católica do Chile. A pesquisa, publicada na Revista Médica de Chile, conclui que patologias como a insônia, a falta de apetite, a depressão, a incontinência urinária e, inclusive, as dores articulares amenizam após viajar.

Economia e saúde
O médico Pedro Paulo Marín, coordenador da pesquisa, explica que na Europa é consenso que os idosos representam um nicho de mercado importante, para o qual não havia ofertas até algum tempo atrás. “Isso mostra que os idosos não são um peso morto, eles geram renda. E, mais, podem usufruir instalações ociosas, como hotéis ou restaurantes, que, em geral, não são utilizadas pelo fato de as pessoas estarem trabalhando nessa época. “Apesar dos ganhos econômicos, até agora não se havia medido o impacto das viagens sobre a saúde dos homens e mulheres da terceira idade. E os resultados surpreenderam, reconhece Marín. Do total de entrevistados, 85,4% disseram ter mais disposição; 78% tornaram-se mais sociáveis; 58% acabaram com os problemas de insônia; e 42% sentiram uma melhora digestiva, entre outros benefícios.

Da pesquisa participaram 4. 200 idosos, que passaram por duas sondagens, ambas voluntárias: uma antes da viagem e a outra na volta. Foi detectado que 45,4% dos turistas eram idosos de 70 anos; 66,2% do total eram mulheres; 60,5% beneficiários do sistema público de saúde; e 22,9% tinham planos de saúde particulares. Por sua vez, 20% têm educação básica, outros 47% segundo grau completo e 21% ensino superior completo. Desse total, 15,8% viviam sozinhos, e dentro desse grupo 82% eram mulheres. Com relação às condições sociais, 7,7% admitiram que seus recursos financeiros não lhes permitiam cobrir as necessidades básicas, 43,1% disseram que seus recursos apenas cobriam essas necessidades e 49,2% responderam que não tinham problemas econômicos.

Com medo de voar
“Não devemos ter medo de viajar. O impacto das viagens é muito bom, sobretudo no aspecto psicológico, porque as pessoas passam a dormir melhor e se sentem mais dispostas. Há muito tempo se diz que as pessoas devem viajar quando ficam estressadas ou deprimidas”, comenta Marín. Rebeca confirma o que o médico diz. A primeira vez que ela viajou de avião foi dois anos atrás. “Foi novidade para mim. Fomos a Arica, tivemos que ir de avião, e eu nunca havia viajado de avião, pois tinha medo. Fui com meu companheiro. Foi uma experiência nova, compartilhada com pessoas de vários lugares”, conta.

Viajar, quebrar a rotina, confraternizar-se com outras pessoas, tudo isso implica esforços mentais e de renovação. As pessoas passam a fazer parte de um grupo e a se enturmarem, ressalta Marín. “Aqueles que sofrem de dores articulares se vêem livres desses problemas quando viajam, enquanto outros melhoram da incontinência, não sabemos por quê. Já a memória melhora porque as pessoas se distraem, combatem o estresse, se concentram e aprendem coisas novas como nomes, lugares, datas e horários”, afirma. Um dos desafios pendentes é saber se esses resultados são duradouros ou desaparecem com o tempo. O único indicador de que Marín dispõe é aquele que é medido quando os idosos retornam das viagens: dão dicas de viagens aos amigos ou voltam a viajar. Quer dizer, as viagens lhes fazem bem e, por isso, querem continuar viajando.

Capital social
Manuel Pereira, diretor do Serviço Nacional do Idoso (Senama) do Chile, diz que essas viagens significam investir em saúde, o que configura um tremendo capital social. “Fazendo turismo”, diz ele, “os idosos deixam para trás as pílulas para combater o desânimo e a depressão”. Pereira explica que há um ganho nas relações humanas e no fortalecimento das redes de apoio social, pois há visitas e contatos, evitando-se assim que os idosos caiam na solidão. Além disso, ampliam-se os conhecimentos culturais. Rebeca Mondaca se lembra com carinho das pessoas que conheceu em Arica. Ainda se convidam por telefone para as festas que realizam. Ou seja, há uma ampliação das redes sociais para além do círculo familiar.

Entretanto, Manuel Pereira afirma que ainda falta muito para o setor turístico se adaptar à nova realidade do envelhecimento da população chilena. Muitos hotéis têm acessos pouco adequados e perigosos; não há adaptações nos banheiros e quartos nem há preocupação em preparar pratos especiais, sem sal ou com pouco açúcar, já que muitos ou diabetes. “Contudo, se está avançando”, diz. Rebeca reivindica que as viagens realizadas por meio do Sernatur sejam diferentes daquelas que ela já fez por conta própria. Nas viagens exclusivas para a terceira idade há cuidados especiais, atendimento médico personalizado, controles constantes e indicações alimentares. O próximo passo que deve dar o setor turístico, de acordo com o diretor do Senama, será começar a proporcionar uma oferta segmentada, direcionada para idosos com problemas específicos de saúde.


*Víctor Hugo Durán é jornalista, especializado em saúde do jornal chileno El Mercurio, no qual esta reportagem foi originalmente publicada. Reprodução autorizada.

Tradução: Damian Kraus.

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