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Memória

Uma longa jornada

Há 130 anos começava a trajetória das primeiras médicas brasileiras

MUSEU HISTÓRICO PROFESSOR DA SILVA LACAZ, FMUSPOdette Antunes (à dir.) com professor e colegas na aula de anatomia, em 1914MUSEU HISTÓRICO PROFESSOR DA SILVA LACAZ, FMUSP

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o mais famoso e produtivo centro de atendimento de saúde, ensino e pesquisa do Brasil, ganhou sua primeira professora titular no final do século 20, em 1996, com a patologista Maria Irma Seixas Duarte. Em entrevista dada à Revista da Folha à época, Maria Irma contava: “Sempre lembro de um amigo do tempo de residência que me dizia: ‘Se eu, como homem, vou precisar de um esforço x para fazer alguma coisa, pode estar certa que você precisará de 2x’. Incorporei isso e resolvi não olhar mais para essa história de machismo. Penso: vou me esforçar o dobro e pronto”. Há 130 anos a condição da mulher no cenário brasileiro era bem diferente – a elas nem era permitido fazer os mesmos cursos superiores dos homens.

Cada conquista exigia grande esforço, e apenas a determinação e a coragem as levavam a obter vitórias. Foi assim em 1875 com a carioca Maria Augusta Generoso Estrela, que aos 15 anos embarcou para os Estados Unidos para estudar medicina. Quatro anos depois, a pernambucana Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira seguiu o mesmo caminho, com a mesma idade de Maria Augusta.

A primeira vislumbrou seu futuro ao ler sobre a formatura de uma médica norte-americana. Maria Augusta venceu a resistência do pai, que a enviou para Nova York onde, no final de 1876, conseguiu ser aceita no New York Medical College and Hospital for Women, faculdade de medicina voltada para mulheres, criada em 1863. Desde o início seus passos foram acompanhados pela imprensa brasileira, que publicava relatos periódicos de sua vida acadêmica e pessoal no exterior. Seu prestígio era tanto que o imperador d. Pedro II destinou uma bolsa de estudos para ela quando os recursos da família minguaram. Foi no Medical College que Maria Augusta encontrou Josefa, que também havia conseguido dobrar seu pai. Josefa e Maria Augusta desenvolveram grande amizade e publicaram juntas o jornal literário A Mulher, produzido em Nova York e distribuído nas capitais brasileiras. Ambas se formaram em 1881.

Josefa voltou para Recife e pouco se sabe de sua trajetória posterior. Maria Augusta ficou mais um ano no exterior e depois voltou ao Rio de Janeiro, onde se casou e clinicou por muitos anos. O ineditismo de sua luta para estudar e a constante presença na mídia ajudaram na aceitação, autorizada por uma reforma no ensino, de mulheres em cursos superiores em 1879, meses depois de Josefa ir para Nova York. Com a nova legislação, Rita Lobato Velho Lopes, gaúcha de São Pedro do Rio Grande, conseguiu matricular-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1884, mas transferiu-se para a Faculdade de Medicina da Bahia, de onde saiu como a primeira médica brasileira formada no país. Em São Paulo, a Faculdade de Medicina e Cirurgia, atual FMUSP, já tinha em sua primeira turma, de 1913, duas mulheres: Odette Nóra de Azevedo Antunes e Délia Ferraz Fávero.

As conquistas das mulheres médicas continuaram pelo século 20. Em 1998, Angelita Gama tornou-se professora titular em cirurgia no Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. Além de superar dois obstáculos – o acadêmico e o da especialidade -, quebrou o tabu com relação à cirurgia, tradicionalmente considerada uma atividade masculina.

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