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Química

Ligações poderosas

Nanofitas de cerâmica são candidatas a fazer conexões de circuitos e transistores

As previsões futuras para o desenvolvimento de áreas como eletroeletrônica, computação ou qualquer outro segmento industrial não estarão completas sem instrumentos, peças ou qualquer tipo de desenvolvimento que possa ser medido em nanômetros, medida comparável ao tamanho das partes de um fio de cabelo dividido em 100 mil vezes. Uma das projeções mais próximas de ser implementada em computadores ou aparelhos eletrônicos nos próximos 20 anos é o uso de nanofios metálicos na ligação entre componentes de um chip ou de uma placa de circuito integrado. São muitos os estudos realizados em todo o mundo que apontam para esse caminho no sentido de facilitar ainda mais a miniaturização dos circuitos e tornar mais rápida a capacidade de processamento de equipamentos eletrônicos. Mas mesmo antes desses nanofios ganharem os ambientes industriais, surgem as nanofitas de cerâmica que já aparecem como uma opção promissora nessa corrida tecnológica.

“As nanofitas têm a vantagem de não fundirem como os nanofios metálicos. Elas podem receber potências altas de corrente elétrica sem se romper. Suportam dez vezes mais densidade de corrente do que um nanofio de ouro, por exemplo”, afirma o físico Marcelo Ornaghi Orlandi, da equipe de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que desenvolveu novos tipos de nanofitas de cerâmica. O grupo também faz parte do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.

A nanofita desenvolvida em São Carlos é a primeira no mundo nesse formato, segundo os pesquisadores. Até agora, só existiam filmes finos desse material, que é produzido com um semicondutor, no caso o óxido de índio (In2O3), dopado com estanho (SnO2), outro metal. Isso significa que alguns átomos da molécula de índio foram substituídos por outros de estanho. O material dopado chamado de ITO, de Indium Tin Oxide, nome de óxido de índio dopado com estanho, torna-se condutor de corrente elétrica. Os filmes de ITO, pela característica de serem transparentes, são indicados para funcionar como antiembaçador nos vidros de carros. Ao receber uma pequena corrente elétrica ele se aquece e elimina o embaçamento. O problema é que essas películas ainda são caras para esse tipo de instalação.

Alta carga
A primeira nanofita do Cepid Cerâmica possui em sua molécula 85% de óxido de índio e 15% de óxido de estanho. Com ela é possível interligar componentes com um bom nível de passagem de corrente elétrica. “As nanofitas serão úteis onde exista necessidade de alta capacidade de potência elétrica, nas ligações de circuitos”, diz Orlandi. Elas poderão ser adaptadas ao atual processo de fabricação de circuitos integrados porque a cerâmica resiste às substâncias corrosivas utilizadas nesse processo. As nanofitas também serão úteis na construção e nas conexões entre transistores, que são ampliadores dos sinais elétricos. Nos computadores, por exemplo, cada chip carrega vários minúsculos transistores no seu interior e as nanofitas farão as conexões entre eles, permitindo o funcionamento em velocidades de processamento maiores, cerca de dez vezes mais que as atuais. Assim, um computador poderia rodar em 30 gigahertz (GHz), em vez dos 3 GHz atuais. Quanto maior a freqüência, maior é o processamento das informações no circuito de um celular, de um computador ou de uma televisão.

As nanofitas de cerâmica medem de 40 a 800 nanômetros de largura e de 4 a 100 nanômetros de espessura e, mesmo nesse tamanho, proporcionam uma alta densidade de corrente elétrica. Isso ocorre porque as nanofitas possuem excelentes características cristalinas, com pouca concentração de imperfeições. Dessa forma, elas possibilitam uma condução de elétrons com muito baixo espalhamento, facilitando a obtenção de transistores de alto desempenho. Os pesquisadores já testaram com sucesso a nanofita cerâmica com 1 ampere de corrente elétrica. Isso equivale a uma densidade de aproximadamente 15 milhões de amperes por centímetro quadrado, corrente suficiente para fundir um fio de cobre com 0,025 milímetro de diâmetro, enquanto a nanofita, com 0,00008 milímetro, não se rompe.

Garantia da patente
Os resultados da nanofita foram mostrados em outubro de 2004, num congresso da Sociedade de Pesquisa de Materiais (MRS, na sigla em inglês), em Boston, nos Estados Unidos, e chamou a atenção de um representante de uma multinacional japonesa. “Mas nós estávamos preparando a patente para depósito no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e não demos ainda informações mais precisas que eles estão pedindo”, diz Orlandi. “Agora já podemos negociar porque temos um ano, segundo as normas mundiais, para depositar a patente em outros países”, diz o professor Elson Longo, coordenador do CMDMC, que deixou recentemente o corpo docente da UFSCar e agora está vinculado ao Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara. As duas universidades e mais o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) formam o Cepid Cerâmica.

Sensor da fumaça
Ao contrário das nanofitas que são uma aposta para o futuro, um outro composto cerâmico de alto conteúdo tecnológico poderá chegar ao mercado de forma mais rápida. É um sensor de gases tóxicos desenvolvido pelo Cepid Cerâmica. Ele tem a função principal de estar ligado a um catalisador automobilístico e informar seu desempenho. Esse catalisador é uma peça também produzida com cerâmica que fica acoplada ao escapamento dos veículos para transformar os gases produzidos pelo motor como o monóxido de carbono (CO) e óxido de nitrogênio (NOx), deixando-os na forma de nitrogênio (N2), totalmente inerte, e o dióxido de carbono (CO2), menos poluente que o CO. Os pesquisadores, coordenados pelos professores Edson Leite e Elson Longo, desenvolveram o sensor para que ele detecte os gases CO e NOx quando o catalisador apresentar falhas. Instalado ao lado do catalisador no cano do escapamento, o sensor detecta esses dois gases nocivos e envia um sinal eletrônico para o painel do veículo. Outras formas de uso é a produção de pequenos aparelhos que possam ser acoplados ao bocal de escapamento, tanto para testes da polícia rodoviária como para as oficinas. “No caso da Polícia Rodoviária, seria como um bafômetro para o carro”, diz Elson Longo. Veículos emitindo gases acima dos níveis aceitos pela legislação podem ser enquadrados em crime ambiental, com multas que vão de R$ 500,00 a R$ 10 mil.

O sensor é produzido a partir de óxido de estanho com partículas nanométricas que medem 8 nanômetros e são capazes de suportar as altas temperaturas de um motor, em torno de 400 e 500°C, sem modificar suas características físicas. “Desenvolvemos um método em que o estanho foi dopado com elementos chamados de terras-raras, como cério (Ce), Lantânio (La) e metal ítrio (Y) para dar estabilidade às nanopartículas”, diz Leite. O sensor funciona com a ação dos gases sobre a sua superfície, modificando suas características elétricas e emitindo sinal elétrico que pode ser convertido em sinal luminoso ou sonoro.

O sensor que passa por testes na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e ainda apresenta problemas de funcionalidade num ambiente extremamente sujo como é o escapamento de um automóvel tem chances de interessar quatro empresas que produzem catalisadores no Brasil. Na parte essencialmente acadêmica, o trabalho com o sensor gerou 15 artigos em revistas internacionais e três doutorados. O primeiro artigo publicado na revista Advanced Materials, em 2000, foi considerado um dos mais citados (entre o 1% mais citado) na área durante três anos. Desde 2000 foram 51 citações na área de novos materiais.

Outra vantagem do novo material é o processo de produção muito mais barato que outras formas utilizadas por pesquisadores de todo o mundo para produzir nanomateriais dopados. “Nós utilizamos um método químico controlado em vez de métodos físicos que utilizam feixes de laser, muito mais caros”, afirma Longo. No mundo já existem filmes de ITO produzidos em fornos e a inovação do grupo de São Carlos foi produzir esse material na forma de nanofitas. “Nós fizemos a síntese das nanofitas de ITO em 1.100°C, uma temperatura considerada baixa para o crescimento do material e para o controle da dopagem”, diz Orlandi. A dopagem, que é a introdução de átomos em uma molécula, é feita dentro de um forno em que os óxidos de estanho e de índio são colocados junto com carbono. Na queima, o carbono reage com os óxidos formando os gases de óxido de estanho e óxido de índio. Em seguida interagem com o oxigênio para formação do ITO na região fria do forno, com um controle preciso de temperatura e de pressão.

O uso de nanofitas ainda é um projeto industrial de médio prazo, para cerca de 20 anos. Em paralelo à diminuição do tamanho desses dispositivos, será preciso o desenvolvimento de técnicas de nanomanipulação, porque o controle sobre a posição de onde colocar as nanofitas ou nanofios condutores em um circuito eletrônico é uma tarefa muito árdua e industrialmente impensável atualmente. “Outro problema que limita o uso de nanofios, que são objeto de estudos avançados, em dispositivos eletrônicos é que a junção de circuitos não é tão eficiente quanto aquelas de fios de tamanhos macroscópicos. O calor produzido pelo alto valor de corrente elétrica faz romper os nanofios metálicos”, diz Orlandi. “Com o tempo, esses nanofios também passam por um processo de oxidação e não suportam as grandes densidades de carga elétrica”, diz Longo. Assim, eles apostam no estudo e no desenvolvimento das cerâmicas em escala nanométrica.

Os projetos
1.
Nanofitas condutoras; Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coordenador Elson Longo – Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC); Investimento R$ 1.200.000,00 anual para todo o CMDMC
2. Sensores de gases tóxicos; Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coordenador Elson Longo – Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC); Investimento R$ 1.200.000,00 anual para todo o CMDMC

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