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As máscaras da histeria

Distúrbio psíquico que ajudou a gênese da psicanálise é confundido no presente com epilepsia

EPILEPSIA/ELZA M. T. YACUBIANRevolução intelectual na Paris de 1795: o médico e psiquiatra Philippe Pinel ordena que fossem retiradas as correntes dos pacientes do hospital Salpêtrière, até então um depósito de loucosEPILEPSIA/ELZA M. T. YACUBIAN

Na manhã de 21 de novembro de 2001, uma quarta-feira, a neurologista Carmen Lisa Jorge analisou as imagens e o eletroencefalograma de duas crises supostamente epilépticas que Visconde Oliveira havia apresentado na madrugada anterior. “Definitivamente, ele não tem epilepsia”, concluiu. O homem de 47 anos estava havia dois dias em um quarto ao lado, diante de uma câmera que registrava sua imagem sincronizada ao eletroencefalograma. Os 29 eletrodos que permaneceram todo o tempo fixados em sua cabeça acompanhavam a atividade de seu cérebro, mas em momento algum registraram as descargas elétricas que caracterizam a epilepsia. A constatação livrou-o da cirurgia que os médicos do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo cogitavam fazer como forma de aplacar as convulsões que haviam começado 17 anos antes, duravam de meia a uma hora e só terminavam com um desmaio. Por sete vezes ele acordou amarrado a uma cama de unidades de tratamento intensivo, onde permanecia sedado por alguns dias.

Três dias mais tarde, Luiz Henrique Martins Castro, o médico responsável pela unidade do HC em que se realizam esses exames, comentou: “Seu Visconde, o que o senhor tem é outro tipo de crise, de origem emocional. Suas crises podem resultar de algum conflito, recente ou não, que nem sempre é consciente. O senhor precisa agora de tratamento psicológico”. Quando Castro disse que ele poderia parar de tomar os remédios contra epilepsia, Oliveira começou a chorar. Saiu de lá chorando, chegou em casa chorando e chorou convulsivamente por mais dois dias.

“Eu estava livre, finalmente”, contou Oliveira. Por causa das convulsões, havia perdido o emprego. A medicação – em doses crescentes, já que as crises não cediam – o fazia dormir quase o tempo todo e deixava-o com medo de sair de casa. Depois de começar o tratamento psicológico, nunca mais sentiu os fortes tremores que o jogavam ao chão e nos últimos tempos haviam se tornado diários. Em janeiro de 2002, a psicanalista Mara Cristina Souza de Lucia, diretora da divisão de psicologia do HC que acompanhou seu tratamento, concluiu que as crises de agitação, os desmaios e mesmo a paralisia do braço esquerdo eram sintomas inequívocos de histeria, um distúrbio de origem psíquica cujos mistérios seduziram o neurologista austríaco Sigmund Freud e o levaram à criação da psicanálise.

A histeria, que muitos acreditavam extinta, não morreu. Só estava escondida. No final do século 19, ainda era vista como uma expressão da fragilidade e das carências exclusivamente femininas. Por sinal, a palavra histeria vem do grego hystera, que significa útero, de onde viria o sangue contaminado que, chegando ao cérebro, levaria às convulsões. Nessa época as mulheres com histeria viviam nos mesmos asilos que os epilépticos e os doentes mentais. Tanto nos asilos quanto em público, diante de uma platéia de médicos que se encantavam com o espetáculo, mulheres geralmente jovens e bonitas jogavam-se ao chão, se retorciam e rasgavam as roupas até, exaustas, perderem os sentidos. Supostamente, o isolamento que lhes foi imposto como forma de tratamento deveria ter resolvido o problema.

Gradualmente, ao longo do século 20, a histeria deixou de atrair a atenção dos médicos. Em conseqüência das sucessivas reformulações dos manuais diagnósticos de saúde mental, perdeu-se como conceito. Mas não desapareceu. Apenas refugiou-se com outros nomes nos consultórios de psiquiatria, de neurologia e, em princípio, de qualquer outra especialidade médica. As convulsões, por exemplo, passaram a ser vistas como sinais de distúrbios psíquicos, como transtorno do pânico ou de ansiedade. Podem confundir-se também com uma epilepsia de difícil controle.

No entanto, a epilepsia normalmente se origina de alterações nos neurônios do cérebro – guarda, portanto, uma origem física definida. E, pelo que se sabe até o momento, a histeria não se enraíza em nenhuma causa orgânica. Segundo a psicanálise, é uma expressão corporal inconsciente de conflitos psíquicos e de um sofrimento emocional intenso, como se o próprio corpo fosse um vulcão que deixasse a lava escorrer continuamente, à espera de uma erupção que parece que nunca vai se concretizar. Freud chamou de conversão esse mecanismo por meio do qual conflitos reprimidos e não-expressos verbalmente encontram uma expressão corporal. A conversão não se manifesta apenas como convulsões. Pode se expressar também por meio de sintomas como crises de falta de ar, paralisias, cegueira, surdez, dores de cabeça, gravidez psicológica, dores musculares ou uma incapacidade de ingerir alimentos a que se dá o nome de bolo histérico. Tais sintomas tornam-se, eles próprios, os problemas a serem tratados, enquanto os conflitos que os originaram permanecem escondidos. A conversão é um mecanismo inconsciente de defesa que procura evitar o sofrimento.

Não é só no HC de São Paulo que estão sendo detectadas manifestações como essas, que os psicanalistas chamam de histeria, os neurologistas de distúrbio conversivo e os psiquiatras de transtorno dissociativo-conversivo. Em oito centros médicos especializados de Goiás, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul que contam com a videoeletroencefalografia (V-EEG), um exame usado para diferenciar o que é epilepsia e o que não é, são diagnosticados por ano cerca de cem casos das chamadas crises não-epilépticas psicogênicas, segundo estudo publicado em 2004 no Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology. Além da histeria, essas crises podem também aparecer em outros distúrbios psiquiátricos como os transtornos bipolar, de pânico ou de ansiedade ou ainda em distúrbios alimentares como anorexia e bulimia.

No HC paulista, porém, tem prevalecido a histeria, diagnosticada em 25 das 26 pessoas que terminaram o tratamento psicoterápico de um ano. A equipe de neurologia encaminhou 35 pessoas com crises psicogênicas à divisão de psicologia, mas algumas interromperam o tratamento e outras nem começaram. Predominam as mulheres, que respondem por 23 casos, com raros homens. Além de Oliveira, o primeiro a ser diagnosticado com histeria por esse grupo do HC, havia outro, também de 47 anos, que apresentava tanto as crises epilépticas quanto as de origem emocional.

São elas, as mulheres com histeria, que contam: os ataques em geral começam com um calor que sobe pelo corpo e rapidamente chega à cabeça. As convulsões fazem tremer o corpo todo e as levam ao chão. Logo depois não vêem mais nada, desmaiam e, ao acordarem, não se lembram de nada. A maioria tem as crises sempre perto do período menstrual, um dos momentos de maior oscilação dos níveis dos hormônios sexuais. Mas pode não ser uma simples relação de causa e efeito entre variação de hormônios e ataques histéricos. É também nesse momento, lembram os psicanalistas, que a natureza feminina se revela com mais clareza e dor.

Falta de ar
“Freud já dizia que a histeria está associada à sexualidade, não só das mulheres, como ele próprio demonstrou, mas também dos homens, que não estão livres dos conflitos inconscientes”, comenta Mara Lucia. Ainda hoje, pessoas diagnosticadas com histeria muitas vezes relatam episódios de abusos físicos ou sexuais – nem sempre reais, como Freud descobriu ao notar que fantasias dessa natureza também provocavam sintomas histéricos em suas pacientes. Foi o que aconteceu com uma mulher de 39 anos – chamemos de Dolores -, encaminhada para avaliação médica no HC com suspeita de asma. Tinha crises de falta de ar, fechamento das cordas vocais, tosse e chiado na laringe, mas os exames não registraram nenhum sinal de asma.

Ao longo do tratamento psicológico no HC, ela apresentou paralisia de uma perna, tosses intensas e a respiração entrecortada ao falar de momentos difíceis de sua vida para o psicanalista Niraldo de Oliveira Santos: ela acreditava que tinha sofrido abuso sexual do pai. Mais tarde, à medida que as sessões prosseguiam, ela própria concluiria que o abuso sexual que relatara não tinha sido real. “Para ela, ainda menina”, concluiu Santos, “o abraço forte que o pai lhe dava, quando chegava alcoolizado e discutia com a mãe, significava um risco e a aproximava do desejo sexual”. Surgia então o medo do desejo, censurado por meio do fechamento das cordas vocais. Ao fim do tratamento, Dolores recuperou a voz e hoje canta no coral da igreja que freqüenta.

Ainda que se esconda por trás de muitas máscaras, a histeria se revela principalmente nas clínicas de neurologia. Estima-se que uma em cada quatro pessoas previamente diagnosticadas com epilepsia em centros médicos especializados tenha na verdade crises não-epilépticas de origem emocional – e uma em cada três, os dois problemas. De acordo com o estudo do Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, pelo menos 60 mil pessoas devem apresentar crises não-epilépticas de origem emocional no Brasil, ainda que sejam tratadas geralmente como epilépticas.

Desatenção
“No mundo todo”, comenta Luciano De Paola, diretor do programa de epilepsia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e coordenador desse levantamento, “as crises não-epilépticas são muito mais comuns do que poderíamos imaginar, mas ainda ouvimos falar muito pouco delas no Brasil”. André Luís Fernandes Palmini, professor de neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, acredita que muitos equívocos seriam evitados com uma conversa um pouco mais longa e cuidadosa com o paciente e seus familiares. “Quando as consultas são muito rápidas, os médicos geralmente deixam de diagnosticar as crises não-epilépticas”, diz ele. “Não podem achar que uma pessoa tem epilepsia só porque tem convulsões”.

A falsa epilepsia pode escapar de uma anamnese – entrevista – apressada com o médico, mas dificilmente não é detectada pela videoeletroencefalografia. Esse exame, que registra a atividade elétrica do cérebro simultaneamente às imagens da pessoa, começou a ser usado há poucos anos e está dando as reais dimensões desse problema, delineado também por meio de outras formas de diagnóstico, em especial a ressonância magnética.

Na videoeletroencefalografia, os pacientes, com eletrodos fixados na cabeça e sem medicamentos, ficam de um a sete dias em um quarto, em frente de uma câmera que filma seus movimentos. Consegue-se descobrir se as convulsões são de origem neurológica ou emocional acompanhando-se, primeiramente, o eletroencefalograma, que registra picos da atividade elétrica dos neurônios quando se trata de crise epiléptica e se mantém normal nas outras situações.

Outro sinal importante é a duração da crise: convulsões epilépticas duram em média um minuto, enquanto as psicogênicas chegam a uma hora. Também se avalia o conjunto de movimentos: nas crises de origem emocional, a cabeça se move intensamente de um lado a outro, os braços tremem assimetricamente, a cintura pélvica se põe à frente – é a chamada impulsão pélvica – e o corpo se curva, formando o que se denomina arco histérico. Mas não se recomenda confiar nas primeiras impressões: a impulsão pélvica, por exemplo, também pode ocorrer em um tipo de epilepsia que se origina na região frontal do cérebro, segundo Elza Márcia Targas Yacubian, professora de neurologia e chefe do ambulatório de epilepsia do Hospital São Paulo, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Entre as 120 pessoas que passaram pela videoeletroencefalografia nos últimos dois anos na Unifesp, pelo menos 20 apresentavam crises não-epilépticas psicogênicas e ao menos seis de histeria. No hospital da Universidade Federal do Paraná e no Hospital XV, ambos em Curitiba, os neurologistas registraram outros 45 casos de crises não-epilépticas, embora sem estatísticas mais detalhadas.
A experiência acumulada e o trabalho conjunto dos profissionais da saúde estão revelando o perfil de quem carrega essas formas de sofrimento que faz perder o controle dos movimentos. “As pessoas com crises psicogênicas têm dificuldade para verbalizar as angústias que sentem”, comenta Gerardo de Araújo Filho, psiquiatra da Unifesp. “Suas relações pessoais são marcadas por chantagens e pela teatralidade”. Enquanto as pessoas com epilepsia têm convulsões em qualquer lugar e a qualquer hora, até mesmo dormindo, homens e mulheres com histeria parecem intuir as circunstâncias mais adequadas, como se precisassem de platéia ou de atenção.

Para o psicanalista Christopher Bollas, autor do livro Hysteria, “uma imagem indelével do sofrimento do histérico” são as moças desmoronando nos braços do neurologista francês Jean-Martin Charcot, um dos pioneiros da pesquisa desse distúrbio, ao qual atribuía uma origem hereditária. Freud, discípulo de Charcot no Hospital Salpêtrière, em Paris, não se contentou com essa explicação e estudou febrilmente até concluir que as convulsões resultavam de processos inconscientes que desapareciam quando os conflitos se tornavam conscientes. Criando um novo método de tratamento, baseado na evocação de idéias que propiciava a emergência desses conflitos, Freud aliviou os sintomas de histeria de uma mulher de 21 anos, Bertha Pappenheim, que ele chamou de Anna O. em seus relatos, fazendo-a reviver experiências desagradáveis, por meio da hipnose. Na época, a histeria era considerada um espetáculo essencialmente feminino. “É como se o sofá tivesse sido inventado para segurar o cadente corpo do histérico”, escreveu Bollas.

Ao comparecerem diante do médico, mulheres e homens com histeria apresentam nas marcas do próprio corpo um enigma a ser revelado e que dá sentido à sua própria existência. Em abril de 2000, Milberto Scaff, professor de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ligada ao HC, sentiu-se desafiado ao tratar uma jovem de 16 anos da classe alta paulistana cujas crises duravam até uma hora. Sem detectar sinal de epilepsia nos exames, ele a encaminhou à divisão de psicologia. Antes de receber o diagnóstico de histeria, ela exibiu-se com o rosto malhado de mertiolate vermelho, embora tivesse feito só um pequeno corte, em mais uma de suas convulsões. “Podemos compreender as constantes visitas dos histéricos aos hospitais”, escreveu Bollas, “como um contínuo apelo para que a mãe volte a cuidar deles e para que ela redescubra o corpo do bebê como algo agora desejável”.

Segundo a psicanálise, as origens da histeria não remetem apenas à mãe, mas também ao pai: ambos podem criar as condições para que se desenvolva na filha ou no filho uma identidade que não é a deles própria. “A histérica é filha de uma outra histérica que não conseguiu valorizar sua própria feminilidade e, em conseqüência disso, teria transmitido uma visão de menos valia com relação ao corpo”, assinalam Silvia Alonso e Mário Fuks, professores do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, no livro Histeria. Fermenta-se também a histeria quando o pai se omite de suas funções e não impõe os limites que ajudam a definir a identidade e os papéis sociais e sexuais dos filhos – deixa assim de realizar o que os psicanalistas chamam de castração simbólica. Pode agir desse modo por se assustar “com a possibilidade de que o reconhecimento da sexualidade de sua filha o conduza ao incesto”.

Freud mostrou que a origem da histeria encontra-se na repressão sexual. E hoje? “Continua sendo, como sempre foi, mesmo antes de Freud”, diz o psicanalista Rubens Marcelo Volich, professor do Instituto Sedes Sapientiae. “As formas de repressão sexual apenas se transformaram”. Segundo Freud, a sexualidade é mais ampla que a atividade sexual em si: transcende a função biológica de preservação da espécie e compreende todo o circuito de prazer e de desprazer que envolve o desejo e a experiência humana. Atualmente, conforme Volich, “apesar da liberalização sexual e da banalização do sexo e do erotismo, a sexualidade permanece sendo uma experiência potencialmente perturbadora”. É justamente essa característica, segundo ele, que a torna uma fonte de conflitos e, portanto, passível de ser reprimida. Uma das conseqüências possíveis é a histeria.

De acordo com a psicanálise, a organização histérica, entendida como um modo de funcionamento psíquico, caracteriza-se por uma busca permanente, incansável e inconsciente de uma pessoa em ser o objeto do desejo de outra. Por isso é que uma mulher ou um homem com histeria encontram-se freqüentemente envolvidos em triângulos amorosos, cuja configuração nem sempre é a mais óbvia. Segundo Volich, muitas vezes a mulher não deseja o homem de uma rival, mas sim o lugar que ele ocupa no desejo da mulher dele, apropriando-se assim do papel que ele tem para a rival: inconscientemente ela quer, portanto, que a rival a deseje. É por causa dessa relação que estabelece com o desejo do outro que os tremores e os desmaios das histéricas nos braços de Charcot podem ser compreendidos como expressões de uma entrega incondicional ou um supremo gesto de amor, ainda que à custa da renúncia da própria identidade ou de danos à saúde. “O que na histérica se apresenta como identidade é, na verdade, uma montagem ou uma caricatura do que ela imagina que o outro espera”, diz Volich. Uma pessoa com histeria vive sem um lugar próprio, atrelada ao suposto desejo de outra pessoa. A vida é um vazio insuportável.

Silvia Alonso e Mário Fuks descrevem os mecanismos pelos quais se gera e se alimenta a histeria hoje. Nos homens, eles podem ser percebidos, por exemplo, por meio da preocupação excessiva em cultivar um corpo bem torneado e pela busca frenética por superar desempenhos. Ainda segundo essas vertentes da psicanálise atual, nas mulheres esses mecanismos se evidenciam por meio da ânsia em apresentar-se sempre impecavelmente belas, de acordo com as tendências mais recentes da moda. “A tentativa de corresponder a qualquer preço a um ideal de beleza”, diz Volich, “pode ser uma forma de moldar a identidade e de tentar preencher um vazio existencial”. A histeria masculina se manifesta também nas compulsões para o jogo, nas crises de cólera ou nas brigas e na violência contra a mulher. “Enquanto as histéricas são encontradas nos consultórios”, lembram os autores do Histeria, “os homens histéricos são freqüentemente achados nas delegacias”.

Manhã nublada
A histeria, que agora sai das sombras e volta a ser abertamente reconhecida, cria uma situação desconfortável para médicos, principalmente neurologistas e psiquiatras, que por tanto tempo e por diversas razões deixaram de enxergar a origem emocional das crises, acreditando que a histeria havia morrido. Há desconforto também para os pacientes, que convivem com a angústia, o descrédito social e a auto-estima debilitada à medida que peregrinam por serviços de saúde, passam por tratamentos desnecessários e tomam remédios que não funcionam. O psiquiatra e psicanalista Fábio Hermann, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP e membro da equipe do HC, vê nessa nova situação, porém, “uma oportunidade para desenvolver investigações em alta teoria, numa área estagnada por repetição teórica”.

Duas coisas parecem certas. A primeira é que só uma equipe multiprofissional, com neurologistas, psicólogos e psiquiatras, conseguirá encontrar as melhores formas de lidar com essas expressões do inconsciente. A outra é que a histeria ainda instiga, como se as pessoas com esse desequilíbrio emocional desafiassem os especialistas com um enigma cuja solução lhes libertaria a voz ou completaria um gesto. A paralisia do braço de Visconde Oliveira talvez espelhe as dores de um gesto contido: o de salvar um amigo que resolveu nadar no Riacho Grande, na Grande São Paulo, em uma manhã nublada de uma quinta-feira de 1980, e morreu afogado.

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