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Saúde Pública

Padrões éticos sob suspeita

Conselho Nacional de Saúde suspende pesquisa sobre malária no Amapá

EDUARDO CESARProjeto analisava os vários tipos de mosquitos transmissores de maláriaEDUARDO CESAR

A pesquisa Heterogeneidade de vetores de malária no Amapá foi interrompida por decisão do Conselho Nacional de Saúde (CNS) depois que uma série de denúncias lançou suspeita sobre os procedimentos éticos do projeto. Conselheiros e representantes do CNS decidiram verificar in loco a acusação da promotoria do município de Santana de que pesquisadores estariam utilizando como cobaias humanas cerca de 40 moradores do município de São Raimundo do Pirativa em troca de um pagamento diário de R$ 12. A utilização de “iscas humanas” em pesquisa e o pagamento pelo serviço ferem a Resolução 196/96 do CNS que estabelece normas para investigações que envolvem seres humanos.

As suspeitas surpreenderam: a pesquisa é coordenada pela ONG norte-americana Institutional Review Board, financiada pela Universidade da Flórida/Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, e envolve pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP); do Instituto Aggeu Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e Institutos de Estudos e Pesquisas do Amapá. Além disso, o projeto havia sido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Fiocruz e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do CNS. “Quando a pesquisa foi aprovada em 2001, não mencionava o pagamento a colaboradores nem a sua utilização como isca humana”, diz Gisele Saddi Tanus, que representa o segmento de usuários no conselho.

O projeto, que tem como objetivo analisar os vários tipos de transmissores de malária na região, deveria estar concluído em março de 2006, diz José Maria Soares Barata, da Faculdade de Saúde Pública da USP, consultor do projeto. Os resultados vão subsidiar medidas de prevenção.

O protocolo da pesquisa prevê que os mosquitos sejam capturados vivos, marcados e depois liberados para que se possa avaliar o seu tempo de vida. “Temos coletores em três comunidades. Além de São Raimundo, também em São João e Santo Antônio”, conta Mércia Arruda, pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães. Esses coletores – todos adultos, alfabetizados e com mais de 18 anos – foram treinados  para capturar o mosquito com o auxílio de um tubo de vidro. “Eles sabiam que o mosquito tinha que ser capturado antes de picar. Não aceitamos insetos com sangue.” Todos assinaram termos de consentimento e, ela garante, sabiam do risco de exposição. Recebiam, na verdade, R$ 20,00 à guisa de auxílio alimentação e transporte.

A Resolução 196 reconhece que toda pesquisa com humanos envolve riscos. Não obstante  é admitida quando permitir entender, prevenir ou aliviar problema que afete o bem-estar dos sujeitos ou da comunidade e quando os benefícios forem maiores que os prejuízos. “Em três anos, apenas cinco de nossos voluntários pegaram malária, ou seja, 8% do total de casos registrados na região”, diz Alan Kardec Galardo, responsável pela pesquisa no Amapá.

As denúncias, no entanto, dão conta de que, em 2003, 20 coletores foram convidados a alimentar com seu próprio sangue cerca de cem mosquitos para a marcação e a recaptura, o que não estava previsto no projeto. Robert Zimmerman, da Universidade da Flórida, um dos coordenadores do projeto, contou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que os coletores foram expostos às picadas de mosquitos por um breve período de tempo, com a intenção de avaliar a sobrevida dos insetos. “Percebemos que essa não era uma boa ideia”, afirmou. Consta que nenhum dos 20 voluntários submetidos à picada teria contraído a malária. Zimmerman afirmou que não vê problemas em utilizar iscas humanas, que está surpreso e que as queixas são infundadas. “Trabalho com malária desde 1986”, argumentou. Os pesquisadores brasileiros sentiram-se logrados. “O protocolo da pesquisa não previa isso.” Cabe agora ao CNS e à Comissão de Direitos Humanos do Senado apurar a verdade dos fatos.

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