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Geologia

Olhar Penetrante

Novo método de sensoriamento com imagens de satélite facilita a identificação de jazidas minerais

A exploração de minérios preciosos sempre foi uma atividade que dependeu muito do esforço físico de antigos exploradores e, mais recentemente, de geólogos munidos de martelo para recolher amostras de rochas. Uma situação que começa a mudar e a incorporar o que há de mais avançado em tecnologia. O uso de satélites e as técnicas de processamento digital de imagens são algumas dessas novas ferramentas, como mostra o trabalho desenvolvido no Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Por meio de imagens de dois satélites, o Landsat e o Terra, ambos lançados pela agência espacial norte-americana (Nasa), a equipe coordenada pelo professor Álvaro Penteado Crósta desenvolveu um método de sensoriamento remoto aplicado à exploração mineral que identifica locais favoráveis à ocorrência de minérios importantes comercialmente, como ouro, prata e cobre.

“A vantagem do novo método é delimitar preliminarmente as áreas favoráveis às ocorrências minerais, sem a necessidade de um conhecimento detalhado da geologia da região, que na maioria das vezes não existe, a um custo muito menor e em prazos bem mais reduzidos”, diz Crósta. É uma forma de não precisar percorrer grandes áreas observando e coletando manualmente amostras de rochas, uma tarefa dispendiosa e demorada.

O novo método utiliza imagens de satélites obtidas nos espectros visível, como uma fotografia, e infravermelho, invisível ao olho humano. Ele foi testado em uma parceria com a empresa canadense de mineração Iamgold, que pretendia expandir suas atividades na região da Patagônia, na Argentina, onde não existiam muitas informações geológicas disponíveis. Um dos dirigentes da empresa é brasileiro e, em 1998, procurou Crósta, que já havia desenvolvido uma técnica de processamento digital de imagens de satélite para exploração mineral durante o seu doutorado no final da década de 1980, baseada na tecnologia de sensoriamento remoto existente naquela época. “A utilização de técnicas de sensoriamento para identificar previamente áreas com minerais metálicos representa grande economia para as empresas que sabem, antecipadamente, as áreas exatas aonde devem enviar geólogos para desenvolver trabalhos mais detalhados, coletar amostras para análises químicas do teor de metais e, se os indícios se confirmarem, realizar perfurações para localizar as reservas”, diz Crósta.

A parceria com a empresa canadense serviu para aperfeiçoar o método de processamento desenvolvido anteriormente, utilizando imagens do sensor Thematic Mapper (TM) do satélite Landsat-5. O projeto foi realizado na Província de Rio Negro, no norte da Patagônia, região favorável ao uso de imagens de satélite para geologia porque o clima é árido e a vegetação pouco densa. Os pesquisadores localizaram inicialmente diversas áreas propícias à ocorrência de ouro e de prata, a partir das imagens do Landsat. Em cerca de 50 áreas identificadas, 42 revelaram presença de ouro. “É um índice de acerto excelente, de 84%”, comemora Crósta, também diretor do IG da Unicamp. De todos os locais apontados, as análises e as perfurações realizadas pela empresa durante dois anos mostraram a presença de ouro e prata nas proximidades da localidade de Los Menucos. Mas o resultado final indicou que os teores de ouro não eram suficientes para a exploração comercial.

Pouco tempo após a conclusão desse trabalho regional com o Landsat TM, foi lançado um novo sensor multiespectral a bordo do satélite Terra, denominado Aster, sigla de Advanced Spaceborne Thermal Emission & Reflection Radiometer, desenvolvido pela Nasa e pela Agência Espacial do Japão. Esse é um dos cinco sensores para captar imagens que estão instalados no Terra, lançado em dezembro de 1999 como parte do programa Sistema de Observação da Terra, EOS na sigla em inglês, da Nasa, que inclui também o satélite Aqua. O objetivo do programa é a análise de vários parâmetros ambientais e climáticos do planeta.

O sensor Aster capta a energia solar refletida e a energia termal, esta relacionada à temperatura emitida pela superfície da Terra, por meio de 14 bandas espectrais, representadas por faixas de ondas eletromagnéticas desde a região do visível até vários comprimentos de onda no infravermelho. O Landsat utiliza a mesma técnica, mas as informações captadas são restritas porque ele trabalha com apenas sete bandas. As informações do Aster baseiam-se em faixas de radiação eletromagnética mais estreitas e servem, entre várias outras aplicações, para identificar em detalhes as características de diferentes minerais.

Conhecendo as características da área de Los Menucos, por meio do trabalho realizado anteriormente e cientes de seu potencial para o desenvolvimento e teste de técnicas de processamento adequadas às novas imagens do Aster, os pesquisadores da Unicamp elaboraram um projeto para a aplicação das técnicas disponíveis proporcionadas pelo novo sensor.

A equipe, composta por Crósta, pelo professor Carlos Roberto de Souza Filho e pelo doutorando Diego Fernando Ducart, obteve também o suporte da empresa Iamgold para o desenvolvimento do projeto. “Eles nos deram apoio logístico para o desenvolvimento dos trabalhos de campo, necessários para validar os resultados obtidos com o emprego das novas técnicas desenvolvidas para as imagens do Aster”. Os pesquisadores brasileiros também tiveram a colaboração da Universidade Nacional de Rio Cuarto, na Argentina, por meio do professor Jorge Coniglio, um ex-aluno de pós-graduação do IG-Unicamp. A nova técnica identifica nas imagens a assinatura espectral dos minerais, que é a forma como os materiais da superfície da Terra interagem com a radiação eletromagnética. Cada tipo de rocha interage com a radiação do Sol, refletindo ou absorvendo determinados comprimentos de onda, transformando-se numa espécie de impressão digital desse material.

Esses minerais são formados pela ação das águas com temperaturas extremamente elevadas ou de vapor, cuja circulação é relacionada a processos vulcânicos. “As águas termais, junto com vapor, ao mesmo tempo que removem e transportam os metais de rochas que estão em profundidade e os depositam de forma concentrada mais próximos à superfície, também modificam as rochas existentes e criam os minerais de alteração hidrotermal. Desse modo, a presença desses minerais em superfície pode ser usada como um indicador da ocorrência de mineralizações metálicas abaixo da superfície”, explica Crósta.

“Com o Aster foi possível avançar mais no detalhamento da composição mineralógica da alteração hidrotermal, um fenômeno que nessa região decorre de atividade vulcânica antiga”, diz Crósta. A alteração hidrotermal é a denominação dos minerais que estão associados à ocorrência de metais.

Imagem tridimensional
Uma vez identificados os vários minerais de alteração hidrotermal, por meio da aplicação de técnicas de processamento de imagens que extraem seletivamente apenas a informação de interesse dentre a enorme quantidade de outras informações contidas nas imagens Aster, eles são transpostos para mapas que mostram as zonas de alteração hidrotermal sobrepostas a imagens de relevo topográfico também captadas pelo mesmo sensor. A composição cartográfica resulta numa projeção com características tridimensionais da região.

As imagens finais não mostram de forma direta o ouro, cobre ou qualquer outro metal, mas exibem a presença de minerais de alteração como caulinita, ilita, alunita e sílica. Eles são indicadores indiretos da eventual presença de metais preciosos. “Extraímos da imagem a assinatura espectral relacionada à composição química e à estrutura dos minerais que estão na superfície do terreno”, diz Crósta. Muitos materiais da superfície da Terra, incluindo os minerais, possuem assinaturas espectrais distintas, que são captadas pelos sensores multiespectrais e utilizadas para analisá-los.

“No caso de Los Menucos, nós identificamos, com a nova técnica de processamento das imagens, os locais onde ocorriam os diversos minerais de alteração hidrotermal relacionados às ocorrências de ouro e depois fomos verificar os resultados no campo”, conta Crósta. O segundo estudo para a confirmação do método de mapeamento de alteração com imagens Aster aconteceu na cordilheira dos Andes, na região de Quellaveco ao sul do Peru e norte do Chile, em uma mina de cobre já conhecida e em fase inicial de exploração. As cores encontradas no mapa, como a vermelha, indicam a presença dos minerais de alteração chamados de quartzo (sílica) e ilita de alta cristalinidade. Eles funcionam como um sinal que identifica na área pesquisa da a presença de cobre. “Nessa representação utilizada, quanto mais vermelha a área da imagem, maior a probabilidade de encontrar o cobre”, explica Crósta.

Temperatura preciosa
Nessas pesquisas com imagens multiespectrais, é de fundamental importância o uso da técnica analítica de espectroscopia de reflectância. Para isso, foi utilizado o Laboratório de Espectroscopia de Reflectância do próprio Instituto de Geociências (veja Pesquisa Fapesp nº 86). Nele é feita a caracterização espectral das amostras das rochas para a identificação do mineral e a comparação com os resultados obtidos a partir das imagens multiespectrais. Esses estudos incluem também a análise da cristalinidade do mineral, fator que pode dar indicações das temperaturas em que os minerais de alteração se formaram, informação importante na identificação de jazidas de metais preciosos.

O projeto também resultou em um mestrado, um doutorado e publicações em revistas científicas internacionais da área. As próximas ações de pesquisa do grupo já estão traçadas. Eles deixam a Patagônia e a cordilheira dos Andes, locais propícios ao uso do sensoriamento remoto para exploração mineral porque possuem boas condições de exposição superficial de rochas e vegetação pouco densa – ao contrário da Amazônia, onde a cobertura vegetal dificulta a identificação de reservas minerais por esse método – e partem para o Nordeste brasileiro, mais precisamente na serra da Borborema, entre Rio Grande do Norte e Paraíba. Lá existe grande concentração de pegmatitos, rochas que produzem gemas para pedrarias e joalheria, como água marinha, turmalina e várias outras, além de vários tipos de minerais industriais. “No caso dos pegmatitos, as ocorrências também têm relação com a circulação de águas termais e, portanto, com a presença de minerais de alteração hidrotermal nas rochas, o que permite estudá-las utilizando as imagens multiespectrais do Aster.”

O Projeto
Avaliação das imagens multiespectrais do sensor Advanced Spaceborne Thermal Emission and Radiometer (nº 02/07978-1); Modalidade
Linha Regular de Auxílio à Pesquisa; Coordenador Álvaro Penteado Crósta – Unicamp; Investimento R$ 66.925,75 e US$ 21.450,00 (FAPESP)

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