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Novos materiais

Disco rígido flexível

Cerâmicas à base de manganês podem se tornar condutoras de eletricidade e melhorar o funcionamento dos computadores

EDUARDO CESARCabeça de leitura de discos rígidos atuais: manganitas serão mais rápidasEDUARDO CESAR

Cresce dia a dia a capacidade de armazenamento de informações nos discos rígidos, que constituem um dos tipos de memória do computador. É o resultado do desenvolvimento de novos materiais, usados nos dispositivos chamados cabeças de leitura, que trazem da memória os textos e imagens. As cabeças de leitura dos discos rígidos fundamentam-se em um princípio físico que poderá soar com pouca simpatia para quem entende muito pouco das entranhas dos computadores: é a chamada magnetorresistência — a variação da resistência elétrica de um material submetido a um campo magnético.

Esse processo de recuperação de informações é usado também em sensores magnéticos que controlam freios e embreagens de automóveis, em detetores de minas terrestres e em aparelhos de marca-passos. Mas, para que possam caber ainda mais informações no mesmo espaço, com base nesse mesmo princípio, um grupo de físicos da Universidade de São Paulo tem chegado a resultados que alimentam a perspectiva de uma família de cerâmicas conhecidas como manganitas substituir outros dispositivos fundamentais do computador, que diminuem a resistência à passagem da eletricidade e assim ampliam a precisão e velocidade de leitura de dados: são as multicamadas magnéticas, adotadas nos computadores a partir das descobertas por um físico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mario Norberto Baibich.

Baibich identificou em 1988 o potencial de multicamadas magnéticas ao utilizar 40 minúsculas placas empilhadas de ferro, um material magnético, e de cromo, não-magnético. Ele percebeu então que o material escolhido e a distribuição em paralelo e alternada das camadas, submetidas a um campo magnético, reduziam em até 100% a resistência às correntes elétricas — a redução conseguida até então não chegava a 5%. Esse efeito, considerado fantástico para a época, ficou conhecido como magnetorresistência gigante e fez escola. “A magnetorresistência gigante possibilitou a construção de sensores magnéticos de tamanhos bastante reduzidos, com maior capacidade de leitura e sensibilidade”, afirma Baibich, cujo artigo comunicando esses resultados, publicado em novembro de 1988, ainda é um dos mais citados da Physical Review Letters. “Foi a partir de então que a indústria de informática começou a produzir os discos rígidos que atualmente encontramos em nossos computadores.”

As manganitas podem ir além do que Baibich descobriu. “Há situações em que a variação da resistência elétrica das manganitas à aplicação de um campo magnético é muito maior que as observadas em multicamadas magnéticas, o que permitiria acelerar o processo de leitura e transmissão de informações no mesmo espaço físico”, comenta Renato de Figueiredo Jardim, professor do Instituto de Física. “Teríamos uma leitura mais rápida, com maior sensibilidade e precisão.” Os estudos coordenados por Jardim, que correm em paralelo aos desenvolvidos pelas equipes das universidades de Tóquio, no Japão, e da Califórnia, nos Estados Unidos, revelaram novas propriedades desse material que contribuem para a explicação de como uma cerâmica normalmente isolante se transforma a ponto de conduzir eletricidade tão bem quanto algumas ligas metálicas. Já mostraram, por exemplo, que é de forma contínua e gradual, sem sofrer alterações bruscas, que as manganitas adquirem suas propriedades mais notáveis, deixando de ser um material isolante para se tornar condutor de eletricidade e transformando-se de um material não-magnético para começar a se comportar como um ímã. Conhecer a natureza dessas transformações, que os físicos chamam de transições de fase, é essencial para utilizar esse material.

Formadas majoritariamente por manganês, ao qual se acrescenta o oxigênio, um elemento químico da família dos lantanídeos, em especial o lantânio, e outro do grupo dos alcalinos terrosos, como cálcio ou bário, as manganitas não são boas condutoras de eletricidade a temperatura ambiente. Para que se tornem condutoras, é preciso substituir parcialmente o lantânio por cálcio e submeter o material a temperaturas bastante baixas, da ordem de 120 graus Celsius negativos. “Nessa temperatura”, observa Jardim, “as manganitas perdem suas propriedades de material isolante e se transformam em compostos com características metálicas, bons condutores elétricos”. Submetidas a essa temperatura, elas se tornam também um material ferromagnético, dotado de propriedades magnéticas similares às de um ímã.

Em um material que se comporta como ímã, os elétrons se alinham, girando em torno do próprio eixo sempre na mesma direção e sentido — uma propriedade magnética das partículas atômicas conhecida como spin. Nessas condições, a aplicação de um campo magnético cria uma enorme variação da resistência elétrica, que constitui um tipo de magnetorresistência — não a gigante, como a descoberta por Baibich, mas ainda maior, chamada de colossal, identificada nas manganitas em 1993 por físicos alemães. “Com o alinhamento de spins, surge um caminho preferencial, pelo qual a corrente elétrica pode transitar sem muitos obstáculos”, diz Fábio Coral Fonseca, físico do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) que também faz parte da pesquisa. Como resultado, dependendo do campo magnético aplicado e da temperatura, a resistência à passagem da corrente elétrica pode cair até 10.000%.

Jardim e seu aluno de doutorado José Antonio Souza, com físicos da Universidade de Montana, Estados Unidos, demonstraram em um artigo publicado em maio de 2005 na Physical Review Letters que essa transformação, chamada de transição de fase de segunda ordem, ocorre de forma contínua e gradual, sem que a cerâmica passe por alterações bruscas. “A transição de fase contínua era aceita apenas para algumas famílias de manganitas, mas a verificamos em muitas delas, independentemente dos elementos que a compõem”, comenta Jardim. Em conseqüência, algumas propriedades dessa cerâmica, como a transição de fase de isolante para metal e de um material não-magnético para magnético, devem ser revistas.

Em outro estudo, publicado na Physical Review B, Jardim e Souza demonstraram outro detalhe importante: o efeito de magnetorresistência pode ser muito amplificado quando o lantânio é substituído parcialmente pelo ítrio, aumentando o potencial de uso tecnológico das manganitas. Essa substituição de um elemento químico por outro resulta, na verdade, em um material novo, com propriedades distintas. Seria um híbrido, constituído por pequenas ilhas de material magnético, embebidas em uma matriz de material isolante, e dotado de características metálicas.

Outra descoberta diz respeito aos estímulos que podem ser usados para que as manganitas passem por essas transformações — de isolante para condutor e de não-metálico para metálico. Em um artigo de janeiro deste ano também na Physical Review B, Jardim, Fonseca e o doutorando Alessandro de Souza Carneiro observaram que grandes variações na resistência elétrica das manganitas podem ser obtidas não apenas na presença de um campo magnético mas também com a aplicação de corrente elétrica através do material.

Quando as manganitas estão em seu estágio inicial isolante, a corrente elétrica encontra dificuldades para percorrer o material, mas procura caminhos alternativos, que ofereçam menos resistência. Mas, nessas condições, pode também se dar uma transição do estágio condutor para isolante.

Caso as aplicações se concretizem, as manganitas representarão um terceiro estágio na história recente dos sensores e leitores magnéticos. O primeiro foi o chamado sistema indutivo e o segundo, o sistema magnetorresistivo, com base nas multicamadas magnéticas.

As multicamadas substituíram o sistema anterior, o indutivo, constituído por uma bobina feita de fio fino de cobre, que detecta o campo magnético gravado gerando uma corrente. A leitura dessa corrente é que permite, por sua vez, a leitura dos campos magnéticos gravados. Como essa bobina é muito pouco sensível, o campo magnético que a aciona deve ser muito intenso. “Para cumprir essa exigência”, diz Baibich, “o conjunto sensor, composto de bobina de gravação e bobina de detecção, também precisa ser muito grande e não pode ser alojado em espaços tão apertados como o interior de um disco rígido”.

Apesar das limitações, o sistema indutivo ainda é usado em cartões magnéticos como os de banco e em fitas magnéticas para gravadores. “Depois da revolução que as multicamadas magnéticas promoveram na informática”, comenta Jardim, “se conseguirmos utilizar o potencial das manganitas e da magnetorresistência gigante poderemos construir uma nova geração de dispositivos para computadores”.

O Projeto
Estudo de fenômenos Intergranulares em óxidos cerâmicos (nº 99/10798-0); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Reginaldo Muccillo — Ipen; Investimento R$ 696.105,59 (FAPESP)

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