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Química

Portões lógicos

Pesquisadores desenvolvem dispositivo para futuros computadores moleculares

IQ / USPAtás da lente, o dispositivo instalado entre duas lâminas de vidro recebe um feixe de luz e produz um impulso elétricoIQ / USP

O sonho de computadores e outros equipamentos eletrônicos dotados de circuitos compostos por moléculas ganhou uma nova contribuição. Pesquisadores do Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) anunciaram em julho o desenvolvimento de células fotoeletroquímicas capazes de funcionar como portas lógicas, dispositivos responsáveis pelos bits que carregam a informação digital por meio do código básico binário empregado em computação identificado pelos sinais 1 e 0, equivalentes a “sim” e “não”. A novidade do  sistema é que essas células são construídas com moléculas capazes de responder a estímulos externos – como impulsos elétricos ou ópticos – gerando respostas eletrônicas. “O que fizemos agora é apenas um protótipo que, no futuro, poderá ser usado num computador molecular. É um avanço, mas não sabemos ainda como seria a “cara” desse computador”, diz o químico Henrique Eisi Toma, professor do IQ da USP.

As portas lógicas (PLs) são componentes fundamentais da eletrônica digital atual baseada na tecnologia do silício. A combinação de dois sinais de entrada (podem ser 1 ou 0) resulta em respostas que caracterizam os três tipos básicos de portas lógicas: NOT, AND e OR, sendo as demais (XOR, XNOR, INH, NOR etc.) obtidas pela combinação das três. Todos os processadores e equipamentos digitais existentes no mercado são operados por sistemas constituídos por combinações daquelas três PLs básicas de acordo com regras bem definidas, recebendo ou gerando sinais compatíveis com a linguagem binária.

“As respostas de cada PL são usadas como entradas de outras PLs e, quando combinadas, geram circuitos lógicos capazes de realizar operações simples. Elas são interconectadas para produzir dispositivos mais complexos e estão presentes em aparelhos como computadores e aparelhos celulares, entre outros”, explica o professor Koiti Araki, que também participou do desenvolvimento.

As PLs utilizadas atualmente operam com o mesmo princípio do primeiro transistor desenvolvido na década de 1940. Com o contínuo avanço tecnológico e a incessante miniaturização de componentes eletrônicos – que hoje alcançam escala de 50 nanômetros (1 nanômetro equivale à milionésima parte do milímetro), essa tecnologia parece estar chegando ao seu limite, sendo necessário o desenvolvimento de novos dispositivos.

“Uma possibilidade é a eletrônica molecular, e um exemplo da viabilidade desse tipo de tecnologia é o cérebro humano. Ele é um supercomputador úmido baseado em moléculas e sinais moleculares e que utiliza uma linguagem distinta da linguagem binária dos supercomputadores construídos pelo homem”, destaca Toma. Assim, a computação molecular se inspira no complexo funcionamento do cérebro para o desenvolvimento de seus componentes.

Filme colorido
O dispositivo molecular criado pela equipe do Instituto de Química possui cerca de 1 centímetro quadrado, no formato de um “sanduíche” entre duas lâminas de vidro condutor. Uma delas possui um filme nanoestruturado de dióxido de titânio (TiO2) sensibilizado por um corante molecular, constituído por três íons (perda ou ganho de elétrons) de rutênio e moléculas contendo carbono, oxigênio e nitrogênio. A outra lâmina condutora tem em sua superfície um filme de nanopartículas de platina colocado sobre um filme de dióxido de estanho (SnO2). Quando um feixe de luz incide sobre o “sanduíche”, é produzido um impulso elétrico. Uma particularidade importante é que, dependendo do comprimento de onda da luz, o composto de rutênio ganha ou perde elétrons. É essa a característica fundamental que transforma a cela fotoeletroquímica em uma porta lógica do tipo XOR (ou exclusiva) ou INH (inibidora) que geram os bits de informação ao longo de um circuito eletrônico.

Dado o ineditismo da invenção, o grupo entrou com pedido de patente para o dispositivo. “Em princípio, nossa PL poderia ser miniaturizada até a escala nanométrica, porque seu funcionamento depende apenas da formação da junção entre o corante e as nanopartículas de dióxido de titânio que possuem, no dispositivo testado, 20 nanômetros de diâmetro. Assim, um número muito grande poderia ser construído sobre substratos adequados usando fotolitografia (a impressão de um circuito de um dispositivo eletrônico por meio de luz)”, afirma Araki.

Não é de hoje que vários grupos de pesquisa no mundo estão tentando usar moléculas como matéria-prima para a construção de componentes eletrônicos, em substituição ou complementação aos atuais dispositivos sólidos feitos principalmente de silício. As primeiras portas lógicas moleculares surgiram nos anos 1980, mas seu princípio de funcionamento era rudimentar e dependia, em pelo menos uma de suas etapas, da renovação ou injeção de solução do composto molecular. A porta lógica desenvolvida pelos cientistas brasileiros é bem mais complexa e funciona de forma regenerativa, sem necessidade de renovação da substância ativa, que se encontra imobilizada no dispositivo. A inovação obteve boa repercussão na comunidade científica internacional e foi divulgada por publicações do setor químico e de novos materiais, como a Angewandte Chemie, revista de maior impacto na área química.

Se, apenas no futuro, a inovação poderá ser empregada na construção de computadores moleculares, hoje ela já tem uma aplicação prática. Segundo Henrique Toma, a porta lógica molecular poderá ser utilizada como um dispositivo conversor de energia, transformando impulsos ópticos em sinais elétricos. Isso porque a PL desenvolvida na USP é similar a uma célula solar do tipo DSSC (de Dye Sensitized Solar Cells ou Células Solares Sensibilizadas por Corantes), produzida com baixos custos e que deverá se tornar no futuro próximo uma opção às células atuais de silício.

O Projeto
Desenvolvimento de supermoléculas, filmes e dispositivos em nanotecnologia supramolecular
Modalidade
Projeto Temático
Coordenador
Henrique Eisi Toma – USP
Investimento
R$ 289.743,66 e
US$ 138.441,15 (FAPESP)

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