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Bioquímica

Própolis contra câncer

Compostos sintéticos inspirados na resina de abelhas são eficazes no tratamento de tumores

MIGUEL BOYAYANA capacidade da própolis, uma resina produzida pelas abelhas, em vedar e esterilizar colméias já é bem conhecida da ciência. Vários estudos também apontam que a substância tem poder antisséptico, cicatrizante, antimicrobiano, antiinflamatório e antioxidante, entre outros. Ciente disso, uma equipe de pesquisadores brasileiros, liderados pelo químico cubano José Agustín Pablo Quincoces Suárez, professor da Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), sintetizou em laboratório compostos químicos semelhantes aos encontrados na própolis com o objetivo de estudá-los e, no futuro, usá-los na formulação de medicamentos. A pesquisa, iniciada há sete anos, comprovou ser promissora e os primeiros resultados começam a aparecer. Uma família de compostos mostrou-se altamente eficaz no tratamento de células cancerígenas humanas em testes in vitro e com animais de laboratório. “Os resultados são animadores e mostram que estamos no caminho certo. Já depositamos duas patentes referentes aos métodos de obtenção das substâncias, aos compostos em si e suas aplicações”, destaca Quincoces.

Chegar a esse estágio da pesquisa, no entanto, não foi nada fácil. O primeiro desafio foi exatamente conseguir produzir compostos similares aos existentes na própolis. Para isso, os pesquisadores usaram como matéria-prima insumos químicos empregados pelas indústrias de alimentos e de fármacos. Após muita experimentação, cinco famílias de compostos – batizadas pelas letras HB, L, Q, V e HMF – deram sinais de serem promissoras. Mas cabe uma pergunta: se essas substâncias são encontradas na natureza, por que sintetizá-las em laboratório? A resposta é simples. Como esses compostos estão presentes em concentrações muito baixas na própolis, da ordem de microgramas ou miligramas, eles seriam insuficientes para a realização de estudos farmacológicos e, dependendo dos resultados, para a produção de medicamentos. Além disso, ao serem produzidas em laboratório, essas substâncias podem ter suas propriedades melhoradas por meio de técnicas de modelagem computacional. “Em alguns casos, alteramos a estrutura original delas para chegar a uma molécula mais eficiente, seja no aumento de sua atividade biológica ou na redução de sua toxicidade”, explica a farmacêutica Daniela Gonçales Rando, pesquisadora do grupo na Uniban.

O passo seguinte depois da síntese em laboratório foi iniciar os testes com os diferentes compostos a fim de aferir suas atividades terapêuticas. Para isso, o grupo estabeleceu parceria com diversas instituições de pesquisa no Brasil e no exterior. Os primeiros ensaios com a família de compostos HB tiveram início em 2001 no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Foram realizados, com sucesso, testes in vitro antitumorais e antimicrobianos e testes toxicológicos in vivo, em animais. No ano seguinte, pesquisadores do Laboratório de Imunologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) começaram a fazer ensaios antitumorais com compostos da família V”, relata Quincoces, que é coordenador do Laboratório de Síntese Orgânica da Uniban.

Naquele mesmo ano, o imunologista Durvanei Augusto Maria, do Instituto Butantan, em São Paulo, uniu-se ao grupo e começou a realizar uma bateria de testes antitumorais e de toxicidade de compostos da família HB. Esses testes mostraram que a substância foi capaz de impedir a progressão de tumores de um tipo de melanoma, um tipo de câncer de pele, em camundongos.

A boa notícia é que os resultados foram positivos mesmo quando a dose injetada foi em quantidade bem inferior à utilizada por drogas antitumorais disponíveis no mercado. Outro aspecto foi que a substância inibiu a ocorrência de metástase. “Temos evidências, ainda não comprovadas, de que o composto induz a morte celular por apoptose, o chamado ‘suicídio celular'”, diz Quincoces. “Além disso, percebemos que as células cancerígenas foram eliminadas sem dano às células sadias, ao contrário do que ocorre com a maioria dos medicamentos para tratamento de câncer.” Esses fatos foram comprovados por meio de estudos histopatológicos (análise de lesões) de órgãos e tecidos realizados pelo professor Paulo Pardi, da Uniban.

Outra linha da pesquisa é conduzida pela biomédica Clizete Sbravate Martins, pesquisadora independente e ex-coordenadora do curso de biomedicina na Uniban. Ela se encarregou dos testes antiparasitários com os compostos fenólicos da família HB, que começaram a ser executados nos laboratórios de pesquisa da Uniban e posteriormente no Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. “O parasita testado foi o causador da leishmaniose, uma doença grave com importante ocorrência em países pobres. Realizamos ensaios in vitro e in vivo e constatamos um efeito bastante acentuado do composto. Enquanto nos camundongos infectados não tratados existiu um aumento de 80% do tamanho da lesão cutânea – uma das manifestações da doença -, nos animais tratados não foi registrada progressão da lesão”, diz a pesquisadora. Esses resultados são importantes porque os únicos medicamentos aprovados para o tratamento da leishmaniose são tóxicos.

Testes antitumorais
O trabalho também conta com a cooperação de pesquisadores da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), responsáveis pelos ensaios in vivo relativos às propriedades analgésicas e antiinflamatórias dos compostos. Nessa vertente da pesquisa excelentes resultados estão sendo observados. No Instituto Ludwig Boltzmann de Oncologia Clínica da Universidade de Viena, na Áustria, o professor Gerhard Hamilton desenvolve testes antitumorais com os compostos das famílias L, Q e HMF. “Eles já obtiveram ótimos resultados em estudos in vitro para vários tipos de tumor, com cânceres de cabeça e de pâncreas, que são fatais”, afirma Quincoces.

Apesar dos bons resultados obtidos até agora, um longo caminho ainda precisa ser percorrido para que a substância se transforme num medicamento. A equipe precisa concluir os estudos farmacocinéticos, relativos à absorção do composto pelo organismo e à forma de administração, que são estudos de formulação dirigida, desvendar o mecanismo exato de ação do composto pelo organismo e realizar testes em outras espécies animais. O grupo estima que dentro de dois ou três anos essas etapas serão concluídas e poderão ser iniciados os testes em humanos, outro estágio fundamental da pesquisa. “Estamos em conversações com um fabricante nacional de medicamentos e com um instituto de pesquisa, cujos nomes não podemos revelar, que se interessaram pela realização de testes clínicos e pela produção do medicamento”, diz Quincoces.

Os projetos
1.
Síntese de heterociclos prenilados a partir de produtos naturais (nº 04/11351-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio à Pesquisa; Coordenador José Agustín Quincoces Suárez – Uniban; Investimento
R$ 95.804,46 e US$ 22.380,94 (FAPESP)
2. Propriedades antiparasitárias da 1,5-bis (4-hidroxi-3-metoxi-fenil)-penta-1,4-dien-3-ona e seus derivados (nº 04/11352-6); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi); Coordenador José Agustín Quincoces Suárez – Uniban; Investimento R$ 9.500,00 (FAPESP)
3. Propriedades antitumorais da 1,5-bis (4-hidroxi-3-metoxi-fenil)-penta-1,4-dien-3-ona e seus derivados (nº 01/10383-7); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi); Coordenador José Agustín Quincoces Suárez – Uniban; Investimento R$ 58.261,39 (FAPESP)

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