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Computação

Experimentos na rede

A internet do futuro é objeto de estudo de pesquisadores

MONTAGEM SOBRE FOTOS DE EDUARDO CESAR E MIGUEL BOYAYANNo início dos anos 1980 era difícil imaginar a internet que temos hoje. São e-mails, uma infinidade de sites e, mais recentemente, o aparecimento e a proliferação de blogs. Pensar agora como será a internet do futuro, dentro de 15 ou 20 anos, não é das tarefas mais fáceis. Certamente, a maior utilização de fibras ópticas para interligar a rede com maior velocidade de transmissão, via laser, é um caminho que vai moldar a nova rede. Esse aspecto e outros usos da rede no futuro, da mesma forma como nos anos 1970 até o final dos anos 1980, quando foi criada no âmbito e para uso científico, estão sendo fomentados por pesquisadores de instituições tecnológicas e científicas do mundo. A internet continua um laboratório para pesquisas, em testes de novos equipamentos para fibras ópticas, na movimentação de robôs e no estudo de objetos a distância ou ainda em novas formas de conteúdo e ensino.

No Brasil, grande parte desses anseios está no Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) financiado pela FAPESP que já reúne, depois de quatro anos, quase 600 pesquisadores de institutos de pesquisa do estado de São Paulo, principalmente entre alunos e professores. O programa, que recebe R$ 7,5 milhões por ano da fundação, possui três vertentes principais. Uma é a KyaTera (www.kyatera.fapesp.br), que provê o Tidia (www.tidia.fapesp.br) com uma rede de fibras ópticas e sustenta experimentos variados. Os outros dois são uma incubadora virtual (www.incubadora.fapesp.br), que já reúne 325 portais, com temáticas também variadas em que os próprios geradores de conteúdo fazem suas páginas sem necessidade de webdesigner e webmaster para controle das ações na grande rede. O terceiro segmento é o aprendizado eletrônico que está iniciando suas atividades com o objetivo de desenvolver softwares e soluções para o ensino à distância

“O Tidia permite aos pesquisadores pensar a internet do futuro. Nós fornecemos a infra-estrutura para que eles possam desenvolver novas tecnologias”, diz o físico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Luis Fernandez Lopez, coordenador do programa. “É um dos raros programas no mundo que usa a rede para fazer projetos experimentais. Nós, do Tidia, começamos a fazer isso em 2003”, diz Lopez. “Nos Estados Unidos já há quem fale que a rede está confusa e precisa parar e ser repensada. Lá, uma das iniciativas nesse sentido é o financiamento da Fundação Nacional de Ciência, NSF na sigla em inglês, para o Global Environment for Network Innovations (Geni no site www.geni.net), um projeto que é uma plataforma de pesquisa para explorar a internet do futuro. Eles querem saber como as pessoas vêem a rede, quais os ideais e os limites reais”. O Geni foi lançado como idéia em 2005 e passa atualmente pela finalização do projeto, que vai incluir uma rede física de fibras ópticas, servidores e redes sem fio regionais, além de um sistema de softwares com o objetivo de servir milhares de experimentos e criar, segundo seus criadores, a internet do século XXI. Os projetos estarão abertos à comunidade acadêmica norte-americana e a empresas, especialmente as de pequeno porte com capacidade de pesquisa tecnológica.

Enquanto novidades mais radicais estão sendo elaboradas, há muito o que fazer na internet clássica de hoje. “Ainda é preciso acelerar os processos de inclusão e ter um maior número de pessoas conectadas à rede”, diz Demi Getschko, diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br (www.nic.br), órgão que implementa as decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Para ele, os sistemas de uso da rede caminham para uma não percepção da internet. “Cada vez mais vamos enxergar os serviços da rede, como sites e e-mails, e menos a infra-estrutura ou a própria rede. Isso já acontece com a telefonia, em que não é preciso mais acessar o computador para falar via TCP/IP (siglas em inglês de Protocolo de Controle de Transmissão e Protocolo Internet). Amanhã poderá ser a TV digital via IP”.

Com base nas tendências atuais, Getschko também acredita em mudanças de modelos econômicos propiciadas pela internet, como a diminuição da intermediação, principalmente no meio cultural. Com a expansão da rede muitos meios físicos como CDs e DVD, gravados com músicas e filmes tendem a desaparecer. “Além de o transporte dessas informações passar a ser, de forma majoritária, via rede, o que deve mudar também é a maneira de remunerar por esse tipo de trabalho de produção intelectual. Mas de qualquer forma não será simples remunerar os autores em uma troca entre indivíduos por e-mail de uma música ou filme porque os pacotes de dados (forma digital e eletrônica de enviar material pela rede) parecem todos iguais e não há como identificar e cobrar por isso”.

A ampliação da rede, para Getschko, também inclui um maior aproveitamento das fibras ópticas. “Acho que a espinha dorsal será toda de fibra, difundindo-se o acesso local ao usuário (a fibra chegando à porta de todos) com sistemas sem fio. Com maior banda é possível testar aplicações mais complexas como o Tidia faz, que não é repetir o que existe, mas sim caminhar na evolução. O protocolo TCP/IP está se mostrando resistente para esses experimentos mesmo em velocidades altíssimas, como tem demonstrado a Internet 2”, diz Getschko. A Internet 2 é uma rede composta por 200 universidades e institutos de pesquisa norte-americanos. Em 1996 ela começou a interligar todas essas unidades com redes de alta velocidade em fibras ópticas. Não confundir com Web 2.0, que são tendências e ações na forma de interatividade na grande rede como YouTube ou a enciclopédia Wikipedia, em que o internauta também pode participar.

Para o suporte ao Tidia, a rede KyaTera finalizou em agosto a sua plataforma de cabos de fibra óptica exclusiva, interligando as universidades e institutos de pesquisa paulistas. Até o final do ano, com a instalação de equipamentos, ela deverá estar totalmente ligada, unindo instituições de cidades como São Paulo, São Carlos, Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto e Santos. Em abril deste ano, um acordo da FAPESP com a empresa Telefônica, detentora de grande parte da rede de telefonia do estado, permitiu que mais 3.300 quilômetros de fibra fossem incorporados aos 1.050 próprios da KyaTera, por um período de três anos. Os pesquisadores já conectados ou que vão entrar na rede terão fibras chegando no próprio laboratório com velocidades de até 10 gigabits por segundo (Gb/s), uma transmissão alguns milhares de vezes maior que a mais rápida interconexão via banda larga comercial, em torno de 8 megabits por segundo (Mb/s).

A estrutura de fibras ópticas vai permitir uma série de experimentos como o que será realizado pelo grupo do professor Hugo Fragnito, do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Poderemos testar em campo, em uma rede real, o nosso amplificador Fopa (fiber optic parametric amplifier, ou amplificador paramétrico de fibra óptica). O teste vai fazer com que a luz viaje pela fibra e sofra oscilações, temperaturas diferentes e vibrações mecânicas”, diz Fragnito, que é também o coordenador do KyaTera e do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) de Campinas, também financiado pela FAPESP. O Fopa é uma evolução dos amplificadores atuais instalados ao longo das fibras ópticas, em distâncias de 20 a 100 quilômetros, principalmente entre cidades e nas conexões internacionais, que recuperam a onda luminosa ao longo da transmissão. Se os testes forem positivos, será possível aumentar em centenas de vezes a velocidade de transmissão de dados e voz em redes de longa distância. O Fopa está em desenvolvimento desde 2000 (leia em Pesquisa FAPESP nº 81) e agora o projeto conta com pesquisadores da Universidade Stanford e Universidade Cornell, ambas dos Estados Unidos.

O novo amplificador poderá evitar um congestionamento da internet previsto para 2015 ou 2016, principalmente entre países e cidades, com a tecnologia de hoje. “Também vamos testar outros dispositivos para essas redes, de tamanho menor que as atuais, como filtros, módulos etc. Com a necessidade de mais fibras e mais lasers em uma mesma fibra é preciso reduzir o tamanho dos equipamentos e o consumo elétrico”. Para Fragnito, ninguém sabe ao certo as aplicações que vão ser necessárias na rede dentro de dez anos. “O que sabemos é que será preciso passar, de forma rápida, filmes com a maior resolução possível. Também vai acontecer a maior disseminação do telefone pela internet, além de telefonia com imagem”. Os testes que Fragnito vai fazer envolvem velocidades de até 320 Gb/s em um conjunto de fibras. Normalmente, pesquisadores usam velocidades de 1 Gb/s a 10 Gb/s em experimentos, por exemplo, de WebLabs, que são projetos realizados em laboratórios reais e controlados por meio da internet, desenvolvidos por grupos do KyaTera.

Um dos experimentos mais fáceis de admirar é o WebLab, que trata de observar o comportamento de abelhas nativas sem ferrão a distância por meio da internet. Uma câmera instalada numa colônia montada no prédio do Instituto de Biociências (IB) da USP, na capital paulista, vai permitir que vários grupos de pesquisa possam, ao mesmo tempo, estudar esses insetos e também proporcionar material para educação a distância. “Será um vídeo em tempo real que poderá ser visualizado de imediato pela internet ou gravado para estudo posterior”, diz o professor Antônio Saraiva, do Laboratório de Automação Agrícola da Escola Politécnica da USP que está montando o WebLab junto com pesquisadores do IB, coordenados pela professora Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca.

A vida das abelhas já é acompanhada com o auxílio de uma lâmpada vermelha que não incomoda os insetos e por um sistema similar, de gravação de vídeo. “Com a nova rede, a velocidade será muito maior e a transmissão será de alta definição e com mínimos atrasos. Esses vídeos poderão ser confrontados com dados de sistemas de instrumentação ambiental como temperatura, umidade e até para contar abelhas”, diz Saraiva. Outra possibilidade é captar e registrar os sons das colméias, analisá-los e correlacionar com o comportamento das colônias, se estão em alerta, se procuram alimento etc. “Existem estudos que relacionam sons diferentes com a qualidade e a distância da fonte de alimentos, como o néctar de determinadas flores”. Com o som, o WebLab das abelhinhas, como é mais conhecido no âmbito do Tidia, se transforma num verdadeiro BBB, ou Big Brother Bee, de abelha em inglês.

Além do comportamento das abelhas, o WebLab também vai permitir acompanhar, pela internet, outros serviços de ecossistemas, como são chamados esses processos naturais, como, por exemplo, a fotossíntese e a polinização. Por meio de câmaras de topo aberto, usadas em ensaios de fisiologia de plantas, em que os vegetais ficam dentro de uma estrutura metálica circular e recoberta com plástico transparente com 1,5 metro de altura e quase o mesmo tamanho de largura, será estudado o comportamento das plantas em condições de elevada concentração de gás carbônico (CO2), como as possíveis situações futuras. É possível injetar esse gás na câmara e simular os efeitos, de muitos anos, nas plantas, de forma mais rápida. Um dos principais objetivos nesse projeto, coordenado pelo professor Marcos Buckeridge, do IB, é verificar o nível de fotossíntese da planta, analisando se ele aumenta ou não. Chamado de WebLabs de Serviços em Ecossistemas, o sistema estará disponível no Virtual Networking Center of Ecosystem Services (Vinces) (www.ib.usp.br/vinces/).

Outro WebLab pretende reunir imagens médicas e os respectivos prontuários do Instituto do Coração (InCor) e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e de outros hospitais que possam se interessar. Coordenado pelo professor Sérgio Furuie, o grupo em contato com outros institutos da USP, em São Carlos e Ribeirão Preto, já desenvolveu algoritmos e testa agora softwares para processamento de imagens de raio X, ecocardiograma, ultra-sonografia, tomografia e ressonância magnética. “Nosso objetivo no WebLab de Imagens Médicas é criar e disponibilizar uma base de imagens, de vários centros, que tanto vai permitir a avaliação de softwares de forma mais abrangente como poderá ser utilizada para fins didáticos”, diz Furuie. Uma outra iniciativa na área da medicina é a Rede Universitária de Telemedicina (Rute) anunciada em agosto e criada pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) mantida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Associação Brasileira de Hospitais Universitários, a Rute vai implementar uma estrutura sobre uma rede de alta velocidade para conexão entre hospitais visando a conferências, programas de medicina e cirurgia a distância e telediagnóstico. A rede a ser usada é a Ipê, montada pela RNP, que une todas as capitais do país. A maior capacidade dessa rede está entre São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, com velocidade de conexão, em fibras ópticas, de 10 Gb/s.

Imagens a distância também estão no foco do WebLab coordenado pelo professor Fragnito. “Dentro das novas aplicações da rede estamos trabalhando com videoconferência com a maior resolução possível”. O objetivo é atingir uma capacidade de transmissão de vídeo que sirva para uma percepção maior de quem está se comunicando. “Queremos chegar ao ponto que a presença da pessoa na tela da viodeoconferência permita até sentir o rubor no rosto, o entusiasmo ou o olhar desconfiado. Isso facilitaria a sensação de presença das pessoas em atividades científicas, econômicas e também em situações de medicina a distância”, diz Fragnito. Ele dá um exemplo próprio e atual. Um pesquisador da Universidade Cornell, que colabora com o grupo do Cepof, está no Brasil para trabalhos conjuntos e para testar uma peça. “Se tivéssemos um telão com alta resolução com estruturas técnicas semelhantes dos dois lados, a peça poderia vir pelo correio e ele ficaria em conferência conosco o tempo todo com a sensação de presença”. Para Fragnito, o KyaTera é um pontinho do que a internet vai ser no futuro. “Estamos formando gente, não só engenheiros e físicos, que estarão mais familiarizados e com menos medo desse tipo de tecnologia”.

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