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Carta da Editora | 140

O imperativo da clareza

A escolha final da reportagem de capa de qualquer revista envolve sempre, devemos admitir, um certo grau de arbitrariedade. Claro que em algumas edições há temas que parecem se impor vigorosamente sobre todos os demais, uma vez considerados os cânones clássicos do jornalismo. No caso de Pesquisa Fapesp, uma revista cujo olhar se dirige para a produção do conhecimento, isso pode se dar tanto quando um texto jornalístico dá notícia de um belo projeto capaz de produzir especial impacto social ou econômico, como ante um outro que enfoca pesquisa de relevância indiscutível para o avanço do conhecimento em seu campo ou, ainda, em caso de uma reportagem que trata de um estudo cujas conclusões são inusitadas a ponto de provocar reviravoltas nas reflexões e conceitos correntes. Ora, mas assim como não está dentro da normalidade da produção científica trazer resultados tão extraordinários cotidianamente, não é usual que uma revista como Pesquisa tenha de cara um assunto assim pronto para sua capa. Antes de bater o martelo sobre qual afinal será ela, a prática é ziguezaguear, às vezes mais, às vezes menos, para desespero crescente de nossa editora de arte, Mayumi Okuyama, entre dois ou três assuntos que disputam a nobre posição. E é aí que entra em cena a tal da dose de arbitrariedade necessária, com uma íntima torcida para que ela não invista contra os princípios saudáveis do jornalismo.

Conto tudo isso porque a escolha da capa desta edição em particular foi um processo difícil como parto a fórceps. Queríamos de início a reportagem sobre a obesidade, mas ela parecia excessivamente técnica, com o texto a se embrenhar por um fechado cipoal de siglas e nomes complicados de substâncias desconhecidas de leitores não íntimos da bioquímica do corpo humano. Tentamos migrar para a reportagem sobre a maior cratera já produzida por um meteorito no Brasil, dentro da qual se abrigam duas cidades inteiras.

Avaliamos também a possibilidade de levar para a capa um texto sobre os estudos que tentam compreender o significado do Tropicalismo para a cultura brasileira contemporânea, de Gonçalo Junior, e um outro, também no âmbito das ciências humanas, que fala sobre novos estudos a respeito do movimento estudantil no país, em especial nos anos 1960 e 1970, do editor de humanidades, Carlos Haag. Entrementes, o editor especial Carlos Fioravanti e o editor de ciência, Ricardo Zorzetto, tratavam silenciosamente de limpar mais e mais o texto sobre obesidade, livrá-lo do excesso de escolhos técnicos e produzir uma narrativa clara, elegante, onde a informação mais importante se oferece ao leitor sem entraves e, ao mesmo tempo, sem traição aos reais achados científicos dos pesquisadores que gastaram anos procurando entender por que a resistência à insulina leva à obesidade e, a partir dela, a vários outros problemas de saúde. Quando os jornalistas por fim apresentaram o texto definitivo, obesidade retomou seu posto na capa. É justo? Acreditamos que sim, mas, dado o que falamos lá no início sobre arbitrariedade, a questão fica aberta para os leitores, que podem chegar a seu próprio julgamento. E é sempre assim em publicações jornalísticas, o que não é mau, muito ao contrário.

Por falar em leitores, toda a equipe que produz esta revista sentiu-se honrada há poucos dias ante a declaração pública de apreciação a ela feita por um ilustre personagem, depois de se declarar seu leitor: o governador de São Paulo, José Serra. Foi na cerimônia da posse do professor Celso Lafer na presidência da FAPESP, em 26 de setembro passado. Professor titular da Faculdade de Direito da USP, por duas vezes ministro das Relações Exteriores e também ministro do Desenvolvimento, Celso Lafer substitui na presidência da FAPESP o lingüista e poeta Carlos Vogt, professor e ex-reitor da Unicamp e agora secretário de Ensino Superior do Estado. Vale ressaltar que ali, ante um auditório lotado por autoridades e lideranças acadêmicas de São Paulo, o novo presidente observou que acredita que a solução dos desafios e problemas atuais da sociedade humana exige a comunicação entre a cultura literária e humanística e a cultura científica, para depois detalhar melhor sua visão de ciência. Em contrapartida, o governador reiterou essa visão e destacou que “um importante desafio que a Fundação deve enfrentar com base em sua autonomia e experiência é de, simultaneamente, enfatizar a pesquisa básica, que constrói o futuro explorando e desenvolvendo possibilidades, e a pesquisa aplicada, que deve ter, cada vez mais, impacto social e econômico”.

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