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Evolução

Todas as faces do colonizador

Asiáticos que povoaram as Américas 18 mil anos atrás já exibiam grande diversidade biológica, diz estudo

NASA/GSF/JPL/MISR TEAMEstreito de Bering: a Beríngia hoje está submersaNASA/GSF/JPL/MISR TEAM

Um trabalho de três geneticistas brasileiros e um antropólogo argentino adiciona um pouco mais de controvérsia a um tema já amplamente polêmico, o processo de povoamento das Américas, o último continente a ser desbravado pelo Homo sapiens. Segundo o estudo, publicado no mês passado na versão online do American Journal of Physical Anthropology, foi necessária apenas uma onda migratória vinda do norte da Ásia via estreito de Bering, por volta de 18 mil anos atrás, para introduzir toda a diversidade biológica humana presente nas Américas. Os membros dessa leva primordial de caçadores-coletores que penetraram no Novo Mundo exibiam uma grande variedade de características físicas. Havia desde indivíduos assemelhados aos povos mongolóides, com feições orientalizadas (dos quais descendem todos os grupos atuais de ameríndios), até pessoas bem menos marcadas por esses traços (parecidas com o crânio de Luzia, encontrado em Lagoa Santa, em Minas Gerais).

O novo modelo de ocupação defende a idéia de que, antes de se estabelecerem propriamente em terras americanas, os primeiros migrantes asiáticos ficaram estacionados por alguns milhares de anos, provavelmente entre 26 mil e 18 mil anos atrás, na Beríngia, uma vasta porção de terra firme que ligava a Sibéria ao Alasca. A parada obrigatória nessa antiga zona de contato entre Ásia e América – hoje a Beríngia está submersa e deu lugar ao estreito de Bering – não é um mero detalhe da teoria. Durante o período em que essa população ficou aprisionada na região ocorreram alterações em seu DNA. “Existem mutações nos ameríndios que são específicas da época em que seus antepassados viveram na Beríngia e que não são encontradas nos povos asiáticos”, diz Maria Cátira Bortoloni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma das autoras do estudo. Quando as geleiras que barravam a entrada no continente americano começaram a derreter, os remanescentes do grupo inicial que se instalara entre os dois continentes finalmente entraram no Novo Mundo.

Baseada na análise das características anatômicas de 576 crânios de populações extintas e atuais encontradas de norte a sul nas Américas e também em 10 mil amostras de dados genéticos, a proposta de colonização das Américas defendida pela equipe binacional de pesquisadores faz uma síntese interdisciplinar do conhecimento sobre o espinhoso tema. “Fazia 20 anos que não havia uma visão integrada do povoamento das Américas”, afirma Sandro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), outro autor do estudo, que também foi assinado por Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e pelo argentino Rolando González-José, do Centro Nacional Patagónico.

Talvez por isso o novo cenário proposto difira tanto da visão clássica como de outras teses alternativas sobre o povoamento das Américas. A teoria tradicional fala em três ondas migratórias de povos mongolóides, tendo a primeira delas ocorrido há 12 mil anos. O modelo defendido por Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), admite a existência de duas migrações, uma de indivíduos semelhantes a Luzia, há 14 mil anos, e outra, mais recente, de grupos mongolóides. Para a arqueóloga Niède Guidon, o homem chegou ao Novo Mundo há 100 mil anos, provalvemente por uma rota pelo Pacífico.

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