Imprimir PDF Republicar

Energia

Fotossíntese artificial

Novas células solares de baixo custo reproduzem processo vegetal de transformação da luz solar

EDUARDO CESARCélula solar com corante inorgânico à base de rutênioEDUARDO CESAR

Células solares que mimetizam o funcionamento do sistema de fotossíntese das plantas têm sido estudadas e desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, com resultados que prometem uma nova geração de matérias-primas de baixo custo, em comparação com o silício usado na conversão da luz do sol em eletricidade. As novas células solares sensibilizadas por corantes, também chamadas de DSC, sigla de dye-sensitized solar cells, têm se mostrado uma alternativa promissora para produção de energia elétrica em todo o mundo. No Brasil, as pesquisas feitas no Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) resultaram em uma empresa spin-off, a Tezca Células Solares, incubada na Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), que pretende fabricar até 2012 células solares para recarregar baterias de telefones celulares, máquinas fotográficas ou que possam ser acopladas a notebooks e brinquedos.

“A empresa já tem uma patente de montagem de células solares com material totalmente nacional”, diz a professora Ana Flávia Nogueira, coordenadora de um grupo de 15 pesquisadores composto por pós-doutores e alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, que desenvolve dispositivos para aproveitamento da energia solar. A pesquisadora começou a se interessar pela área em 1996, durante a sua dissertação de mestrado orientada pelo professor Marco-Aurélio De Paoli, também do Instituto de Química. Atualmente, as pesquisas que coordena estão concentradas em duas tecnologias que utilizam mecanismos diferentes para converter energia solar em eletricidade.

Uma delas é baseada na tecnologia dye-cells ou células fotoeletroquímicas preparadas com dióxido de titânio (TiO2), uma substância utilizada em pastas de dente e tintas brancas de parede, com propriedades semicondutoras. Mas como o dióxido de titânio não absorve luz por ser branco, é preciso recorrer a um corante adequado para sensibilizá-lo e promover a absorção da energia solar. “O termo sensibilizar pode ser usado como sinônimo de dar cor ao óxido de titânio com corantes naturais ou sintéticos que absorvam na faixa de luz visível ao olho humano”, explica a pesquisadora.

Extratos naturais
Os corantes inorgânicos que possuem um metal parecido com o magnésio encontrado na clorofila – pigmentos vegetais que funcionam como fotorreceptores na fotossíntese – são os mais eficientes para desempenhar essa tarefa. Até agora os compostos de rutênio, elemento químico usado em catalisadores, têm se mostrado imbatíveis nesse papel pela capacidade de absorção e transferência de energia, mas outros corantes também têm apresentado bons resultados. Na Universidade de São Paulo, o grupo de pesquisa da professora Neyde Yukie Murakami Iha, do Laboratório de Fotoquímica e Conversão de Energia, que desde 1985 dedica-se ao estudo de sistemas para armazenamento e conversão de energia solar, tem testado corantes naturais com extratos de amora, jabuticaba, açaí, jambolão e outras frutas e flores que contêm pigmentos antioxidantes chamados antocianinas, com cores características como vermelho, azul e roxo. “Fizemos uma célula solar com corante natural que está funcionando há mais de um ano”, relata Neyde. “A vantagem é que fica muito mais viável economicamente e agride bem menos o ambiente.”

EDUARDO CESARNo laboratório da Unicamp, célula passa por medição ópticaEDUARDO CESAR

Em 1995, a pesquisadora começou a desenvolver as células solares sensibilizadas por corantes do tipo dye-cells. “O grande impulso para essas pesquisas veio com o professor Michael Grätzel, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, que mostrou a viabilidade comercial do sistema de nanopartículas de cristais de dióxido de titânio”, diz Neyde. Em 1991, Grätzel criou uma célula que, em vez de usar uma camada única de dióxido de titânio, era formada por pequenas partículas do óxido metálico com cerca de 20 nanômetros de diâmetro, cobertas com uma fina camada de pigmento. O método aumentou a superfície efetiva disponível para a absorção de luz solar. Desde então o grupo do pesquisador suíço e outros grupos de pesquisa têm procurado aumentar a eficiência de conversão energética desses dispositivos, utilizando novos materiais e soluções inovadoras para montagem dessas células.

Basicamente, elas funcionam de maneira semelhante a uma bateria de celular, com dois eletrodos e, entre eles, um eletrólito, um meio condutor que faz o transporte das cargas elétricas por meio de íons. “O funcionamento dessas células, que são montadas como um sanduíche, constitui um verdadeiro sistema químico integrado”, diz Ana Flávia. Esse sistema é constituído por um corante com alta absorção de luz, que separa e transfere a carga elétrica para o dióxido de titânio e é regenerado pelo eletrólito. As cargas elétricas separadas nesse processo se recombinam após passar por um circuito externo, fazendo com que ocorra a criação de uma corrente elétrica. Na USP, um protótipo da célula solar de 10 por 10 centímetros demonstra as possibilidades da tecnologia. Ligado a uma fonte de luz, é capaz de movimentar um pequeno motor que faz girar uma hélice.

Recentemente, a empresa G24 Innovations, do Reino Unido, que tem o licenciamento da patente de Grätzel para a Europa, colocou à venda carregadores de celulares e casacos com placas de captação de energia solar, feitos com filmes flexíveis sensibilizados por corantes. A empresa australiana Dyesol está se preparando para lançar em escala comercial painéis com essa tecnologia para aplicação em fachadas de casas e edifícios. “Ela já tem a tecnologia pronta para isso”, diz Neyde, que em 2007 fez uma visita à empresa. “Só não colocou ainda os produtos no mercado porque quer ter a garantia de que a manutenção será feita de forma adequada, para que os painéis efetivamente tenham vida útil de dez anos, como o planejado.” Para isso, a Dyesol está fazendo consórcios com empresas e centros de pesquisa de vários países. “Uma das grandes vantagens das dye–cells é a capacidade que elas têm de operar em baixas condições de luminosidade”, diz Neyde.

O grupo da USP, que contou com financiamento da FAPESP e do CT-Energ, Fundo Setorial de Energia do Ministério da Ciência e Tecnologia, para realização das pesquisas, tem cinco patentes depositadas com a tecnologia. Algumas empresas se interessaram em começar a produzir as dye-cells, mas as negociações ainda estão em andamento. “Além de converter a energia solar em eletricidade, essa tecnologia tem potencial para produzir hidrogênio e metano, que podem ser utilizados como combustíveis”, relata Neyde. O laboratório da USP fez uma parceria com o professor Thomas Meyer, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, para o desenvolvimento de catalisadores e sistemas integrados para a realização da fotossíntese artificial produzindo combustíveis solares.

A outra tecnologia que está sendo pesquisada na Unicamp, a mesma empregada nos filmes flexíveis dos produtos lançados pela empresa britânica, são as células solares que utilizam materiais semicondutores orgânicos, como polímeros ou moléculas, como camada ativa nos equipamentos de energia solar. Para prepará-las são usados dois semicondutores com características diferentes para fazer o transporte eletrônico. Nesse caso, os dois eletrodos são colocados diretamente em contato, sem necessidade de um eletrólito. “As células orgânicas nos permitem trabalhar com diversos materiais, o que propicia o desenvolvimento de módulos flexíveis, coloridos e transparentes”, diz Ana Flávia. Na Universidade Federal do Paraná, desde 1998 o professor Ivo Hümmelgen, do Departamento de Física, pesquisa esses dispositivos feitos com polímeros, que podem também ser associados a fulerenos ou a nanotubos, estruturas nanométricas feitas de átomos de carbono. “Usamos como camada ativa derivados de poliotiofenos, uma família de polímeros que têm uma absorção bastante acentuada na região visível do espectro solar”, diz Hümmelgen. Os fulerenos e nanotubos aumentam a eficiência do processo, pois são os responsáveis por separar e transportar a carga no interior do dispositivo.

Conversão energética
“Um problema básico tanto das dye-cells como das orgânicas é que a eficiência ainda é mais baixa do que as células solares inorgânicas de silício utilizadas atualmente”, diz Hümmelgen. Isso porque as condições de produção em laboratório, com processos extremamente controlados, nem sempre são possíveis de ser repetidas na produção em larga escala. Enquanto as células comerciais à base de silício policristalino têm eficiência média de 11%, as dye-cells chegam a 7% ou 8% em laboratório. “Em alguns laboratórios já foram obtidas células certificadas com até 11% de eficiência”, relata Neyde. Os cálculos para medição da eficiência energética englobam a totalidade da luz do sol que é convertida em eletricidade. “Esse cálculo leva em conta todo o espectro solar, que vai desde o visível até o infravermelho próximo”, explica Neyde. “Existem regiões com eficiência de 80% e outras sem nenhum aproveitamento.”

EDUARDO CESARProtótipo ligado a fonte de luz movimenta uma héliceEDUARDO CESAR

Os carregadores de celular da empresa inglesa G24, por exemplo, permitem 20 minutos de conversação a cada hora de luz solar. Apesar de parecer pouco, é preciso considerar que essa é uma aplicação portátil, ideal para locais não conectados à rede elétrica. Apesar da menor eficiência, a tecnologia é promissora não só para aplicações em comunidades isoladas como também em áreas urbanas. A previsão de custo em escala industrial é cerca de 50% menor do que o de uma célula de silício. “Como a presença de pequenas impurezas no semicondutor não constitui problema para o funcionamento das dye-cells, são dispensados procedimentos complicados necessários para a fabricação das células de silício, como o uso de sala limpa e de roupas especiais”, diz Neyde. O custo projetado para as células solares orgânicas e dye-cells é de US$ 0,40 por watt, ante US$ 3,00 por watt de tecnologias à base de silício.

No Brasil, o potencial de geração de energia fotovoltaica é de 10 mil megawatts (MW), quase uma usina de Itaipu, mas não é possível aproveitá-la totalmente porque é necessário ter espaços disponíveis para a instalação de usinas de energia solar. Até agora apenas 12 MW estão efetivamente instalados em comunidades isoladas, enquanto outros 80 integram sistemas conectados à rede elétrica, mas em caráter experimental. O Brasil é um grande exportador de quartzo, matéria-prima usada para fabricar o silício de grau solar, mas não domina a tecnologia de produção desse material semicondutor com alto valor agregado. “O processo de crescimento dos cristais de silício é extremamente caro, porque envolve temperaturas altíssimas e um processo litográfico complexo para obtenção de cristais perfeitos”, explica Ana Flávia. Outra crítica feita pelas pesquisadoras à utilização do silício é o custo da energia gasta para a sua produção. “Para fins espaciais, por exemplo, é uma tecnologia que justifica o preço final”, diz Neyde. Mas o alto custo impede que seja empregada em larga escala. “O custo de instalação de um sistema de captação solar baseado no silício para uma casa de 200 metros quadrados fica em torno de US$ 35 mil”, diz Ana Flávia. Os cálculos foram feitos pela empresa SunLab, de Bragança Paulista, no interior de São Paulo.

O projeto
Células solares fotoeletroquímicas regenerativas utilizando vidros condutores contendo filamentos protegidos e sua associação modular para a montagem de painéis (nº 00/08434-0); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi); Coordenador Neyde Yukie Murakami Iha – USP; Investimento R$ 28.069,35 (FAPESP)

Artigos científicos
NOGUEIRA, A.F., et al. Polymer solar cells using single-wall carbon nanotubes modified with thiophene pedant groups. Journal of Physical Chemistry C. v. 111, n. 49, p. 18.431-18.438, 20 nov. 2007.
PATROCÍNIO, A.O.T., et al. XPS characterization of sensitized n-TiO2 thin films for dye-sensitized solar cell applications. Applied Surface Science. v. 254, p. 1.874-1.879, 15 jan. 2008.

Republicar