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Física

A fórmula do emaranhamento

Grupo do Rio propõe equação que descreve a redução de fenômeno quântico devido a influência do ambiente

Ilustração de fótons com (linhas circulares inteiras) e sem entrelaçamento

UFRJ

Em 20 de abril de 2006, uma equipe do Grupo de Óptica Quântica do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) publicou um artigo na revista científica britânica Nature em que relatava a primeira medição direta de um dos fenômenos mais estranhos e fascinantes do mundo quântico, o chamado emaranhamento ou entrelaçamento de partículas, como átomos, elétrons ou partículas elementares de luz, os fótons. Em 27 de abril de 2007, os pesquisadores brasileiros emplacaram outro importante paper sobre esse complexo campo de estudo da física. Nas páginas do periódico norte-americano Science, os brasileiros mostraram como o emaranhamento, uma propriedade essencial para o desenvolvimento de um computador quântico, pode desaparecer repentinamente, sofrer uma espécie de morte súbita. Agora a mesma equipe de cientistas, composta pelos pequisadores Luiz Davidovich, Paulo Henrique Souto Ribeiro e Steve Walborn, deu nova contribuição de peso ao tema, desta vez num artigo publicado no dia 14 de maio passado no site da Science: formulou e demonstrou experimentalmente uma lei que descreve a dinâmica do entrelaçamento.

Numa linguagem mais coloquial, o que os físicos do Rio de Janeiro fizeram foi criar uma equação geral que lhes permite estimar, com precisão e de forma simples, a perda de emaranhamento de um sistema formado por duas partículas quando uma delas sofre os efeitos deletérios do ambiente. Fatores externos a um sistema com essas características, como o atrito ou a temperatura, podem levar à diminuição e até ao desaparecimento do emaranhamento. O novo método prescinde da reconstrução do estado final de um sistema emaranhado, tarefa difícil de ser obtida e com resultados às vezes imprecisos.

“Até agora existia apenas uma equação, proposta num trabalho teórico publicado no ano passado na revista Nature Physics, para descrever a dinâmica do emaranhamento num caso muito particular e idealizado: um sistema cujo estado inicial fosse totalmente conhecido”, explica Davidovich, principal autor do estudo, que contou também com a colaboração de dois estudantes da pós-graduação, Camille Latune e Osvaldo Jiménez Farías. “Nossa equação é uma generalização da anterior e serve também para situações mais próximas do real, quando há incerteza sobre o estado inicial do sistema.” A influência do ambiente sobre uma das partículas do sistema emaranhado foi demonstrada pelos cientistas brasileiros num experimento com fótons com o emprego de um método conhecido entre os físicos como “tomografia quântica de processo”.

UFRJ Sistema óptico: ação do ambiente no emaranhamentoUFRJ

Definido por Albert Einstein como algo envolto por “fantasmagórica ação a distância”, o emaranhamento quântico é um fenômeno estranho ao mundo da física clássica, newtoniana, em que vivemos. Como que por mágica, ele faz com que um conjunto de partículas elementares compartilhe certas características ainda que não haja nenhuma ligação física entre elas. O problema é que não é possível determinar as propriedades de cada uma das partículas entrelaçadas, apenas as do sistema global. Se, em vez de duas partículas elementares, o leitor visualizar um sistema composto de dois dados emaranhados, esse desconcertante conceito do universo quântico fica mais fácil de ser entendido. Por apresentarem essa forte correlação, quando jogados, os dados dão sempre o mesmo resultado: a soma de seus valores é, por exemplo, dez. O resultado final do sistema é conhecido, facilmente mensurável, mas se ignora qual combinação numérica (cinco e cinco, sete e três, oito e dois ou outra qualquer) levou a essa soma. Mas, como os dados estão entrelaçados, quando se determina o valor de um deles descobre-se automaticamente também o do outro.

No experimento descrito agora na Science, a equipe de Davidovich gerou, por meio da emissão de um feixe de laser sobre um cristal, pares de fótons emaranhados em relação a um de seus parâmetros físicos: a polarização (a direção espacial, vertical ou horizontal, em que seu campo eletromagnético vibra). Um outro parâmetro dos fótons, o momento (associado à sua direção de propagação, ao seu percurso no espaço), atuou no experimento como o ambiente externo ao sistema. Os pesquisadores perceberam que, ao produzirem uma interação entre o momento de um dos fótons e a polarização, ocorria uma redução no grau de emaranhamento do sistema e viram que sua equação podia dar conta dessa perda de emanhamento. “Demos um pequeno passo para entender a dinâmica do emaranhamento, cuja compreen­são pode ajudar a construir sistemas quânticos mais robustos e estáveis”, comenta Davidovich, cuja equipe faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Informação Quântica. Armazenar, transmitir e processar informação explorando as inusitadas propriedades do mundo quântico é uma das apostas da informática do século XXI. Mas há muita pesquisa básica e aplicada a ser feita antes de um possível PC movido a átomos ou fótons se materializar na casa das pessoas.

Artigo científico
FARÍAS, O. J. et al. Determining the dynamics of entanglement. Science Express Reports, publicado on-line em 14/05/2009.

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