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Novos Materiais

Menores e mais eficientes

Nanofibras tornarão mais avançados os processos de filtração de microrganismos e liberação controlada de fármacos

Eduardo CesarManta de nanofibras de polímero possui maior resistência à rupturaEduardo Cesar

Sofisticados filtros capazes de reter vírus, bactérias e partículas sólidas extremamente finas de líquidos ou gases, cápsulas revestidas por membranas bioabsorvíveis que liberam o medicamento no organismo de forma controlada em determinado período de tempo e substratos para crescimento de órgãos e tecidos biológicos são materiais avançados que estão em desenvolvimento em vários pontos do mundo e têm as nanofibras poliméricas como matéria-prima principal. Esse material, que também está em fase de aperfeiçoamento, possui um processo de produção dominado por poucos centros de pesquisa no mundo, incluindo agora o Brasil, por meio do trabalho da equipe da engenheira química Rosario Elida Suman Bretas, professora do Laboratório de Reologia do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A equipe desenvolveu e solicitou a patente de dois tipos de produção de nanofibras por meio de um processo conhecido como eletrofiação, baseado na aplicação de corrente elétrica. O primeiro pedido, relativo à produção de nanofibras de poliamida 66 (ou náilon 66), foi financiado pela multinacional francesa Rhodia, que participou da pesquisa e depositou a patente na França. O segundo, relacionado à produção de nanofibras de nanocompósitos poliméricos de poliamida 66 (PA66) com argila montmollironita (MMT), teve apoio financeiro da FAPESP e foi depositada no Brasil. A poliamida 66 é um polímero largamente usado para produção de fios têxteis, reforço interno de pneus, suturas, cordas e linhas para varas de pesca.

Nanofibras poliméricas são um tipo de fio plástico composto por polímeros ou compostos poliméricos com espessura da ordem de nanômetros (1 milímetro dividido por 1 milhão). São milhares de vezes mais finas do que um fio de cabelo ou uma fibra têxtil comum. Atualmente elas são empregadas por poucas empresas no mundo, entre elas a americana eSpin Technologies, a sul-coreana Nanotechnics e a japonesa Kato Tech, na fabricação de filtros capazes de reter poluentes de dimensões micrométricas. Uma de suas principais características é a elevada área superficial, o que permite uma superfície de contato com o meio externo muitas vezes superior à de fibras produzidas pelos meios tradicionais e com dimensões macroscópicas capazes de serem vistas com o olho humano. “A área superficial por volume ou específica de uma fibra é inversamente proporcional ao seu diâmetro. Isso significa que as nanofibras têm uma maior área para um mesmo volume de fibras, o que é muito importante para diversas aplicações”, explica Rosario Bretas. “Todos os processos ligados a fenômenos de superfície, como filtração, por exemplo, são potencializados pela criação dessa enorme área superficial”, complementa o engenheiro de materiais Thomas Canova, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Rhodia Poliamida.

Assim, quanto maior a área da fibra, por exemplo, maior a quantidade de fármacos liberados no organismo pelas membranas bioabsorvíveis (que são absorvidas pelo organismo humano na forma de cápsulas ou mesmo por adesivos sobre a pele) num determinado período de tempo. O mesmo ocorre com os dispositivos para crescimento de células de órgãos e vasos capilares e para filtração de partículas ou poluentes. Nesse último caso, quanto maior a área da fibra, mais elevada sua quantidade de poros e melhor a retenção de partículas.

Outra característica importante das nanofibras de compósitos poliméricos é a possibilidade de se fabricarem fios com propriedades superiores aos convencionais. Isso é possível porque esses compósitos são produzidos a partir da mistura de um polímero com uma partícula de dimensões nanométricas. Essas partículas, por sua vez, são capazes de melhorar as propriedades mecânicas de um produto, como elasticidade e resistência a ruptura, a capacidade de funcionar como barreira a vários gases, além de elevar a taxa de biodegradabilidade. “É como misturar fibras de vidro ao náilon, para elevar sua resistência”, diz Rosario. A partícula adicionada ao polímero criado pela pesquisadora foi a montmollironita, um tipo de argila que confere ao náilon 66 maior resistência mecânica. O desafio de melhorar as propriedades do compósito está em fazer com que cada nanopartícula se encontre bem dispersa e distribuída por todo o polímero.

EDUARDO CESARNo laboratório, seringa com eletrodo goteja nanofibra para formar mantaEDUARDO CESAR

Embora a poliamida 66 não seja biodegradável, o grupo da UFSCar já está desenvolvendo nanofibras de nanocompósitos poliméricos biodegradáveis e bioabsorvíveis utilizando como matriz os polímeros policaprolactona, poliácido láctico e polihidroxibutirato, entre outros. Em todos os casos, são utilizados a argila montmollironita e os nanotubos de carbono, partículas cilíndricas formadas por folhas de átomos de carbono. “Nosso objetivo principal com esses novos estudos, iniciados há dois anos, é produzir estruturas compósitas poliméricas bioabsorvíveis para suporte de crescimento celular in situ [na própria pele ou na mucosa humana para liberação de drogas ou contribuição no crescimento celular] e compósitos condutores de eletricidade”, conta Rosario.

A parceria com a Rhodia, segundo a professora da UFSCar, foi fundamental para o sucesso da pesquisa. “A empresa forneceu a poliamida 66 sintetizada especialmente para a eletrofiação, ou seja, com peso molecular específico e composição química adequada. Isso permitiu que a solução polimérica tivesse a viscosidade, a condutividade e a tensão superficial ideais para a eletrofiação”, destaca. Segundo a pesquisadora, enquanto fibras poliméricas com diâmetros micrométricos podem ser fabricadas por métodos tradicionais de fiação (fundido e por coagulação, por exemplo), a única técnica capaz de produzir fibras poliméricas nanométricas é a eletrofiação. Esse método, criado há mais de 70 anos, já originou mais de 30 patentes apenas nos Estados Unidos.

Um sistema de eletrofiação consiste basicamente de quatro equipamentos: um capilar, que pode ser uma seringa com agulha, um eletrodo de cobre ou outro metal, uma fonte de alta-tensão de até 30 quilovolts e um aparelho para coletar as nanofibras, como, por exemplo, um tambor rotativo. Durante o processo de eletrofiação, a solução polimérica – o polímero mais o solvente – é colocada dentro do capilar. Em razão  da tensão superficial, ela permanece lá dentro, sem escoar. Em seguida, o eletrodo de metal é imerso na solução e é conectado à fonte de alta-tensão. Uma tensão elétrica é aplicada e, quando determinado campo elétrico é alcançado, a solução polimérica dentro da seringa começa a escoar, formando um jato.

Esse escoamento ocorre porque, quando a tensão elétrica é aplicada à solução polimérica, uma carga elétrica é induzida na superfície da gota na ponta do capilar. A repulsão mútua de cargas produz uma força diretamente oposta à tensão superficial”, explica Rosario. À medida que a intensidade do campo elétrico é aumentada, a superfície da gota da solução na ponta do capilar se estira, adquirindo um formato cônico. No momento em que o campo elétrico atinge um valor crítico, no qual a força elétrica repulsiva supera a força da tensão superficial, um jato da solução polimérica é produzido na ponta desse cone. Enquanto o jato se desloca pelo ar, o solvente da solução polimérica se evapora, formando uma nanofibra polimérica. Essa, por fim, se deposita sob o coletor na forma de uma manta de nanofibras não tecida.

De acordo com Rosario, a eletrofiação é a única técnica conhecida para fabricação de nanofibras poliméricas. Para a produção de nanofibras metálicas, pode-se recorrer à eletrodeposição química. O uso de tensões elétricas relativamente elevadas, a baixa produtividade do processo e a necessidade de utilização de solventes, alguns deles tóxicos, são as principais desvantagens da eletrofiação em comparação aos métodos convencionais de fiação. “Os solventes empregados no processo precisam ser evaporados. Por isso, o ideal é não usar solventes tóxicos. Nas nossas pesquisas, utilizamos água, acetona, diclorometano e ácido fórmico, que não são considerados solventes altamente tóxicos”, diz Rosario, que afirma desconhecer outro grupo de pesquisa brasileiro que tenha conseguido desenvolver nanofibras de compósitos poliméricos de poliamida 66 com montmollironita. “No Brasil, um grupo do Instituto de Química da Universidade de São Paulo já trabalha com essa técnica há muito tempo, mas com outros polímeros.”

MÁRCIA BRANCIFORT / UFSCARMicroscopia eletrônica de nanofibras de nanocompósitos de polímeros com argila montmollironitaMÁRCIA BRANCIFORT / UFSCAR

As pesquisas do grupo da UFSCar contam com a colaboração de pesquisadores de universidades do Brasil e do exterior. Os professores Rodrigo Lambert Oréfice e Alfredo Góes, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estão encarregados de fazer o crescimento de células ósseas nas estruturas compósitas desenvolvidas por Rosario. Outra parceria é com o químico Luc Averous, do Laboratório de Engenharia de Polímeros para Altas Tecnologias da Universidade de Estrasburgo, na França, autor de um novo método de eletrofiação em via de ser patenteado e especialista na síntese de polímeros biodegradáveis e bioabsorvíveis. Nesse caso foi firmado um convênio com duplo objetivo. O primeiro é a utilização em futuras pesquisas de novos polímeros bioabsorvíveis sintetizados por ele e o segundo é a realização de estudos comparativos do método pioneiro de eletrofiação desenvolvido por seu grupo com o dos pesquisadores da UFSCar.

Também foi estabelecida uma parceria com a Universidade de Alberta, no Canadá, que tem como alvo os estudos do engenheiro químico e professor Uttandaraman Sundararaj, que conseguiu desenvolver nanofibras de cobre e prata por um processo de eletrodeposição em óxido de alumina. Com esse material ele conseguiu fabricar nanocompósitos adicionando poliestireno, que podem ser utilizados como sensores piezelétricos (que geram um campo elétrico sob ação de um esforço mecânico), sistemas de descarga elétrica e escudos contra interferência eletromagnética, entre outras aplicações. “A nossa proposta é fazer esses nanocompósitos com nanofibras de compósitos de um polímero condutor com nanotubos de carbono. Os testes elétricos seriam feitos na Universidade de Alberta”, diz Rosario. As parcerias com as universidades de Minas Gerais, França e Canadá contam com o apoio da FAPESP e fazem parte de um projeto temático, coordenado pela pesquisadora e que tem como pesquisadores principais os professores Elias Hage Júnior, Ademar Rúvolo, Luís Pessan e Sebastião Canavarolo Júnior, além da participação do professor José Alexandrino de Sousa, ambos da UFSCar.

Além das duas patentes já requeridas, o projeto para produção de nanofibras poliméricas, iniciado em 2003, rendeu a publicação de quatro artigos científicos em periódicos nacionais e estrangeiros. Outros dois trabalhos já foram apresentados no 41th International Symposium on Macromolecules – Macro2006, realizado no Rio de Janeiro em julho de 2006, e no Annual Meeting of the Polymer Processing Society, ocorrido na Itália em junho de 2008. As pesquisas realizadas na UFSCar também contaram com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financiou três bolsas de estudos.

Os Projetos
1. Sistemas poliméricos nanoestruturados: processamento e propriedades (nº 06/61008-5); Modalidade Projeto Temático; Coordenadora Rosario Elida Suman Bretas – UFSCar; Investimento R$ 1.182.988,99 e US$ 643.499,18 (FAPESP)
2. Obtenção de nanofibras por eletrofiação (nº 07/57359-0); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual; Coordenadora Rosario Elida Suman Bretas – UFSCar; Investimento R$ 6.000,00 (FAPESP)

Artigo científico
Guerrini, L. M.; Branciforti, M. C.; Canova,T.; Bretas, R. E. S. Electrospinning and Characterization of Polyamide 66 Nanofibers with different Molecular Weights. Materials Research. v. 12, n.2. 2009.

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