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Novos materiais

Ourivesaria colorida

Pó de ouro misturado a outros metais resulta em ligas de cores variadas para a fabricação de joias

MIGUEL BOYAYANJoias multicoloridas produzidas pela Jackie-OMIGUEL BOYAYAN

À primeira vista, as peças de ouro colorido lembram pedras de cores surpreendentes, que podem mudar de tonalidade conforme a luz incide sobre elas. Azuis em vários matizes, púrpura furta-cor e outras cores são obtidas em um inovador processo que, em vez da fundição usada na joalheria tradicional, utiliza uma técnica de moagem em alta frequência para produzir pós utilizados na fabricação de joias coloridas. Para conseguir o amarelo ou vermelho, o ouro é misturado com prata ou cobre, ligas bastante utilizadas tradicionalmente. Já para a obtenção de cores diferenciadas como púrpura, o ouro recebe a mistura de alumínio. Com a adição de ferro é obtida a cor azul, com cromo o verde-oliva e com cobalto o preto. “A escolha do metal depende da cor desejada”, explica o engenheiro metalurgista Edval Gonçalves de Araújo, da empresa Jackie-O Joias, que desde 2003 pesquisa a técnica para a obtenção do ouro colorido, inicialmente em parceria com o também engenheiro metalurgista Ricardo Mendes Leal Neto e a física Eneida da Graça Guilherme. “A alteração de algumas condições de processamento permite, por exemplo, obter um verde intenso também com o cobalto”, explica Leal Neto, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e sócio cotista da empresa Alluvium.

A mistura do ouro com outros metais é necessária porque o ouro puro, de 24 quilates, é extremamente flexível. “É um metal tão maleável que se apenas 30 gramas de ouro fossem esticados resultariam em um fio superfino com 100 quilômetros de extensão”, diz Araújo. O de 18 quilates, usado na fabricação de joias, é composto por 75% de ouro e 25% de outros metais. A mesma proporção é usada na nova técnica que dispensa a metalurgia de fundição para a obtenção das ligas de ouro. “Os metais que compõem os 25% restantes, em vez de cobre, prata, paládio e platina usados na ourivesaria convencional, foram substituídos por cromo, ferro, cobalto, entre outros”, relata Araújo.

A primeira etapa do processo é a formação da liga por meio da moagem de alta energia. Dentro de um moinho vibratório, pequenas esferas de aço colidem e fornecem energia à mistura de pós para formar a liga no estado sólido. No final de algumas horas cada partícula de pó apresenta a mesma composição química de todo o material. Esse pó que sai do moinho vai para uma prensa onde é compactado a uma pressão de 2 a 7 toneladas por centímetro quadrado, onde são feitas peças no seu formato final ou chapas de 20 por 25 milímetros e 1,3 milímetro de espessura. As peças são aquecidas em forno abaixo da faixa de fusão, etapa denominada sinterização ou queima. No caso das chapas, após a sinterização, elas podem ser laminadas, chegando a até 0,1 milímetro de espessura, e trabalhadas com processos convencionais de ourivesaria para formar as joias.

Quando as peças saem do forno elas são brancas. A cor da liga só aparece quando o material recebe tratamentos térmicos em temperaturas que variam de 100 a 700 graus Celsius (ºC), formando óxidos superficiais nas diferentes cores. A mesma peça pode ter uma cor homogênea ou tons dégradés. O processo permite mudar a cor da joia de acordo com o gosto do cliente. Uma aliança branca de noivado, por exemplo, pode ser transformada em dourada no casamento. Ou ainda nas cores púrpura, azul-claro, azul-escuro, cinza e preto. Para que as joias coloridas tenham proteção contra o desgaste natural dos óxidos metálicos, uma resina especial, que funciona como uma espécie de selante, foi desenvolvida para recobrir as peças prontas.

Uma das vantagens em utilizar a técnica de moagem de alta energia na fabricação de joias é a obtenção de ligas que, pelas técnicas tradicionais de fundição, necessitariam de temperaturas de fusão completamente diferentes. Se no processo de fundição convencional fossem utilizados metais como ferro, cobalto e níquel, a temperatura de fusão seria superior a 1.200 ºC. Já com o pó da liga produzido por moagem a temperatura de sinterização fica em torno de 1.000 ºC.

Com a moagem de alta energia técnica, também conhecida como mechanical alloying, é possível produzir várias ligas metálicas. A técnica faz parte de uma área conhecida como metalurgia do pó e é usada, por exemplo, na fabricação de peças de carros. Para essa finalidade, os pós de aço, ferro e bronze são compactados em uma prensa hidráulica de alta tonelagem para moldar a peça, que segue então para um forno com atmosfera controlada para sinterização do material. A partir daí são feitas as operações de acabamento e a peça está pronta. “O processo não é novo, mas ele ainda não tinha sido utilizado para a obtenção de ligas de ouro coloridas”, diz Leal Neto.

EDUARDO CESAJoias multicoloridas produzidas pela AlluviumEDUARDO CESA

Alta energia
Araújo aplicou o pro­cesso de moagem de alta energia durante o mestrado feito no Ipen, no começo da década de 1990. A técnica foi escolhida por ele para a produção de um agente expansor para argamassas feito a partir de escória de alumínio, destinado à construção civil, projeto apoiado pela FAPESP, iniciado em 2001 e encerrado em 2002 (ver Pesquisa FAPESP nº 81). Leal Neto trabalhou com compostos intermetálicos, categoria em que se enquadram algumas ligas de ouro coloridas, durante o seu doutoramento no Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais do Ipen, iniciado em 1993.

Os dois juntaram os conhecimentos na área e, em parceria com Eneida Guilherme, criaram a empresa Regulus Ars com o intuito de obter ligas de ouro colorido, projeto financiado pela FAPESP na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe), iniciado em novembro de 2003. Na primeira fase eles conseguiram obter pós e pequenas amostras sólidas nas cores azul, vermelha e púrpura. Quando o projeto passou para a segunda fase, a empresa se instalou no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), sediado no Ipen, no campus da Universidade de São Paulo, na capital paulista. Paralelamente um outro projeto Pipe, coordenado por Araújo, para a fabricação de artefatos de ouro colorido, foi aprovado em 2004.

A parceria entre os sócios da Regulus foi desfeita em 2006. Duas novas empresas nasceram com essa cisão. Leal Neto e outros sócios criaram a Alluvium, que ficou abrigada no Cietec até julho deste ano, e deram continuidade ao primeiro projeto Pipe, encerrado em abril de 2008. “Fabricamos algumas joias para demonstrar a viabilidade da técnica”, diz Leal Neto. Araújo criou a empresa Jackie-O, instalada na Incubadora Tecnológica de Empresas de Sorocaba (Intes), no interior paulista. Com a nova empresa, ele deu continuidade ao projeto Pipe que coordenava, encerrado em julho deste ano.

O processo para a fabricação dos pós de ouro colorido é o mesmo utilizado pelas duas empresas. Mas a partir daí tanto a Alluvium como a Jackie-O começaram a desenvolver suas próprias ligas e técnicas para a obtenção dos produtos de ouro colorido. Atualmente os sócios da Alluvium estão em busca de colaborações para desenvolver aplicações para o material. “Uma das nossas futuras parcerias deverá ser com a joalheira Silvia Furmanovich”, diz Leal Neto. “Como gosta de trabalhar com novos materiais, ela está muito confiante nas possibilidades de utilização dos pós de ouro colorido em joias diferenciadas.” Além de fabricar insumos para a confecção de joias, a empresa tem como estratégia desenvolver a aplicação do produto em outras áreas, como a cerâmica. Nesse caso, os pigmentos seriam empregados na pintura de azulejos de alto padrão. Na avaliação de Leal Neto, é preciso fazer um trabalho de marketingpara que o consumidor conheça o ouro colorido, já que inicialmente os engastes coloridos misturados ao ouro amarelo podem ser confundidos com resinas e outros materiais menos nobres.

Araújo também aposta na divulgação para colocar suas peças de ouro colorido no mercado. Em parceria com o ourives Rodolfo Penteado e o engenheiro de materiais Oswaldo Vilela da Silva Junior, desenvolveu uma coleção, composta de brincos, pingentes, colares e alianças. A própria empresa Jackie-O vai se encarregar da produção e distribuição das joias coloridas. “A expectativa é colocar o nosso produto no mercado até o final deste ano”, diz Araújo. Para isso, contratou uma empresa júnior da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, que fará o planejamento de comunicação do produto, e a consultoria da Fundação Getúlio Vargas, encarregada da análise mercadológica.

Os projetos
1. Obtenção de ligas de ouro colorido por moagem de alta energia (nº 03/02133-6); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe); Coordenador Eneida da Graça Guilherme – Alluvium; Investimento R$ 325.664,02 (FAPESP)
2. Processo para manufatura de artefatos de ouro colorido (nº 04/14290-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe); Coordenador Edval Gonçalves de Araújo – Jackie-O; Investimento R$ 497.965,02 (FAPESP)

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