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Física

Partículas rebeldes

Comportamento de átomos pode prejudicar o funcionamento de computador quântico

MIGUEL BOYAYANUma descoberta recente da equipe de Luis Gustavo Marcassa arrefeceu o ânimo dos pesquisadores empenhados no desenvolvimento teórico e experimental de um computador quântico produzido com átomos mantidos em condições muito especiais. Esse equipamento se vale das propriedades das partículas para realizar cálculos e, acreditam os físicos, poderá no futuro substituir os computadores atuais com vantagens em determinadas situações. Em experimentos feitos no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, o grupo de Marcassa identificou uma variação sutil no comportamento do sistema considerado ideal para funcionar como processador de um computador quântico. Apesar de pequena, essa oscilação seria suficiente para comprometer o desempenho desses computadores do futuro. Os físicos de São Carlos, no entanto, não se acomodaram depois de encontrar o problema e já começam a propor formas de resolvê-lo.

Num teste aparentemente simples, Marcassa, Valter Aragão do Nascimento e Lucas Caliri aprisionaram com lasers e campos magnéticos uma nuvem de apenas 10 mil átomos do elemento químico rubídio, mantidos a temperaturas baixíssimas – cerca de 10 microKelvin ou 10 milionésimos de grau acima do zero absoluto (-273,15 graus Celsius), quando as partículas apresentam o mais baixo nível de energia possível. Em seguida, iluminaram os átomos com um laser infravermelho e outro azul, excitando-os. Esse procedimento transfere energia para o mais externo de seus 37 elétrons – as partículas fundamentais mais leves conhecidas, de carga negativa, que orbitam o núcleo, formado por partículas de carga positiva (prótons) e neutra (nêutrons).

Energizado, o elétron mais externo do rubídio salta para uma região periférica bem mais distante do núcleo. O afastamento desse elétron faz o átomo aumentar de tamanho cerca de 10 mil vezes e medir quase 1 milésimo de milímetro (micrômetro), tornando-se quase do tamanho de uma bactéria. O novo átomo, inflado como um balão de festa, recebe o nome de átomo de Rydberg – homenagem ao físico sueco que o previu, Johannes Rydberg – e passa a se comportar de maneira muito especial. Ele apresenta maior sensibilidade a campos elétricos e a campos magnéticos, o que permite interagir com átomos distantes.

“Esses átomos interagem a distâncias muito grandes [alguns micrômetros] e torna-se possível distinguir cada um deles e selecionar aquele em que se deseja codificar determinada informação”, explica Marcassa. Devidamente manipulados, conjuntos de dois átomos de Rydberg podem compor a unidade de informação do computador quântico – o bit quântico ou qubit. Essa seletividade, segundo Marcassa, é vantajosa porque permitiria trabalhar ao mesmo tempo com informações diferentes codificadas nas duplas de átomos, conferindo grande poder de processamento ao computador.

O problema é que no mundo real nem tudo funciona como prevê a teo­ria. Ao iluminar com laser os 10 mil átomos, os físicos de São Carlos notaram que uma pequena parcela – de 2% a 3% – atingia um nível mais energético ou menos energético do que o desejado. “É preciso tomar cuidado caso se queira construir um computador quântico usando átomos de Rydberg”, afirma Marcassa, que descreveu esses resultados em artigo publicado em maio na Physical Review Letters. Segundo o físico, os poucos átomos em níveis de energia diferentes do desejado já seriam suficientes para atrapalhar o funcionamento de um computador quântico. “Para fazer várias operações é preciso ter controle exato do nível de energia dos átomos”, explica o pesquisador de São Carlos.

Felizmente, esse problema parece ter solução. Adicionando um campo elétrico extra à armadilha, o grupo da USP conseguiu reduzir a proporção de átomos que não atinge o nível de energia desejado. Mas os físicos ainda não estão plenamente satisfeitos. “Estamos procurando outras saídas”, diz Marcassa. Uma delas, ainda em fase de desenvolvimento, exige a aplicação de micro-ondas numa frequência quatro vezes maior que a usada nos fornos de micro-ondas domésticos.

O projeto
Gases bosônicos e fermiônicos em armadilhas ópticas (nº 07/03758-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coordenador Luis Gustavo Marcassa –  IFSC-USP; Investimento R$ 404.233,90 (FAPESP)

Artículo científico
NASCIMENTO, V.A. et al. Electric field effects in the excitation of cold Rydberg-atom pairs. Physical Review Letters. v. 102, p. 213.201-1- 213.201-4. 29 may. 2009.

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