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Memória

Enigmas do espaço

Há 100 anos começavam as pesquisas sobre raios cósmicos

Fordham University

Hess posa em um balãoFordham University

De simples curiosidade científica, os raios cósmicos têm hoje um extraordinário status dentro das pesquisas físicas. Eles podem ajudar a saber quais são os mecanismos de produção e aceleração das partículas mais energéticas até hoje na natureza, além de contribuir para a nossa compreensão de processos raros, tais como as flutuações quânticas do espaçotempo. O maior laboratório a céu aberto do mundo, o Observatório Pierre Auger, localizado nos pampas argentinos, foi concebido para tentar responder às perguntas que foram surgindo sobre o fenômeno. No início do século XX, no entanto, o que se desejava era apenas medir a radiação natural do ambiente. Sabia-se que o subsolo tem elementos químicos que emitem radiação e acreditava-se que essa força diminui quando nos afastamos da superfície. O físico alemão Theodor Wulf fez uma primeira experiência em 1910: levou um eletroscópio (detector de radiação) à torre Eiffel,  300 metros acima do solo. Descobriu que a radiação era menos intensa no alto  do que no chão, confirmando o que se pensava na época.

O físico austríaco Victor Hess decidiu tentar algo mais radical e fez 10 voos levando um eletroscópio  e uma tripulação de três homens. Em um deles,  no dia 7 de agosto de 1912, constatou que a 5 mil metros de altura o nível de radiação era 16 vezes maior que no solo – quanto mais alto, menos atmosfera  há para nos blindar da radiação. “Os resultados dessas observações parecem ser mais bem explicados  por uma radiação de  grande poder penetrante entrando na nossa atmosfera”, escreveu Hess. Em 1936 ele ganhou o Nobel pela descoberta.

“O grande mérito  de Hess foi ter a audácia  de interpretar aquele  fenômeno corretamente”, diz Carlos Escobar, físico  da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)  e um dos líderes do consórcio internacional  de 19 países que gere  o projeto Auger. Antes do reconhecimento a Hess, houve uma discussão  sobre a natureza dos raios cósmicos que chegou à primeira página do New York Times. Robert Millikan achava que eles eram  uma forma de radiação eletromagnética, como  os raios gama. Mas Arthur Compton demonstrou que eram partículas carregadas e encerrou o debate, em 1932.

Unicamp

César Lattes expondo chapa em ChacaltayaUnicamp

As experiências do francês Pierre Auger  foram o divisor de águas  da física de radiação cósmica, segundo Escobar. Ele espalhou detectores distantes uns dos outros  no Pic du Midi, nos Alpes, em 1935, e notou que todos disparavam juntos. “Para Auger, havia partículas com uma energia extraordinária entrando na atmosfera,  se chocando com outras partículas e provocando uma chuva de partículas secundárias.” O francês chamou o fenômeno de chuveiros aéreos extensos. Em 1939, os brasileiros Marcello Damy, Paulus Pompeia e o russo Gleb Wataghin detectaram no túnel da avenida 9 de Julho, em São Paulo, os chuveiros penetrantes – partículas capazes de atravessar o solo (leia reportagem sobre Damy na página 58).

A maior repercussão desses trabalhos no Brasil ocorreu em 1947, quando César Lattes e o italiano Giuseppe Occhialini detectaram o méson-pi  nos Pireneus, em equipe liderada pelo inglês Cecil Powell. Lattes confirmou  a existência dessa partícula na montanha Chacaltaya, na Bolívia. O brasileiro soube usar o prestígio adquirido e foi um dos criadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio,  e de laboratórios na Universidade de São Paulo, Unicamp e Chacaltaya.

Os estudos sobre radiação cósmica avançaram até surgir o Observatório Pierre Auger, em 2005.  O objetivo do projeto é investigar as partículas cósmicas de energia altíssima – 1020 elétrons-volt, o 1 seguido de 20 zeros –, muito mais raras de serem detectadas do que as de baixa energia. Estas  últimas atingem a Terra  aos bilhões a cada segundo. Os pesquisadores do Auger  já descobriram em 2007 que as partículas de alta energia vêm de galáxias vizinhas  à Via Láctea (leia Pesquisa FAPESP nº 142). Agora, entre outras dúvidas, é preciso saber que tipo de partículas elas são exatamente.

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