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Energia

Eletricidade armazenada

Empresa desenvolve bateria para veículos elétricos e sistemas solares e eólicos

eduardo cesarBateria da Electrocell, indicada para ônibus e caminhãoeduardo cesar

Conhecimento e experiência são dois fatores importantes para o desenvolvimento tecnológico e estiveram muito presentes na idealização e construção de um novo tipo de bateria, fabricado pela primeira vez no Brasil, capaz de armazenar eletricidade em veículos elétricos. A novidade foi desenvolvida na empresa Electrocell, em São Paulo, nascida há 12 anos, com engenheiros vindos de áreas de baterias industriais e tratamento de superfície, e especializada no desenvolvimento e construção de células a combustível, equipamento que produz energia elétrica com hidrogênio, numa reação química entre esse gás e o oxigênio atmosférico. São geradores que não emitem poluentes e trabalham de forma silenciosa e sem vibração e tanto podem ser estacionários numa residência, empresa ou evento como geram eletricidade no interior de um veículo. A empresa já vendeu cerca de 75 dessas células, a maioria para empresas e instituições de pesquisa, com o intuito de demonstração dessa tecnologia ainda experimental que passa por evoluções em todo o mundo.

As baterias da Electrocell são formadas por placas bipolares de grafite para uso em veículos e também para armazenar eletricidade em sistemas de energias renováveis, como solar e eólica. “Elas são indicadas para veículos 100% elétricos, principalmente para ônibus e caminhão, em nichos de mercado como no uso pelos correios, companhias de energia, empresas de entrega e carros de golfe, por exemplo”, diz o engenheiro Gerhard Ett, pesquisador e sócio da Electrocell. “A nossa bateria foi concebida para suprir com baixo custo sistemas de energia. Ela armazena eletricidade por meio de recarregamento em uma tomada, no caso dos veículos, ou a gerada em painéis solares durante o dia, ou ainda de geradores eólicos.”

“As nossas baterias bipolares podem custar de 15% a 25% do preço das baterias de íon de lítio, as mais utilizadas em equipamentos de ponta, desde veículos até celulares”, diz o engenheiro Gilberto Janólio, outro sócio-pesquisador da Electrocell. “As baterias de lítio são insuperáveis em termos de densidade de potência que elas podem armazenar, mas  o custo e duração da nossa compensam o seu uso”, diz Ett. Elas foram inspiradas nas baterias de chumbo-ácido industriais, que servem, por exemplo, para suprir estações telefônicas por algumas horas quando cai o sistema de abastecimento de energia. Baterias como essas também equipam pequenos veículos elétricos usados nos estádios de futebol para retirar jogadores contundidos do gramado ou em campos de golfe e eventos. “As nossas possuem bem menos chumbo que as tradicionais e duram muito mais tempo”, diz Ett. A pesquisa realizada dentro da empresa resultou na colocação de camadas finas de óxido de chumbo sobre as placas de grafite. “Essa é uma evolução das baterias de chumbo, um material 100% reciclável e reaproveitado, e ela está dentro dos padrões ambientais europeus”, diz Janólio.

Para desenvolver a bateria, os pesquisadores da empresa paulistana se utilizaram das placas bipolares de grafite usadas nas células a combustível, que fazem a condução e distribuição do hidrogênio dentro do equipamento. Elas também fazem a ligação entre um conjunto de uma membrana de polímero para troca de prótons e eletrodos, conhecido pela sigla MEA em inglês.

Na bateria, as placas de grafite possuem uma fina camada de chumbo e alguns aditivos e, como nas células, formam um conjunto único. “O uso do conceito da célula na bateria é inédito”, diz Ett. “Hoje cada placa custa € 20, enquanto a que fabricamos sai a R$ 2”, diz o pesquisador. A nova concepção de bateria possui uma durabilidade de 1.000 ciclos de carga. Cada ciclo significa descarregar totalmente e recarregar mil vezes, enquanto as tradicionais de chumbo automotivo chegam a 100 ciclos. “A energia despendida pela nossa bateria é de 60 watts-hora (Wh) por quilo, ante 85 Wh da bateria de lítio”, diz Janólio. O valor da bateria da Electrocell para os futuros clientes é de US$ 200 o quilowatt-hora (kWh), enquanto as de lítio custam entre US$ 600 e US$ 1.200, segundo valores do mercado internacional captados pela empresa.   A nova bateria já teve patente aceita pelo Tratado de Cooperação em Patentes (PCT, na sigla em inglês), que permite o depósito desse documento em centenas de países. “Nós já tínhamos a patente das placas para células a combustível e agora fizemos uma ampla depositada em todo o mundo”, diz Ett. “Queremos o mercado internacional e estamos negociando o licenciamento da patente com várias empresas no Brasil e no exterior. Esse é um processo demorado e é preciso cuidado”, diz. O financiamento da pesquisa com a nova bateria saiu do próprio caixa da Electrocell, empresa que nasceu incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) e hoje está instalada no Pré-Parque Tecnológico,  na Cidade Universitária. “Mas tivemos apoio da FAPESP no desenvolvimento das placas de grafite para as células, que contribuiu para a criação da bateria”, conta Ett. Um projeto realizado entre 2004 e 2008 que faz parte do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe).

O foco principal da empresa continua nas células a combustível. Mas eles vão continuar a desenvolver baterias específicas. Uma que está em projeto é destinada a veículos híbridos a álcool em que conviveriam no mesmo carro o motor com o biocombustível e as baterias elétricas que ainda proveem poucos quilômetros (km) de autonomia. As células a combustível também são uma opção para compor veículos que podem ser plugados numa tomada para reabastecer e ganhar mais autonomia com o hidrogênio. Da mesma forma, um pequeno motor a gasolina ou a álcool pode  suprir o veículo com energia suficiente para rodar bem mais de 100 km. “A autonomia proporcionada pelo álcool, pela gasolina e pelo diesel é muito alta em comparação aos veículos puramente elétricos dotados apenas de bateria.” As células a hidrogênio estão numa posição intermediária, porém estão em primeiro lugar no quesito baixa emissão de poluentes. O único resíduo das células é vapor-d’água.

Um impeditivo para um maior uso de células é o custo alto, embora esses preços tenham caído. Existem previsões para 2013 em que os preços caiam em até 90% em comparação a valores de 2003, segundo a Nucellsys, do grupo alemão Daimler, controladora da Mercedes-Benz, que desenvolve e produz células. Os preços podem declinar com  o avanço no estudo de materiais e da economia de escala. “A energia renovável será um pouco mais cara e não terá, pelo menos a curto e médio prazo, o mesmo custo que a energia convencional. Assim o ganho de escala é fundamental e para isso as compras do governo são importantes num período de transição até para mostrar para a iniciativa privada que é possível a economia sustentável”, diz Janólio. A própria Electrocell coloca seu preço em relação à quantidade. “Cinquenta células de 5 quilowatts (kW) custam US$ 6 mil o kW. Células maiores, de 50 kW, e também em 50 unidades, saem por US$ 5 mil o kW”, diz Ett. Células individuais, é claro, custam muito mais. As maiores fabricadas pela empresa até agora foram feitas para órgãos públicos ou que tiveram financiamento igualmente público, como a Eletrobras e, a maior de todas, a do ônibus da Coppe-UFRJ, com 77 kW (ver matéria). Outra, de 50 kW, para funcionar como um gerador, foi produzida para a AES Eletropaulo, dentro de incentivos governamentais (ver Pesquisa Fapesp nº 92).

O Projeto
Desenvolvimento de compósitos de grafite injetado aplicados em processos eletroquímicos (nº 04/09113-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Volkmar Ett – Electrocell; Investimento R$ 408.655,56 e US$ 30.883,15 (FAPESP)

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