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Carta da editora | 174

Ciência em forma de aventura

Existem múltiplas formas de disseminação do conhecimento científico na sociedade e, talvez, uma das que o Brasil mais tenha tardado em descobrir seja a dos livros de divulgação. Falo em especial daqueles volumes belamente escritos em linguagem decifrável por leigos, com formas narrativas que não descuidam do ritmo para capturar o leitor e, se possível, mantê-lo aprisionado até o final. De livros que sem pudores lançam mão de diferentes artimanhas estilísticas da ficção e não mostram o menor pejo em pegar trilhas por diferentes estruturas dramáticas para fazer da pesquisa científica uma saga extraordinária marcada por infindáveis peripécias. E tanto faz se as aventuras acontecem nos amplos domínios cosmológicos, nas microdimensões do interior da célula humana ou nas altas escarpas da álgebra. Todos os campos, em princípio, guardam chaves e portas por onde se pode alcançar o leitor não especializado e ampliar a cultura científica na sociedade.

O que para nós há de alvissareiro agora nesse território é que o mercado brasileiro de livros de divulgação científica ganhou fôlego na última década e deve crescer, conforme constatação do nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, autor da reportagem de capa, a partir da página 18. Alertado por dicas quase simultâneas do pró-reitor de Graduação da Universidade Estadual de Campinas, Marcelo Knobel, coordenador da coleção de divulgação científica da Editora da Unicamp, e do físico Cylon Gonçalves, que, entre múltiplas atividades, neste momento também coordena coleção similar da pequena editora Oficina de Textos, Fabrício saiu em busca do que havia, de fato, nesse campo dentro das fronteiras nacionais. E retornou de sua investigação com boas notícias, mesmo que o desempenho do mercado nacional, como ressalva, ainda esteja a anos-luz do que se passa nos Estados Unidos, no Reino Unido ou até na vizinha Argentina. Vale a pena conferir.

Em ciência, o destaque desta edição centra-se num tema em que até aqui são muito parcas as boas notícias: HIV/Aids. Entretanto, a busca por uma vacina contra o vírus que nas últimas três décadas infectou 60 milhões de pessoas e provocou a morte de 27 milhões delas recrudesceu de dois anos para cá, e hoje novas estratégias renovam a esperança de que algum dia se chegue efetivamente a um produto que represente uma proteção eficaz contra a doença. Detalhes dessas estratégias estão no relato de nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, que conta também, a partir da página 40, quais são os grupos internacionais que se encontram à frente dessa busca e que brasileiros participam dela.

Quero recomendar atenção à reportagem sobre o radar meteorológico do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), projetado e desenvolvido pela empresa paulistana Atmos. Como narra o editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, a partir da página 66, o equipamento faz o monitoramento de nuvens, das tempestades que se aproximam, velocidade dos ventos e, entre outras medições, é capaz de prever chuvas com até três horas de antecedência, o que faz dele instrumento de enorme importância para a Defesa Civil e a prevenção de tragédias ligadas às condições meteorológicas.

Por fim, convido-os a voltar à seção de política para que possam ler a reportagem que faz um balanço crítico do Programa Genoma FAPESP, 10 anos depois de seu projeto pioneiro, o da Xylella fastidiosa, ter sido tema de capa da revista Nature e ter colocado a ciência brasileira, como jamais até ali, no mapa da produção mundial de conhecimento relevante – aliás, a Nature lembrou o feito e seus produtivos desdobramentos em editorial na edição de 15 de julho. O projeto da X. fastidiosa, a propósito, teve componentes da mais pura aventura, com o que voltamos ao começo de nossa carta.

Boa leitura!

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