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Bioenergia

O Etanol que mobiliza o mundo

Conferência exibe o esforço do Brasil e de outros países em busca de novas formas de produzir biocombustíveis

Eduardo CesarMomento raro: cana florida na serra da MantiqueiraEduardo Cesar

Dez imensos cartazes com fotos de cana-de-açúcar pendurados no teto amenizaram a formalidade do saguão do centro de convenções de Campos do Jordão, cidade montanhosa a 173 quilômetros de São Paulo, e lembravam que o Brasil detém a mais alta eficiência da tecnologia de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar no mundo. Ainda há uma distância confortável com outros países, mas as apresentações e as conversas que ocuparam o saguão e as salas anexas ao longo dos quatro dias da 1a Conferência Brasileira de Ciência e Tecnologia em Bioenergia (Brazilian BioEnergy Science and Technology Conference – BBEST), em agosto, indicaram que a corrida por novas formas de produção de mais biocombustíveis – de gramíneas e de outras plantas como sorgo, soja, batata-doce e tabaco – se intensificou.

No Brasil e em outros países, plantas piloto ou de demonstração, ampliando a escala de produção de tecnologias que se mostraram bem-sucedidas em laboratório, estão em construção ou já em funcionamento – uma delas, na Dinamarca, usando palha de milho. A BP (British Petroleum) está construindo na Flórida, nos Estados Unidos, a primeira fábrica de etanol celulósico, que deve entrar em operação comercial em 2013, usando como matéria-prima uma gramínea nativa, o capim-elefante. “Todas as alternativas apresentadas até agora têm um custo econômico e/ou ecológico maior que o sistema brasileiro de fermentar a sacarose da cana”, comentou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, em uma entrevista ao jornal O Globo. Segundo ele, a tecnologia brasileira de produção do álcool de cana-de-açúcar não deve ser superada tão cedo. Na conferência de abertura, o físico José Goldemberg reiterou: “A produção de etanol de milho nos Estados Unidos usa muita energia fóssil, o que torna a produção brasileira, cuja matéria-prima é a cana-de-açúcar, muito mais vantajosa do ponto de vista econômico e da sustentabilidade, uma vez que as usinas produzem energia a partir do bagaço da cana e são praticamente autossuficientes”.

Neste mês de setembro, a usina piloto do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, deve entrar em operação. Seu propósito é desenvolver a produção de etanol celulósico – ou de segunda geração – em reatores de 100 a mil litros. “Estamos trabalhando intensamente com empresas do setor”, disse Marcos Buckeridge, diretor científico do CTBE e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol.

As equipes das empresas também estão se movimentando. A Oxiteno desenvolveu um aditivo para usar com etanol em motores a diesel e agora trabalha para ampliar a escala de produção e iniciar a comercialização o mais breve possível. A Amyris Brasil aposta na produção de biodiesel e de bioquerosene para aviões transformando o caldo da cana-de-açúcar por meio de microrganismos geneticamente modificados.

Os trabalhos do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) conseguiram integrar dois grupos de pesquisadores antes distantes – os especialistas em melhoramento clássico, de um lado, e os de análise genômica, de outro. “Estamos superintegrados e fazendo experimentos que nunca tínhamos imaginado”, afirmou Glaucia Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e uma das coordenadoras do Bioen. Um dos estudos foi a análise de 620 genótipos das variedades de cana cultivadas pela equipe da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa), um consórcio de universidades federais dedicado ao melhoramento genético de cana, em colaboração com empresas (ver a reportagem “Viva a diferença”), com informações sobre o programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar do Instituto Agronômico). A análise indicou quais variedades poderiam acumular açúcar e fazer fotossíntese ao mesmo tempo, sendo mais produtivas – normalmente, o acúmulo de açúcar no colmo inibe a fotossíntese da cana.

Produtividade
O Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia, anunciado em dezembro de 2009, avança, com investimentos conjuntos do governo paulista, das universidades estaduais e da FAPESP (ver Pesquisa FAPESP nº 168). Segundo Luís Cortez, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador adjunto de programas especiais da FAPESP, as universidades estão fazendo os editais para selecionar e contratar os pesquisadores e, ao mesmo tempo, construindo os laboratórios do novo centro. “A previsão é que até o final do próximo ano os laboratórios já estejam prontos para os pesquisadores começarem a trabalhar”, diz ele.

O objetivo geral dessas iniciativas é o mesmo: ampliar a produtividade de biocombustíveis no Brasil, que agora é o segundo país, não mais o primeiro, em volume de produção de etanol. Desde 2005 os Estados Unidos assumiram a dianteira com seu etanol de milho, embora com produtividade menor e custos maiores. Rubens Maciel Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que integra o Bioen, disse que a produtividade de etanol por hectare por ano no Brasil poderia passar dos atuais 6 mil litros para 14 mil litros “com a adoção de tecnologias inovadoras”. Ele apresentou duas: a fermentação a vácuo e o uso de enzimas produzidas pelo fungo Aspergillus niger para degradar a celulose do bagaço de cana.

Elba Bon, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estima ser possível extrair mais 36,5 litros de etanol por tonelada de cana, de onde já se extraem 80 litros de etanol, usando 12% do volume de bagaço (a maior parte é queimada para gerar eletricidade nas usinas) e 50% da palha de cana (metade permanece sobre o solo). “Podemos dobrar a produção sem aumentar a área plantada usando também resíduos de milho e de trigo.”

Eduardo CesarMontanhas de bagaço (ao lado, palha de cana): fonte de etanol, se os fungos ajudaremEduardo Cesar

Seu grupo da UFRJ desenvolveu novas técnicas de pré-tratamento de bagaço e palha, por meio da moagem seca ou com água. A biomassa moída é colocada sob a ação de enzimas que agem sobre a celulose e produzem xarope de glicose, que poderia entrar na linha de produção regular de etanol e lignina. “Precisamos de um método de separação contínua, em escala maior e economicamente viável”, comentou. A equipe avaliou vários fungos que produzem enzimas que degradam a celulose e identificou uma linhagem bastante promissora de Tricoderma trazida da Amazônia. Agora o desafio – desse e de outros grupos no Brasil e em outros países – é produzir enzimas em grande quantidade e a baixo custo.

Os representantes de centros de pesquisa, do governo e de empresas dos Estados Unidos mostraram que têm metas ambiciosas. “Podemos nos tornar os melhores”, afirmou Nicholas Carpita, pesquisador da Universidade Purdue, que trabalha em métodos catalíticos de produção de etanol celulósico. “Há muitas oportunidades para aumentar a produção e a diversificação de biocombustíveis”, disse Chris Somerville, diretor da Energy Biosciences Institute (EBI), empresa de pesquisa em biocombustíveis criada em 2007 na Universidade da Califórnia em Berkeley (ver Alternativas em construção) Bruce Dale, da Universidade Estadual de Michigan, apresentou um método de pré-tratamento de biomassa usando amônia quente concentrada, que, segundo ele, já se encontra em fase piloto de testes e se mostrou “muito eficiente” para retirar açúcares de resíduos agrícolas como palha de trigo e de duas gramíneas nativas dos Estados Unidos, a switchgrass e a Miscanthus.

Foco único – “Nosso objetivo é catalisar a transformação do sistema de energia e assegurar a liderança dos Estados Unidos em energia limpa”, disse Sharlene Weatherwax, diretora de ciências biológicas e ambientais do Departamento de Energia (DOE). O DOE procura integrar a pesquisa básica e tecnológica para que as descobertas científicas resultem em aplicações comerciais. O Office of Science, ao qual ela responde, apoia 27 mil estudantes de pós-graduação, 26 mil pesquisadores em instalações multiusuários como laboratórios e plantas piloto, 300 instituições acadêmicas e 17 laboratórios próprios de pesquisa. “Há um foco único e um trabalho multidisciplinar, baseado em uma ciência de equipes”, afirmou.

O DOE divulgou em agosto o documento U.S. billion-ton update: biomass supply for a bioenergy and bioproducts industry, organizando as ações de universidades, empresas e governo para ampliar a produção de combustíveis a partir de biomassa, inclusive resíduos urbanos e florestais, nos próximos 20 anos. Também em agosto o presidente Obama anunciou que os departamentos (equivalentes a ministérios no Brasil) de Agricultura, Energia e Marinha poderão investir até US$ 510 milhões nos próximos três anos, em parceria com empresas, para desenvolver biocombustíveis para embarcações militares e transportes comerciais.

Na Holanda, a equipe da BE-Basic, consórcio de 26 universidades e empresas, trabalha em uma planta piloto, prepara uma planta de demonstração de aproveitamento de biomassa e amplia as colaborações internacionais – a mais recente, anunciada no BBEST, com pesquisadores brasileiros, por meio da FAPESP. Na Dinamarca, o grupo Dong Energy inaugurou em 2009 a Inbicon, uma refinaria que transforma 30 mil toneladas de palha de milho por ano em 5,4 milhões de litros de etanol celulósico e 13 mil toneladas de pellets de lignina, usados para alimentação animal. Henning Jorgensen, da Inbicon, apresentou a refinaria, que, ele disse, poderia usar bagaço de cana; em seguida, um pesquisador da plateia comentou que o objetivo deles não era processar bagaço, mas vender a tecnologia para o Brasil.

“Estamos perdendo competitividade”, disse Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Segundo ele, os custos de produção subiram 35% desde 2005, por causa da competição por terras e aumento nos custos com mão de obra e fertilizantes. Jank disse que está procurando tecnologias para reduzir custos, mas tem encontrado dificuldades para avançar. “O volume de pesquisa é pequeno. Sim, 500 pesquisadores estão aqui, mas poderiam estar mobilizados em um ou dois grandes projetos. A pesquisa ainda é fragmentada em pequenos projetos. Precisamos de grandes projetos em sistematização da cana, uso de palha e fermentação. Temos problemas urgentes para resolver.”

Maciel Filho enfatizou a importância de articular a cadeia de conhecimentos em ciência e tecnologia para melhorar a produção e produtividade do etanol no Brasil. “Nossa posição é boa, mas será desafiada em breve”, comentou Francisco Nigro, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Nigro, que participou do desenvolvimento do carro a álcool, também enfatizou a necessidade de incentivo à pesquisa, a políticas públicas, à integração de equipes e ao consumo de etanol.

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