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Carta da editora | 199

As excitantes narrações da ciência

O resultado de um estudo científico no campo da história da ciência que Pesquisa FAPESP leva a seus leitores na reportagem de capa deste mês merece, entre outros possíveis, o adjetivo excitante. Porque o relato sobre as peripécias que conduziram ao achado de um pó capaz de sugerir a vinculação material entre alquimia e química, na honorável Royal Society inglesa, excita, de cara, a imaginação e a inclinação tão humana por desvendar ou ao menos acompanhar narrativas de desvendamento de mistérios.

E tanto mais cresce o interesse numa história assim quando se sabe que a substância, depois de dormitar por cerca de 350 anos num envelope fechado entre documentos nos arquivos da instituição, foi encontrada por duas pesquisadoras brasileiras – nada mais compreensível do que esta torcida entusiasmada por nosso “time”. Trata-se de uma dupla, diga-se, empenhada há muitos anos em examinar determinados períodos da história da ciência para entender como a construção do conhecimento científico se alimenta de afluentes de múltipla natureza, até mesmo daqueles que em nosso olhar contemporâneo afiguram-se tão radicalmente anticientíficos. E, desta vez, elas seguramente avançaram mais alguns passos importantes em sua remontagem da história da ciência contemporânea. Vale a pena conferir, a partir da página 18, a bela reportagem de nosso editor de humanidades, Carlos Haag, que incluiu no trabalho de levantamento do assunto um mergulho  in loco nos documentos guardados em Londres.

A feitura desta edição envolveu uma outra viagem, bem menos glamourosa, é certo, um tanto dolorosa, mas igualmente importante para a composição da revista: o editor especial Carlos Fioravanti e o fotógrafo Eduardo Cesar partiram rumo a Araras, um povoado no interior de Goiás, para acompanhar de perto o trabalho de uma equipe de pesquisadores paulistas, cariocas e goianos no esforço para identificar uma mutação genética responsável pelos casos de xeroderma na população local. Ironicamente, para um lugar muito quente neste período do ano e escaldante em janeiro, comenta Fioravanti, a xeroderma pigmentosum ou XP é uma doença que pode ser tremendamente agravada pela exposição ao sol. E não há ainda medicamentos específicos para tratá-la. O resultado da incursão dos dois profissionais de Pesquisa FAPESP a Araras pode ser visto a partir da página 44.

Entre algumas outras possibilidades de textos a destacar nesta carta – por exemplo, a reportagem sobre a ecologia das lindas onças brasileiras chamadas suçuaranas, assinada por Maria Guimarães (página 52), a reportagem sobre as baterias à base de lítio desenvolvidas em São Paulo para impulsionar carros elétricos, assinada por Marcos de Oliveira (página 72), e uma terceira relativa a um novo estudo sobre os critérios seguidos pela ditadura brasileira para censurar livros entre 1970 e 1979 (página 82), cujo autor é Gustavo Fioratti –, vou me deter na entrevista pingue-pongue desta edição.

Diferentemente do mais usual, a entrevista deste mês não leva ao leitor a fala de uma importante personagem da ciência produzida no Brasil. Em vez disso, oferece-lhe as reflexões do bioquímico norte-americano Bruce Alberts, cujas posições de destaque em instituições acadêmicas dos Esta-dos Unidos, nos últimos 20 anos, terminaram por afastá-lo um tanto da rotina de pesquisador dedicado ao estudo de proteínas e genes e lançá-lo ao trabalho em outro campo que o apaixona: o ensino e a divulgação de ciências. Editor-chefe da Science, ex-presidente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, professor emérito da Universidade da Califórnia, Alberts, 74 anos, esteve no Brasil entre o final de julho e o começo de agosto e, em São Paulo, provocou em 3 de agosto uma impressionante superlotação no auditório da FAPESP, principalmente de jovens pesquisadores, ao falar sobre “Scientific excellence: ways and means of diffusion”. Na entrevista que concedeu no mesmo dia aos editores Marcos Pivetta e Fabrício Marques (a partir da página 28), Alberts detalha suas ideias e todas elas propõem reflexões fundamentais para um país que quer fazer avançar sua ciência e sua cultura científica.

Boa leitura!

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