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mineração

Bactérias mineradoras

USP e Vale desenvolvem pesquisa para descobrir microrganismos capazes de recuperar cobre em rejeitos minerais

MARCELO COELHO / VALELagoa na Mina do Sossego, em Canaã dos Carajás, no Pará, para onde são levados os resíduos gerados do beneficiamento de cobreMARCELO COELHO / VALE

A estratégia de usar microrganismos para recuperar cobre de rejeitos rochosos reuniu a Universidade de São Paulo (USP), a mineradora Vale e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em um projeto no Pará, na Mina do Sossego, no município de Canaã dos Carajás. Os pesquisadores da USP e da empresa querem aproveitar a aptidão que algumas bactérias e fungos têm em se alimentar de substâncias presentes nas rochas onde o metal está impregnado para facilitar a recuperação do minério. Eles estão identificando microrganismos que vivem na própria mina para uso no processo de aproveitamento do cobre dos rejeitos. Além de aumentar o retorno econômico da mineração, a tecnologia pode reduzir o impacto ambiental da própria atividade. A Vale colocou em operação a mina em 2004 e produziu 109 mil toneladas de cobre em 2011. A lagoa de rejeitos, de onde são colhidas as amostras de fungos e bactérias, tem aproximadamente 90 milhões de toneladas de detritos com um teor de 0,07% de cobre. Se todo esse minério for recuperado, a Vale poderá ter uma receita bruta de US$ 1,4 bilhão, valor superior ao US$ 1,2 bilhão investido pela companhia entre 1997 e 2004 para colocar a mina em operação.

O trabalho ainda está em fase inicial. O primeiro grande desafio é achar os microrganismos que melhor solubilizam o cobre e entender como isso ocorre. “Nos primeiros testes, realizados no ano passado, encontramos cerca de 35 microrganismos com potencial biominerador na barragem de rejeitos da Mina do Sossego”, conta o engenheiro químico Cláudio Oller, professor da Escola Politécnica da USP e um dos coordenadores da pesquisa, que tem a colaboração de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da mesma universidade. A barragem é uma grande lagoa com 20 milhões de metros cúbicos de água que recebe os resíduos gerados após o beneficiamento do minério – uma mistura de água e rocha triturada com baixos teores de cobre. “O cobre residual na lagoa está dissolvido e no próprio material sólido decantado no fundo da represa”, explica Oller. A equipe, formada por 20 pesquisadores, entre biólogos, químicos e engenheiros, faz a coleta e seleção das bactérias e dos fungos na represa para caracterizá-los. Cabe a eles também desenvolver a tecnologia para recuperar o mineral. Por uma questão de sigilo, os microrganismos selecionados até agora não foram revelados pelo pesquisador.

Serão investidos no projeto, com duração prevista de cinco anos, cerca de R$ 15 milhões, dos quais R$ 3 milhões desembolsados pela Vale e R$ 12 milhões pelo BNDES, que os repassará diretamente para a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (Fusp). “Esse projeto se insere dentro de uma estratégia maior do BNDES de apoio à inovação tecnológica de produtos e processos. É uma solução que estimula a inovação na universidade brasileira e traz benefícios para a empresa e, principalmente, para o ambiente e a sociedade”, diz Márcio Macedo, chefe do Departamento de Meio Ambiente do BNDES. “Esse projeto é novo não só para a Vale, mas também no mundo. No Brasil, apesar de a tecnologia chamada de biolixiviação já ter sido empregada com sucesso comercial em uma mina de ouro em Minas Gerais, hoje, que eu saiba, não há projeto comercial nem para o ouro nem para o cobre nem para qualquer outro minério”, diz Luiz Eugênio Mello, diretor do Instituto Tecnológico Vale (ITV), que articulou a parceria pela empresa. Ele acredita que a Vale, no futuro, vai usar essa mesma tecnologia para a recuperação de outros minérios com os quais a companhia trabalha. “A ideia é essa. Contudo, hoje é impossível dizer sequer se teremos sucesso para o cobre, quanto mais para outros minérios. Com um passo de cada vez pretendemos ampliar os nossos trabalhos”, diz.

Um diferencial do estudo é ele ser realizado no local da mineração. “Existem muitos estudos na área de biolixiviação, mas poucos avançam para uma aplicação comercial. No nosso caso, vamos fazer a pesquisa em um tanque-piloto, desenvolvido por nós, junto à própria mina. Esperamos iniciar essa fase no próximo ano, o que nos permitirá avaliar melhor a ação das bactérias e dos fungos já selecionados por nosso grupo”, diz Oller. A tecnologia de biolixiviação é usada atualmente em nível industrial na África do Sul e no Chile.

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Pioneirismo nuclear
A pesquisa nessa área que está sendo chamada de biorremediação ou biomineração já tem uma certa tradição no Brasil. Um dos primeiros estudiosos a se dedicar a esse campo foi o biólogo e ex-professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Oswaldo Garcia Junior, falecido em 2010. Nos anos 1980, quando trabalhava na antiga Empresas Nucleares Brasileiras, atualmente Indústrias Nucleares do Brasil (Nuclebrás), estatal do setor nuclear, ele foi pioneiro na América Latina em estudos de biolixiviação, de escala de bancada até o projeto-piloto, para extração de urânio com a utilização de um processo bacteriano. “Esse trabalho conferiu a ele reconhecimento internacional. Oswaldo desenvolveu e patenteou um método de extração de urânio usando bactérias. Em 1986, ele veio para a universidade e implantou a linha de pesquisa no Instituto de Química da Unesp de Araraquara”, conta Denise Bevilaqua, viúva do pesquisador, também professora da Unesp e que continua o trabalho de Garcia.

O foco da pesquisa do grupo de Denise é a biomineração do cobre. Ela trabalha com a recuperação do minério a partir da calcopirita, principal fonte de cobre do mundo, empregando microrganismos oxidantes de ferro e enxofre, principalmente a bactéria Acidithiobacillus ferrooxidans. “Somos o único grupo do Brasil a manter um banco de linhagens dessa bactéria, que foram estudadas molecularmente pela equipe da professora Laura Ottoboni, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)”, diz Denise. “Conseguimos elevar de 30% a 60% a extração de cobre em ensaios de bancada e pretendemos melhorar este número.”

A biolixiviação, explica a pesquisadora, apresenta vantagens quando comparada às técnicas convencionais de mineração. Ela não emite gases poluentes, porque não envolve queima do material, é fácil de ser aplicada e os custos para sua operação são muito menores do que os da pirometalurgia, método tradicional em que o minério é queimado em fornos com alta temperatura para liberação do metal impregnado nele. O metal se liquefaz e depois é recuperado, voltando à sua forma sólida. No mundo, vários grupos de pesquisa, geralmente associados a grandes mineradoras, como a Codelco, do Chile, e a australiana BHP Billiton, tentam criar uma tecnologia eficiente e economicamente viável voltada às jazidas de calcopirita, mas ainda não existe nenhuma alternativa em escala comercial. “O Chile, maior produtor de cobre do mundo, domina a extração do metal por biolixiviação, mas apenas a partir de outras fontes minerais, como a calcocita, a covelita e a bornita”, diz ela. O problema da calcopirita é que, embora seja o minério de cobre mais abundante do planeta, é também o mais resistente à ação química e microbiana.

Uma diferença fundamental entre a pesquisa desenvolvida na Unesp com a extração do minério de rejeitos sólidos e o projeto da Vale e da USP, feito em rejeitos líquidos, está no tipo de resíduo trabalhado para extração do cobre. Enquanto os pesquisadores da USP tentam recuperar o cobre diluído nas barragens de detritos em meio líquido, o grupo da Unesp trabalha para extrair o cobre residual contido nas montanhas de rejeitos. Essas gigantescas pilhas com milhares de toneladas de rocha triturada são formadas nas próprias minas com minério bruto com teor de cobre inferior a 0,3%. Para ser processado, o minério deve ter entre 0,3% e 1% de cobre. Como a quantidade do minério presente no material é baixa, não é viável processá-lo pelo método convencional da pirometalurgia. É aí que entram as bactérias mineradoras.

Além das minas, o campo da mineração com a ajuda de microrganismos é aplicado também no Instituto de Química da Unesp de Araraquara, na recuperação de efluentes industriais contendo valiosos metais de terras-raras, elementos químicos do grupo dos lantanídeos usados como matéria-prima para fabricação de telas de tablets e smartphones. A professora Sandra Sponchiado pesquisa fungos capazes de recuperar esses metais por meio da biomassa produzida por microrganismos que tem grande capacidade de se ligar a metais. “O foco da minha pesquisa é estudar o processo de biossorção de metais utilizando um mutante do fungo Aspergillus nidulans e estabelecer as condições ótimas do processo. Queremos avaliar o uso dessa biomassa para uma futura aplicação prática na recuperação de terras-raras presentes nos efluentes das indústrias de extração desses metais”, afirma a pesquisadora da Unesp. O processo é uma tecnologia ambientalmente correta em razão da redução de resíduos químicos e biológicos gerados durante o processo.

A pesquisa está em estágio acadêmico, mas já despertou o interesse do mercado. “Várias empresas mineradoras, entre elas a Companhia Siderúrgica Nacional, as Indústrias Nucleares do Brasil e uma empresa mineradora de Manaus, têm nos contatado para uma possível aplicação prática da tecnologia”, diz Sandra.

Projeto
Biolixiviação da calcopirita (CuFeS2): mecanismos e interações da superfície bactéria/mineral (nº 2011/19868-5); Coordenadora
Denise Bevilaqua – Unesp; Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Investimento R$ 51.470,55 e US$ 73.676,31 (FAPESP)

Artigo científico
BEVILAQUA, D. et al. Utilization of electrochemical impedance spectroscopy for monitoring bornite (Cu5FeS4) oxidation by Acidithiobacillus ferrooxidans. Minerals Engineering. v. 22, p. 254-62. 2009.

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