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Brasiliana

Aquarela do Brasil

Biblioteca que abriga acervo de José Mindlin é inaugurada na USP

Léo RamosA Universidade de São Paulo (USP) inaugurou no dia 23 de março a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, que acolhe 32 mil títulos da coleção brasiliana doada em 2006 pelo empresário e sua mulher. O evento, que reuniu mais de 500 pessoas, entre autoridades, patrocinadores e intelectuais, também apresentou duas exposições ao público. A primeira, permanente, traz registros sobre a vida do casal Mindlin e os esforços para erguer a biblioteca e resume a história do livro e da imprensa; e a segunda, que ficará aberta para visitas até o dia 28 de junho, apresenta 100 destaques da coleção. São livros e manuscritos, como o original de Vidas secas, de Graciliano Ramos. Desde 2009, uma parcela do acervo vem sendo digitalizada e oferecida na internet. Atualmente, a biblioteca digital conta com cerca de 3,6 mil títulos, que podem ser acessados no site da Brasiliana USP (www.brasiliana.usp.br), operada pela Biblioteca Mindlin.

O bibliófilo José Mindlin (1914-2010), que além de empresário também era advogado e jornalista, começou a colecionar livros antigos em 1927. Nas prateleiras de sua biblioteca particular podiam ser encontradas obras raras do século XVI e outras sobre literatura brasileira e portuguesa, manuscritos, periódicos científicos e de arte. Mindlin costumava receber em casa amigos e pesquisadores fascinados em conhecer a coleção, cuja preservação era feita pela esposa Guita, que morreu em 2006. Emocionado, Sérgio Mindlin, filho do casal, lembrou, na cerimônia de inauguração, a dedicação dos pais à frente da biblioteca. “Enquanto eles eram vivos, a biblioteca era o mundo deles. Agora ela se torna institucional e abre o acesso de uma forma antes impensável, através das amplas instalações de pesquisa e de estudo e do acesso pela internet”, disse. Sérgio e as três irmãs participam do conselho da instituição.

O interior da biblioteca, que reproduz a organização dos livros na casa de Mindlin

Léo RamosO interior da biblioteca,
que reproduz a
organização dos livros na
casa de MindlinLéo Ramos

O reitor da USP, João Grandino Rodas, destacou a importância da doação realizada por Mindlin e sua família. “No Brasil, não existe essa tradição de doações, o processo não é simples, mas aqui foi plantada a semente para que outras pessoas façam o mesmo gesto”, disse o reitor à Agência USP de Notícias. A inauguração também prestou homenagem à memória do historiador István Jancsó, um dos mentores do Projeto Brasiliana USP, falecido em 2010.

Para o presidente da FAPESP, Celso Lafer, “a digitalização significa não só a preservação, mas o acesso generalizado e a possibilidade de expandir a informação”. A Fundação foi responsável pela compra do equipamento de digitalização robotizada de livros encadernados, apelidado de Maria Bonita. A máquina é capaz de fotografar até 2.400 páginas por hora, o que representa aproximadamente 40 livros por dia (ver Pesquisa FAPESP nº 161).

O crítico literário Antonio Candido disse que o amigo José Mindlin não era apenas um colecionador de livros. “Ele foi sobretudo um leitor dotado de discernimento crítico, uma espécie de autor de sua biblioteca”, declarou. O historiador Boris Fausto, que também prestigiou a abertura da biblioteca, enfatizou a preocupação do casal Mindlin em tornar o acervo disponível para a sociedade. “É importante destacar a generosidade do casal de doar uma biblioteca desse porte e desse valor, e também o papel da família, que ratificou esse gesto dos pais.” Para a construção do edifício, que inclui também o Instituto de Estudos Brasileiros e o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, foram gastos R$ 130 milhões. Parte dos recursos veio da própria USP, mas o projeto também obteve recursos de patrocinadores, como a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, disse que o exemplo de Mindlin pode incentivar iniciativas semelhantes. “Espero que essa atitude abra uma nova fronteira de diálogo entre grandes empresários e instituições de ensino”, declarou. Recém-chegada de uma viagem a museus e bibliotecas dos Estados Unidos, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirmou que o novo prédio da USP não fica atrás dos padrões internacionais. Também destacou que ainda neste primeiro semestre deve ser levada para o Congresso a nova Lei dos Direitos Autorais, para permitir que novas digitalizações, como as que são feitas pela Brasiliana, sejam disponibilizadas. “Caso contrário, não será possível colocar todas as obras, a não ser que sejam de domínio público”, explicou. O secretário de Cultura do Estado de São Paulo, Marcelo Mattos Araújo, que representou o governador Geraldo Alckmin, também saudou a iniciativa da Biblioteca Mindlin.

Benefícios à pesquisa

A estrutura externa que abriga o acervo; e a versão original de Vidas secas, com o título modificado por Graciliano Ramos

Léo RamosA estrutura externa que abriga o acervo; e a versão original de Vidas secas,
com o título modificado por Graciliano RamosLéo Ramos

Desde o início da digitalização, vários pesquisadores se beneficiaram com a transferência de obras para a tela do computador. “O trabalho da Biblioteca Brasiliana Digital é um dos mais importantes para as ciências humanas no Brasil”, declarou Jaime Rodrigues, professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na biblioteca de Mindlin, ele encontrou relatos de viagens, que o ajudaram a enriquecer sua pesquisa sobre a cultura marítima nas embarcações que passaram por águas brasileiras entre os séculos XVI e XIX. “Era possível achar obras esparsas, em outras bibliotecas, mas boa parte foi encontrada, em versões originais, no site da Brasiliana”, disse Jaime.

Para o diretor da Biblioteca Mindlin, Pedro Puntoni, o acesso a livros físicos vai exigir cuidados extras. O pesquisador deverá realizar um cadastro e pedir agendamento. Isso dependerá do julgamento dos curadores da biblioteca, que analisarão o estado do livro e como ele deve ser consultado. “Mas o acesso continuará aberto pela internet, dentro dos limites dos direitos do autor.” Puntoni, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, explicou que a biblioteca já realiza parcerias com instituições internacionais, principalmente com as que têm acervos sobre o Brasil, como a Oliveira Lima Library, em Washington, e a John Carter Brown Library, em Rhode Island, nos Estados Unidos. “Poderemos oferecer a essas bibliotecas acesso gratuito a obras que interessam a elas e, em contrapartida, elas nos fornecem, digitalmente, livros que não temos”, disse. Outra parceria foi a consultoria de Beatriz Haspo, conservadora-chefe da Library of Congress, que participou das discussões sobre conservação e preservação. “A biblioteca firmará novas parcerias internacionais, porque ela é viva, aberta, e pretende ser um polo ativo da cultura brasileira em conexão com outras instituições”, concluiu.

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