Imprimir PDF Republicar

pesquisa empresarial

Competência em bicombustíveis

Bosch brasileira tornou-se referência mundial ao lançar o sistema flex fuel e a partida com o etanol aquecido no lugar da gasolina

A partir da esquerda: Celso Fávero, Fernando Lepsch, Omar Del Corsso Júnior, Cleuby Santos, Erwin Franieck e Bruno Bragazza

Léo Ramos A partir da esquerda: Celso Fávero, Fernando Lepsch, Omar Del Corsso Júnior, Cleuby Santos, Erwin Franieck e Bruno BragazzaLéo Ramos

Um dos maiores fornecedores de peças automotivas do mundo, o grupo Bosch, com sede em Stuttgart, na Alemanha, é composto por cerca de 360 subsidiárias e empresas regionais distribuídas por 50 países. Em 2012, o faturamento do grupo atingiu € 52,5 bilhões e o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) foi de € 4,8 bilhões, com o registro de 4.800 patentes. No Brasil, onde começou a atuar em 1954 como fabricante de autopeças, a empresa tem sede em Campinas, no interior paulista, e conta com nove unidades de negócios. Em 2012, a subsidiária brasileira registrou um faturamento de R$ 4,1 bilhões com a oferta de produtos e serviços automotivos para montadoras e para o mercado de reposição de autopeças, além de ferramentas elétricas, sistemas de segurança, máquinas de embalagem e tecnologias industriais. O investimento em P&D no país foi de cerca de R$ 170 milhões.

Projetos inovadores que resultaram em produtos de sucesso relacionados a biocombustíveis, como o do sistema de injeção flex fuel – que permite ao motor do carro trabalhar com álcool ou gasolina ou qualquer mistura dos dois combustíveis –, tornaram a filial brasileira referência na área de tecnologias de combustíveis alternativos. “Somos um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em sistemas e produtos para combustíveis alternativos, o que nós dá um certo grau de liberdade para escolher tecnologias que serão desenvolvidas na área”, diz o analista de sistemas Bruno Bragazza, de 46 anos, gerente de inovação e propriedade intelectual da Bosch para a América Latina. Outros centros de P&D, que não são eleitos como de competência mundial, têm que discutir suas escolhas com a matriz.

Bosch
Subsidiária brasileira
Campinas, SP
Nº de funcionários:
9.700
Principais produtos:
Equipamentos e serviços automotivos para montadoras e para o mercado de reposição de peças, ferramentas elétricas, sistemas de segurança, máquinas de embalagem e tecnologias industriais
Faturamento da empresa em 2012:
R$ 4,1 bilhões

“São mais de 300 pesquisadores alocados só para questões relacionadas a bicombustíveis”, diz Bragazza, que desde 1985 está na Bosch, onde começou como estagiário quando fazia um curso técnico em eletrônica. Promovido a técnico, começou a cursar a Faculdade de Análise de Sistemas na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e pouco tempo depois foi transferido para a Alemanha, com a função de aprender e trazer para o Brasil a tecnologia de desenvolvimento de softwares para injeção eletrônica. Na volta retomou a universidade e assumiu a gerência do departamento de software e hardware para injeção eletrônica, onde ficou durante 23 anos. “Gerenciei até 2007 uma equipe de 44 pesquisadores, entre engenheiros e técnicos, e desde então estou numa área corporativa, que cuida de inovação tecnológica com um olhar transversal.” Sua tarefa é ver o que as unidades de negócios estão fazendo em P&D e buscar instrumentos de fomento para as pesquisas, além de parcerias com instituições científicas e tecnológicas brasileiras e estrangeiras, como da Índia, China e Alemanha, e proteção para as invenções. “Hoje estamos com 439 pesquisadores espalhados por sete unidades de negócios que fazem algum tipo de pesquisa e desenvolvimento.” Outras linhas de pesquisa desenvolvidas em Campinas englobam segurança veicular, eficiência energética veicular, direção confortável, além de uma unidade de negócios de ferramentas elétricas que são desenvolvidas no Brasil e exportadas para outros países. A Bosch tem projetos com grandes grupos de empresas da indústria automobilística, mas muitos não podem ser revelados por questão de contrato.

Sistema de purificação química

Léo RamosSistema de purificação químicaLéo Ramos

Quando o sistema de injeção flex fuel começou a ser desenvolvido em 1992, Bragazza estava na Alemanha e participou do grupo de pesquisa brasileiro vinculado ao projeto, liderado pelo engenheiro mecânico Erwin Franieck, formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e gerente de desenvolvimento na Bosch, onde trabalha desde 1986. “Resolvidos diversos desafios que eram tabus para a viabilização da tecnologia flex, restava ainda um entrave técnico, que era manter a pressão da bomba de combustível. Para isso foi desenvolvido um produto robusto que permitiu ter um carro flex funcionando em 1994 e que ao longo de quatro anos rodou 100 mil quilômetros”, diz Franieck, de 52 anos. “As montadoras testavam o produto, mas diziam que não havia demanda”, relata. Por um bom período, ele se encarregou da divulgação da inovação, fazendo palestras e apresentações do sistema para cooperativas e montadoras. O produto só foi lançado em 2003, oito meses após a promulgação da lei que reduzia o imposto sobre produtos industrializados (IPI) de carros flex no país. “Hoje a bomba de combustível flex da Bosch é utilizada em 85% dos veículos nacionais”, diz.

Na avaliação de Bragazza, apesar da grande inovação representada pelo sistema flex fuel, o período transcorrido entre o início das pesquisas e o seu lançamento fez com que, em pouco tempo, os principais concorrentes da Bosch também lançassem produtos com soluções semelhantes. “Não foi feito nenhum depósito de patente para proteção da tecnologia”, explica. A lição aprendida resultou em um bem tecido esquema para proteger a segunda geração do flex fuel, o sistema Flex Start, que eliminou o tanque de gasolina usado para dar a partida a frio no carro movido a álcool – o etanol é aquecido antes de ser injetado no motor. “Hoje temos 12 patentes para esse sistema, além do registro da marca Flex Start e cerca de 15 proteções de desenho industrial das partes mecânicas que fazem o aquecimento do biocombustível”, diz Bragazza.

Instalação de bomba de combustível flex

Léo RamosInstalação de bomba de combustível flexLéo Ramos

“O projeto chegou a ter a colaboração de 80 engenheiros de várias áreas”, diz o engenheiro mecânico Fernando Lepsch, de 36 anos, que trabalha no desenvolvimento de produtos e participou das pesquisas desde o início do projeto, em 2002. “Nosso maior desafio foi fazer com que o etanol fosse aquecido rapidamente, para que o motorista não precisasse esperar muito tempo para dar a partida no carro”, diz Lepsch, formado pela Unicamp, onde também cursa mestrado na mesma área. O pesquisador, que começou a trabalhar como estagiário na Bosch em 2000, consta como inventor em 10 patentes relacionadas ao Flex Start. Foram sete anos entre o início do projeto e o lançamento do produto em 2009. A aceitação da novidade contou com a ajuda de uma pesquisa de mercado feita pela própria Bosch com o consumidor final – em que era feita uma comparação entre um carro bicombustível com tanquinho de gasolina para partida a frio e outro com o etanol aquecido –, que elegeu a segunda alternativa como a preferida. “Ainda somos os únicos no mercado com essa tecnologia e os pedidos não param de crescer”, diz Bragazza. Como reconhecimento, a subsidiária brasileira ganhou o prêmio mundial da Bosch de Inovação.

Exigências distintas
O know-how adquirido com o desenvolvimento da bomba de combustível flex fuel tem sido aplicado agora em motocicletas. O projeto, que está em fase final de validação do produto, é coordenado pelo engenheiro mecânico Celso Fávero, de 51 anos, gerente de engenharia de desenvolvimento de produtos da Bosch, onde trabalha há 26 anos. “A aplicação em motos tem exigências bastante distintas, porque esses veículos possuem um sistema elétrico que não gera muita energia”, diz Fávero, formado pela Unicamp, onde fez especialização em gestão e estratégia de empresas pelo Instituto de Economia. Como o alternador da moto – equipamento que transforma a energia mecânica em elétrica – é pequeno, qualquer carga extra representa um obstáculo à eficiência. “Fizemos um trabalho de pesquisa focado nessa especificação e conseguimos reduzir o consumo da corrente da bomba de combustível em torno de 15% em comparação com o concorrente nesse segmento”, diz.

Espalhados pelo mundo, o grupo Bosch tem 43 mil pesquisadores, dos quais 1.300 trabalham em um centro de pesquisa corporativo na Alemanha. “São quase todos mestres e doutores, especializados em diferentes áreas do conhecimento”, diz Bragazza. No Brasil ainda são poucos pesquisadores com título de mestre e raríssimos doutores. “Menos de 10% são mestres e doutores; a maioria dos engenheiros acaba fazendo cursos de especialização.” Por isso, para alguns desenvolvimentos que exigem conhecimento científico mais detalhado são feitas parcerias com institutos de pesquisa e universidades. No caso do aquecimento do etanol para o sistema Flex Start, por exemplo, a Unicamp foi a principal colaboradora, além do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). Para questões pontuais, a Bosch tem uma rede de conhecimento mundial formada por pesquisadores que são referência em algum tema.

Análise química de compostos orgânicos

Léo Ramos Análise química de compostos orgânicosLéo Ramos

Algumas pesquisas em parceria com as universidades têm como foco atender demandas futuras, a exemplo do projeto de um motor de partida para veículos de passeio mais eficiente e ao mesmo tempo mais leve, com o objetivo de reduzir a emissão de dióxido de carbono, feito em colaboração com a Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. “Para que o motor de partida modelo C60, que substitui os que já estão no mercado, tivesse a mesma resposta dentro das novas especificações, desenvolvemos outras tecnologias, que resultaram no depósito de 10 patentes”, diz o engenheiro eletricista Omar Del Corsso Júnior, de 38 anos, formado pela Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, no interior paulista, e chefe da área de motores de partida para veículos. “Somos uma equipe de seis pessoas, que trabalha no desenvolvimento de novas plataformas e novos produtos para o mercado”, diz Del Corsso, especialista em gestão e estratégia de empresas pelo Instituto de Economia e em engenharia automobilística pela Faculdade de Engenharia Mecânica, ambos da Unicamp. Ele começou a trabalhar na Bosch como estagiário em 1999 e um ano depois foi contratado para o grupo de desenvolvimento de motores elétricos, onde ficou por seis anos.

Na avaliação do engenheiro eletricista Cleuby Santos, de 30 anos, engenheiro de desenvolvimento de produtos da área de bobinas e sensores automotivos, o uso de programas de simulação tem contribuído para uma substancial economia de tempo nas pesquisas. “Essas plataformas nos trazem uma grande competência técnica e com isso conseguimos identificar e antecipar possibilidades por meio de simulações térmicas, mecânicas, eletrônicas, elétricas e magnéticas de bobinas e sensores”, diz Santos, formado pela Unicamp, que entrou na Bosch em 1997 como aprendiz do Senai. Após quatro anos passou a estagiário e em 2003 foi efetivado como técnico de desenvolvimento. Em 2009 começou a trabalhar na sua atual função.

Republicar