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Geologia

Rumo ao noroeste

Medições com GPS indicam que parte da crosta do Nordeste se desloca alguns milímetros por ano nessa direção

Fragmentos que compõem um terço da crosta terrestre do Nordeste estão deslizando lentamente nas direções norte e oeste, a uma velocidade máxima de 5,6 milímetros ao ano, de acordo com artigo científico publicado por pesquisadores brasileiros em março no Journal of South American Earth Sciences. A movimentação de setores da Província Borborema – nome dado pelos geólogos ao bloco rochoso que abrange cerca de 540 mil quilômetros quadrados e engloba grande parte dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe – provoca sutis estiramentos e contrações em diferentes pontos da superfície e eleva o risco de ocorrência de tremores locais. “A província sofre pressão por todos os lados”, diz o geofísico Giuliano Sant’Anna Marotta, do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB), principal autor do estudo. “É uma situação semelhante à que ocorre quando apertamos uma borracha.” Alguns pontos encolhem enquanto outros se esticam, certas partes afundam ao passo que outras se erguem.

Não há, no entanto, motivo para alarme. O deslocamento de pedaços da província geológica, que concentra a maior parte das atividades tectônicas do país, é um fenômeno esperado. Seu ritmo de locomoção é relativamente modesto, cerca de 12 vezes menor do que o verificado na famosa falha geológica de San Andreas, perto do litoral da Califórnia, a região com maior risco de grandes terremotos nos Estados Unidos, e nove vezes menor do que a verificada em setores dos Andes, outra zona de fortes tremores de terra. “Sabíamos que a Província Borborema se mexia e agora conseguimos quantificar a velocidade máxima desse tipo de ocorrência”, diz o geólogo Francisco Hilário Bezerra, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que também assina o artigo científico.

A medida foi obtida a partir de dados fornecidos por um conjunto de estações receptoras de sinais de Sistema de Posicionamento Global, o popular GPS, instaladas em 12 pontos distintos da província (ver mapa). Nove estações fazem parte da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS (RBMC), mantida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e três pertencem à Rede GPS Potiguar, iniciativa do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Com baixíssima margem de erro, da ordem de 1 milímetro, cada receptor GPS registra de forma quase ininterrupta sua localização em um plano horizontal em conjunto com um eixo vertical. Em outras palavras, mede se a crosta, sobre a qual está fixado o equipamento de GPS, moveu-se para cima, para baixo ou para os lados ao longo do tempo. Um ponto do globo totalmente imóvel – que não afunda, não se soergue e não se desloca horizontalmente – apresenta sempre as mesmas coordenadas em um determinado intervalo temporal.

Interior da placa tectônica
No caso do trabalho com a Província Borborema, as informações sobre a localização das estações foram registradas por no mínimo dois anos consecutivos. Como a série temporal analisada é pequena, não é possível dizer se a velocidade máxima de deslocamento encontrada no estudo indica uma tendência contínua de movimentação de setores da província ou reflete um fenômeno efêmero. “O ideal é que tenhamos informações de ao menos três anos seguidos”, afirma João Francisco Galera Mônico, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Presidente Prudente, especialista em estudos geodésicos com GPS, outro pesquisador que participou do estudo.

Não há grandes terremotos no Brasil porque o território nacional, inclusive o Nordeste, se situa na parte interna da placa tectônica sul-americana, um dos enormes blocos de rocha que formam a superfície terrestre. Os tremores de maior magnitude ocorrem em áreas localizadas nos arredores das bordas das placas, onde há grandes falhas geológicas, rachaduras na crosta que marcam a zona de contato entre o fim de uma placa e o começo de outra, como ocorre nos Andes, perto do Chile e Peru (limite entre a placa sul-americana e a de Nazca), e no litoral da Califórnia (fronteira entre a placa norte-americana e a do Pacífico). Devido aos movimentos da crosta, a borda de uma placa colide com os confins do bloco de rocha contiguo.

A Província Borborema dista milhares de quilômetros da zona de contato mais próxima entre duas placas tectônicas, a cordilheira submersa denominada dorsal mesoatlântica, que estabelece o limite entre a placa sul-americana e a placa africana. Ainda assim, esse pedaço do Nordeste sente os efeitos do distanciamento paulatino da placa sul-americana, que se move na direção oeste, em relação ao bloco rochoso que engloba a África. “A Província Borborema tem muitas zonas de cisalhamento”, explica Marotta. Esse tipo de estrutura geológica corresponde a antigas zonas de fraqueza, sujeitas a instabilidades. Movimentos da crosta podem provocar tremores em lugares assim. A região vizinha à zona de cisalhamento Senador Pompeu, falha que corta o interior do Ceará e chega à bacia Potiguar, foi a que apresentou as maiores variações de deslocamento na direção noroeste, segundo os dados da rede de GPS. Setores da bacia Potiguar, a meio caminho entre Natal e Fortaleza, deslocaram-se 4 mm por ano na direção oeste e 4,1 mm na direção norte dentro da placa sul-americana. A bacia apresenta temores de terra de média intensidade, com magnitudes de até 5,2 graus.

Artigo científico
MAROTTA G. S. et al. Strain rates estimated by geodetic observations in the Borborema Province, BrazilJournal of South American Earth Sciences. v. 58, p. 1–8. mar. 2015.

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