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física

Acelerações quânticas

Nuvens de átomos frios podem ser usadas para medir tênues variações da força da gravidade

Bose_frutaLéo RamosO físico Philippe Courteille e seus colaboradores no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP) estão construindo um instrumento para medir com alta precisão o efeito da força de gravidade da Terra sobre o chamado condensado de Bose-Einstein, nuvens microscópicas compostas por cerca de 100 mil átomos de estrôncio mantidos a temperaturas próximas ao zero absoluto (-273, 15º C). Esse equipamento – um gravímetro atômico – deverá permitir obter em tempo real a intensidade da força gravitacional em escala microscópica, algo ainda não muito bem mensurado. Existem outros instrumentos semelhantes no mundo, com sensibilidade igualmente suficiente para medir forças gravitacionais nessa escala. Mas os dispositivos existentes apenas reconstituem o movimento dos átomos depois que ele já aconteceu e não conseguem acompanhá-lo ao vivo, como prometem os pesquisadores de São Carlos. De acordo com eles, o novo gravímetro terá aplicações práticas e em física fundamental.

Outros experimentos com gravímetros atômicos – alguns já realizados, outros em andamento – mediram a força gravitacional em escalas microscópicas. Mesmo assim, ainda não se alcançou o mesmo grau de precisão obtido para as demais forças fundamentais da física. “Há teorias que preveem que a lei da gravitação de Newton pode não valer para distâncias menores que alguns micrômetros”, conta Courteille. A lei da gravitação estabelece que a força de atração entre dois corpos é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles e explica muito bem o que se observa no mundo macroscópico. “Talvez seja necessário fazer modificações nessa lei de atração para explicar o que ocorre no nível microscópico”, diz o físico.

As aplicações práticas do novo gravímetro dependerão de sua sensibilidade. Se for bastante elevada, o aparelho poderá ser usado para mapear reservas de petróleo e minérios. Courteille ainda não tem condições de estabelecer o grau exato de sensibilidade que seu instrumento poderá alcançar, mas estima que deve ser capaz de superar os melhores gravímetros comerciais de alta precisão, que usam feixes de laser para medir a aceleração da gravidade que atua sobre um pequeno espelho em queda livre no vácuo. Geofísicos usam esse tipo de equipamento para mapear reservas no subsolo que tenham valor econômico. Variações mínimas na aceleração da gravidade terrestre permitem detectar diferenças nas densidades das rochas subterrâneas, indicando a presença de minérios.

Courteille já tem pronta a peça fundamental do gravímetro: a cavidade óptica anular. Trata-se de um trio de pequenos espelhos especiais que ficam dispostos nos vértices de um triângulo, distantes cerca de 2 centímetros um do outro. São esses espelhos, cuidadosamente projetados e arranjados, que devem garantir o sucesso do futuro aparelho, de acordo com artigos publicados nas revistas Optic Express e Laser Physics Letters. Simulações computacionais realizadas por Courteille e Romain Bachelard, do IFSC, em parceria com Marina Samoylova e Nicola Piovella, da Universidade de Milão, na Itália, e Gordon Robb, da Universidade de Strathclyde, no Reino Unido, indicam que a cavidade óptica deve aprimorar o funcionamento do gravímetro por duas razões. A primeira é que a cavidade deve evitar a destruição do condensado pelo feixe de laser que interage com ele para medir seu deslocamento. A segunda é que ela deve estabilizar as oscilações do condensado, tornando-as mais regulares e previsíveis. Os pesquisadores submeteram neste ano um pedido de patente do aparelho ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

Em queda livre
Desde o final dos anos 1990, físicos realizam experimentos usando átomos frios como gravímetros. Quando resfriados a temperaturas próximas ao zero absoluto, alguns tipos de átomos podem se aglutinar e formar o chamado condensado de Bose-Einstein. No condensado, os átomos param de agir como partículas individuais e começam a se mover todos juntos, formando uma nuvem de átomos idênticos – os físicos dizem que se comportam como uma única onda de matéria. Vários gravímetros atômicos feitos até agora medem como as propriedades dessa nuvem de átomos mudam à medida que ela se desloca exclusivamente sob a influência da gravidade. Para analisar a ação apenas da força gravitacional, os físicos geram essa nuvem de átomos no interior de uma câmara de vácuo e a deixam se deslocar na vertical em direção ao solo. Nesse movimento, semelhante ao de um elevador em queda livre, que cai sem nada que o freie, a única força atuando é a gravidade.

Já o gravímetro de Courteille funciona de modo diferente, semelhante ao desenvolvido em 2005 pela equipe do físico Massimo Inguscio, da Universidade de Florença, Itália. No experimento feito pelo italiano, o condensado de Bose-Einstein cai livremente até certo ponto. Quando a aceleração gravitacional faz o condensado atingir determinada velocidade, ele interage com uma onda de luz criada pelo cruzamento de dois feixes de laser. Nesse instante, o condensado recebe um impulso da onda de luz e passa a se mover para cima, num processo que se repete indefinidamente. “É como se a onda de matéria desse saltos em um trampolim”, explica Courteille. “A frequência dos saltos depende da aceleração gravitacional da Terra.”

Ao usar os três espelhos para criar uma cavidade óptica, espaço em que os feixes de laser permanecem aprisionados, circulando quase indefinidamente, Courteille conseguiu eliminar alguns inconvenientes do experimento italiano. O gravímetro de Inguscio usava um terceiro laser para medir o deslocamento do condensado que acabava por destruí-lo. No esquema de Courteille, o ambiente é controlado e a luz do terceiro laser, mesmo que interaja com o condensado, não o desorganiza. Sob supervisão de Courteille, o físico Raul Teixeira, que realiza um estágio de pós-doutorado no IFSC, está construindo a câmara de vácuo do gravímetro e preparando a montagem dos lasers e da cavidade óptica. “É um grande desafio técnico”, diz Courteille. “Vai demorar pelo menos uns dois anos até obtermos resultados científicos.”

Projetos
1. Desenvolvimento de sensores quânticos com átomos ultrafrios (nº 2013/04162-5); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Philippe Wilhelm Courteille (IFSC-USP); Investimento R$ 1.988.250,00 (FAPESP – para todo o projeto).
2. Monitoramento contínuo de oscilações de Bloch de átomos ultrafrios para aplicação em gravimetria (nº 2014/12952-9); Modalidade Bolsa no Brasil – Pós-doutorado; Beneficiário Raul Celestrino Teixeira; Pesquisador responsável Philippe Wilhelm Courteille (IFSC-USP); Investimento R$ 177.860,00 (FAPESP).

Artigos científicos
SAMOYLOVA, M. et al. Synchronization of Bloch oscillations by a ring cavity. Optics Express. v. 23, n. 11. 28 mai. 2015.
SAMOYLOVA, M. et al. Mode-locked Bloch oscillations in a ring cavity. Laser Physics Letters. v. 11, n. 12. 12 nov. 2014.

 

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