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Agricultura

Combate ao desperdício

Novos equipamentos possibilitam aumento na eficiência do uso da água no campo em mais de 30%

Sistema de irrigação agrícola em Sud Mennucci, interior de São Paulo

Ana Druzian / olhar imagemSistema de irrigação agrícola em Sud Mennucci, interior de São PauloAna Druzian / olhar imagem

A preocupação com o alto consumo de água para irrigação no Brasil – cálculos da Agência Nacional de Águas (ANA) apontam que essa técnica, muito utilizada na agricultura, responde por 72% do gasto total – tem incentivado pesquisadores a procurar alternativas para reduzir o desperdício. Grupos de pesquisa de diferentes instituições desenvolveram tecnologias que podem diminuir o consumo atual em mais de 30%. Em diferentes fases de desenvolvimento, alguns projetos já resultaram em depósitos de patentes e caminham para se tornar diferentes tipos de produtos comerciais.

Duas dessas tecnologias foram desenvolvidas na Embrapa Instrumentação, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em São Carlos (SP). Uma delas é o chamado sensor diédrico, que pode ser instalado entre as raízes da planta, para medir a tensão da água na terra, isto é, a força com que a umidade é retida pelas partículas do solo. O instrumento é formado por duas placas, que podem ser de vidro ou cerâmica, de dimensões ajustáveis – medem, por exemplo, 5 centímetros (cm) de comprimento por 3 cm de largura –, instaladas de modo a formar um diedro. Com as laterais e a abertura vedadas, a água presente no solo penetra no equipamento através de uma placa de cerâmica porosa e preenche um volume de face retangular escurecida em seu interior. O comprimento desse retângulo, medido a partir do vértice, permite o cálculo da tensão da água, que por sua vez indica a necessidade ou não de irrigação. Trabalhos anteriores estabeleceram as tensões críticas da água – momento em que se deve irrigar – para uma série de culturas. Assim, basta comparar a tensão detectada pelo sensor diédrico com o que está na literatura para aquela cultura e o tipo de terreno para saber se a lavoura precisa ou não ser irrigada. Segundo o pesquisador Adonai Gimenez Calbo, líder do grupo de pesquisa que desenvolve o equipamento, a área com líquido no interior do sensor diédrico é facilmente percebida porque fica mais escura. “A leitura pode ser visual ou com um dispositivo óptico”, diz.

De acordo com o pesquisador, em comparação com outros tensiômetros e sensores de umidade convencionais, o sensor diédrico se destaca pelo uso de materiais de baixo custo, como vidro e cerâmica, pela simplicidade e por não sofrer interferência de fatores como temperatura, salinidade, densidade do solo e presença de substâncias ferromagnéticas. Outras vantagens em relação aos produtos concorrentes são a leitura direta e a medição de ampla faixa de tensão da água no solo. “Com isso, o sensor diédrico pode atender variadas demandas, dentre elas a definição de tensão de água no solo muito baixa ou muito alta, o que outros equipamentos não fazem.”

067-069_Irrigação_234Chamado de IG, que em tupi significa água, o outro sensor criado por Calbo e colaboradores é formado por um bloco de cerâmica porosa contendo, em seu interior, partículas de pequenas dimensões, como esferas de vidro. Instalado entre as raízes das plantas, o equipamento também mede a tensão da água no solo e pode ser usado para automatizar a irrigação. Quando a terra está seca, o ar atravessa o sensor, acionando os dispositivos de irrigação em gotejamento, por exemplo. Quando o solo está úmido, a água retida entre as esferas restringe a passagem do ar, interrompendo o escoamento da água. Os dois sensores desenvolvidos na Embrapa não dependem de manutenção frequente para a operação e por isso são adequados para automatizar a irrigação. As aplicações das duas tecnologias são semelhantes, embora o sensor IG seja o mais adequado para o manejo da irrigação.

Atualmente no Instituto de Química do campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a pesquisadora Sonia M. Zanetti desenvolveu um tipo de sensor baseado em uma mistura – que ela preferiu não revelar – de óxidos semicondutores. “Pelo método de síntese que usamos, esses óxidos geram um pó com partículas nanométricas que é prensado, formando um sensor cerâmico nanoestruturado e poroso”, explica. Suas propriedades elétricas são alteradas pela presença da água e, dessa forma, é possível medir a umidade pelo monitoramento da resistência elétrica do sensor. Quanto mais água tiver no solo, menor a resistência.

O trabalho foi feito em parceria com o Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP, e desenvolvido na empresa Sencer, de São Carlos. O projeto coordenado por Sonia começou em 2007 e foi concluído no ano passado. “O resultado não foi só o desenvolvimento do sensor, mas sim de um sistema completo”, diz a pesquisadora. “Ele é composto por sondas instaladas na plantação [hastes com os sensores integrados] conectadas a uma unidade de transmissão wireless, que envia os dados para um computador, além de uma plataforma on-line para a visualização e o tratamento dos dados coletados.”

As sondas monitoram a temperatura e a umidade da terra simultaneamente em até três níveis de profundidade. O produtor pode acessar esses dados por meio de smartphones e tablets, facilitando a tomada de decisões relacionadas ao manejo da irrigação da cultura. O sistema possibilita a integração com dados climáticos públicos, como previsão do tempo, índices pluviométricos, temperatura e umidade do ar, velocidade e direção do vento. Com isso, é possível fazer análises avançadas do solo e do plantio com base em históricos de dados, tendências e estatísticas, resultando na otimização do uso de água. A economia desse recurso pode chegar a 30%.

Em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, quatro jovens engenheiros desenvolveram um algoritmo (programa de computador) que automatiza a irrigação da plantação. Chamado de SMPIn (Sistema de Monitoramento de Plantações Inteligentes), ele pode gerar uma economia de 40% da água usada na lavoura e 28% no consumo de energia.

Sensor de umidade em plantação de café desenvolvido em parceria pela Unesp, CDMF e Sencer

Eduardo CesarSensor de umidade em plantação de café desenvolvido em parceria pela Unesp, CDMF e SencerEduardo Cesar

Além do programa de computador, o sistema é composto por estação de coleta de dados, instalada na plantação, equipada com sensores de temperatura e umidade do ar e do solo, velocidade e direção do vento, pluviômetros e GPS. “Essa estação coleta os dados e os envia, por wi-fi ou pela rede de telefonia celular, para o nosso banco de dados”, explica Pedro Lúcio Leone, um dos quatro sócios da empresa SPIn, responsável pelo projeto. “Com o nosso algoritmo, fizemos os cálculos sobre a necessidade de irrigação. Tudo depende da plantação, do clima, da evapotranspiração da planta e da terra. Assim, pega-se a variante meteorológica, calcula-se o que evaporou, e o agricultor irá saber quanto precisa irrigar.” O sistema, que se adapta a diferentes tipos de plantio, funciona em qualquer método de irrigação controlado, como a aspersão ou o gotejamento. Os dados podem ser acessados por dispositivos móveis, como smartphone ou tablet.

O projeto do SMPIn começou em 2013, depois que produtores de morango da região do sul de Minas Gerais sofreram uma perda de 80% da produção em decorrência de problemas climáticos. Na época, os alunos do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) Luiz Cláudio de Andrade Junior, Vitor Ivan D’Angelo, Wellington Faria e Leone decidiram criar um projeto voltado para o agronegócio e fundaram a empresa, incubada no Inatel. O sistema ainda se encontra em fase de teste e validação. Segundo D’Angelo, o diferencial em relação aos existentes no mercado é que a maioria deles só oferece o controle de irrigação. “O nosso sistema disponibiliza também uma avaliação microrregional do clima, com informações mais precisas para o agricultor”,  diz ele. Outra vantagem, de acordo com ele, é que o sistema não requer instalação em computador do produtor rural, reduzindo os custos na implementação.

Patentes e licenças
Segundo o engenheiro agrícola Everardo Chartuni Mantovani, professor da Universidade Federal de Viçosa e sócio da empresa de consultoria Irriger, essas quatro tecnologias – da Embrapa, Unesp e Inatel – vão se juntar a outras já existentes no mercado. “Isso não inviabiliza a necessidade de desenvolver novas metodologias ou melhorar as disponíveis”, diz. Para Mantovani, dos quatro, o desenvolvido pela parceria Unesp, CDMF e empresa Sencer, de São Carlos, é o mais promissor. “Trata-se de um sistema ainda não existente”, avalia.

No caso dos sensores desenvolvidos por Calbo e colaboradores, a Embrapa depositou pedido de patente para os dois tipos de tecnologia, que foram licenciados para empresas brasileiras e dos Estados Unidos para transformá-los em produto. No Brasil, o diédrico foi licenciado para a Tecnicer Tecnologia Cerâmica, de São Carlos, e no mercado americano para a Irrometer, da Califórnia. O direito de exploração comercial do IG também foi concedido a essas duas companhias e ainda para a Hidrosense, de Jundiaí, a Acqua Vitta Floral, de Bauru, e a R4F, de Campinas. Com essas duas tecnologias, diferentes tipos de equipamentos poderão ser fabricados em versões fixa e portátil. Estima-se que cheguem ao mercado com preços entre R$ 10 e R$ 150. A Sencer depositou pedido de patente de Modelo de Utilidade para a haste com os sensores integrados. O sensor desenvolvido por Sonia, da Unesp, está em fase final de testes. “Temos o produto em demonstração e avaliação em alguns lugares e estamos negociando as primeiras vendas”, diz a pesquisadora.

Projeto
Aperfeiçoamento do dispositivo sensor para determinação da umidade do solo: aplicação em agricultura de precisão (nº 2012/50132-8); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Sonia Maria Zanetti (Sencer); Investimento R$ 181.302,71 (FAPESP).

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