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novos materiais

Embalagens verdes

Frutas e legumes são matéria-prima de plásticos que protegem alimentos e são comestíveis

Goiaba ao lado de plástico comestível feito com substâncias extraídas da polpa e da casca da fruta

Léo Ramos Chaves

Podcast: Luiz Henrique Cappareli Mattoso

 
     
Imaginar um futuro com embalagens plásticas comestíveis, que podem fazer parte de sopas e sucos sem causar mal à saúde, não é estar descolado da realidade. Novas possibilidades de armazenagem de alimentos que evitem o descarte pós-consumo das embalagens e ainda ajudam a nutrir os consumidores estão se concretizando de forma experimental em laboratórios de universidades e centros de pesquisa. No Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estuda novos materiais que poderão ser transformados em embalagens ou mesmo ingredientes alimentícios. São chamados pelos pesquisadores de bioplásticos ou biopolímeros e podem fazer parte também de embalagens biodegradáveis. “Esses materiais têm características nutricionais, sabor e cor dos vegetais, ou podem ser transparentes, finos e com a mesma aparência que os plásticos comuns”, explica Luiz Henrique Capparelli Mattoso, pesquisador da Embrapa Instrumentação Agropecuária, localizada em São Carlos (SP).

Esses bioplásticos são feitos a partir de alimentos frescos ou de resíduos da fabricação de sucos ou de outros processos industriais. Dessas matérias-primas são extraídos compostos, como os polissacarídeos, considerados polímeros naturais. De modo similar aos plásticos produzidos com derivados de petróleo, eles são formados por macromoléculas de longas cadeias de carboidratos. A maioria dos biopolímeros é também biodegradável: as embalagens que não tiverem a função de ser levadas à mesa se deterioram no lixo naturalmente em poucos dias ou semanas. Para Mattoso, que estuda esses materiais há 20 anos, os bioplásticos degradáveis e comestíveis são uma resposta ao impacto ambiental provocado pelo plástico sintético. “Diminuir a quantidade de embalagens plásticas sintéticas em lixões e aterros é uma necessidade”, diz Mattoso. Dentro da mesma versatilidade dos plásticos tradicionais, os novos materiais abrem uma infinidade de uso e possibilidades de formulações para atender as áreas de embalagens e alimentos funcionais.

Os plásticos comestíveis do grupo de Mattoso começaram a ser criados há oito anos no âmbito da Rede de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio (AgroNano), formada por pesquisadores de empresas e de várias instituições de pesquisa, como a professora Márcia Aouada, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira, a pesquisadora Henriette Monteiro Cordeiro de Azeredo, da Embrapa Agroindústria Tropical, localizada em Fortaleza (CE), além de Tara McHugh, do grupo de pesquisadores do Serviço de Pesquisa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Os filmes plásticos são feitos basicamente de tipos de polissacarídeos como amido, pectina e hidroxipropil metilcelulose. A extração desses componentes é feita, por exemplo, da polpa e cascas de frutas – como goiaba, mamão, maracujá, banana, açaí, kiwi e pêssego – ou de legumes – beterraba e cenoura. As aplicações são múltiplas. Comestíveis ou biodegradáveis, eles poderiam embalar vários tipos de alimento, inclusive rações para animais.

Bioplástico feito de açaí e nanopartículas de quitosana, substância que tem efeito bactericida

léo ramosBioplástico feito de açaí e nanopartículas de quitosana, substância que tem efeito bactericidaléo ramos

Uma questão ainda não resolvida é um eventual risco de o biopolímero atrair animais na estocagem ou nas gôndolas dos supermercados. “Não sabemos se atrairia ratos e baratas, não fizemos testes específicos, mas não tivemos esse tipo de problema ao longo desses anos de pesquisa”, diz Mattoso. A possibilidade de as embalagens ficarem contaminadas com bactérias e outras sujidades poderia ser resolvida, segundo o pesquisador, com a adição de substâncias como quitosana, canela e própolis, que têm efeito bactericida. “Outra solução seria utilizar por fora uma embalagem apenas biodegradável, e não comestível, para embalar alguns alimentos consumidos in natura”, explica. Os biopolímeros podem ser lavados com água, mas não com sabão.

“Colegas norte-americanos, como Tara McHugh, já utilizam filmes comestíveis em restaurantes de comida japonesa”, conta. “Alguns fregueses são alérgicos às algas utilizadas para envolver um tipo de sushi. As películas as substituem, sem que se percam o sabor e a qualidade do alimento.” O pesquisador solta a imaginação com as novas possibilidades que os biopolímeros trazem para a indústria alimentícia. “É possível produzir plásticos com sabor de qualquer tempero e adicioná-los à comida.” Um frango poderia ser embalado com um tipo de bioplástico que teria em suas moléculas o próprio tempero para o alimento. “Ao levá-lo ao forno, a evaporação da água da carne solubiliza o filme, fragmentando-o e temperando o alimento durante o cozimento”, explica. A vantagem em levar o tempero na embalagem seria a de usá-la como alimento e evitar o descarte. Algumas embalagens também poderiam ser batidas no liquidificador para preparar sucos. “É possível trabalhar com novos conceitos de alimento”, diz Mattoso. Nos estudos sobre plásticos comestíveis realizados em São Carlos, nos últimos oito anos, foram investidos R$ 200 mil, da Embrapa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPESP.

Ravióli de romã
Em Fortaleza, Henriette desenvolveu um plástico comestível a partir de pectina, além de suco de romã, ácido cítrico e glicerol, uma substância que pode ser um subproduto do processamento de óleos vegetais. “Ele tem boas propriedades mecânicas, cor e sabor de romã”, explica. “Criamos o produto para ser ingerido junto com o alimento.” De acordo com Henriette, a ideia de desenvolver o filme surgiu em 2014, quando ela passou um período como pesquisadora visitante em Norwich, na Inglaterra, por meio do programa Embrapa Labex, de cooperação científica com instituições de outros países. “A romã é muito apreciada e consumida na Inglaterra, e eu sabia do apelo mercadológico da fruta por causa de suas alegadas propriedades benéficas à saúde, como a de ser um antioxidante”, explica. “Pensei que seria interessante aproveitar a cor atraente da sua polpa para incorporar a um biopolímero.” Essa pesquisa foi realizada em 2014, mas a pesquisadora trabalha com plásticos comestíveis e biodegradáveis desde 2007.

Plásticos comestíveis desenvolvidos na Embrapa

léo ramosPlásticos comestíveis desenvolvidos na Embrapaléo ramos

Quanto às aplicações, Henriette diz que o filme desenvolvido na Inglaterra, a exemplo dos similares criados por Mattoso, também poderia ser usado por restaurantes para envolver sushis, formar falsos pastéis ou raviólis transparentes, que seriam pequenos saquinhos recheados de carne para consumo ou mesmo para efeito decorativo em refeições. “O produto também poderia ser comercializado em forma de pó, para ser dissolvido em água e revestir frutas”, explica. “Para isso, os bioplásticos seriam imersos e retirados do líquido para a formação de uma película após a secagem.” Segundo Henriette, o filme formado agiria como barreira de proteção – uma espécie de casca fina que diminuiria a entrada e saída de gases e umidade –, ajudando a aumentar a estabilidade do alimento.

Outra possível aplicação é a produção de fitas de frutas semelhantes aos fruit by the foot, ou fruta por metro, existentes nos Estados Unidos, formadas por tiras de goma enroladas e vendidas na forma de uma fita adesiva. São bioplásticos feitos de frutas e acréscimo de vitaminas. “Nos Estados Unidos existe uma empresa que produz filmes à base de polpa de diversas frutas e hortaliças e os comercializa para que o consumidor prepare na forma de sushis ou wraps [sanduíches enrolados em pães de massa bem fina, no caso substituída pelo plástico comestível] de vários sabores.”

Desenvolver um filme que evite a oxidação de frutas cortadas em pedaços é objetivo do grupo de pesquisa da professora Florencia Cecília Menegalli, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela e sua aluna de doutorado Tanara Sartori utilizam amido de banana verde da variedade terra como matéria-prima para filmes que preservam frutas cortadas em pedaços. A esse material foram acrescidas micropartículas lipídicas (mistura de ácidos graxos) contendo um antioxidante (vitamina C). “Já havíamos utilizado anteriormente o amido de banana para o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis. Agora optamos por uma embalagem ativa a partir da adição do antioxidante à formulação”, explica Tanara. Antes, elas precisaram encapsular essas substâncias para inseri-las no filme. “Encapsular o antioxidante dentro das micropartículas é importante para manter a liberação controlada da substância durante o armazenamento dos produtos, preservando-os até chegar ao consumidor final.”

Etapa da produção de plástico comestível de morango para uso em embalagens

léo ramosEtapa da produção de plástico comestível de morango para uso em embalagensléo ramos

O uso de micropartículas também é utilizado na cobertura, que é um líquido viscoso no qual as frutas a serem protegidas devem ser imersas. Em seguida, elas são retiradas para secagem durante alguns minutos. Ao final, forma-se uma película de proteção sobre as frutas. Segundo Tanara, resultados do trabalho ainda não publicados mostram efetiva preservação da cor das maçãs, mesmo cortadas ao meio, sobre as quais a cobertura com propriedades antioxidantes foi aplicada.

O passo para todos esses produtos chegarem ao mercado depende de alguns fatores. Henriette, da Embrapa, na década passada desenvolveu um filme à base de polpa de manga, com a adição de nanofibras de celulose obtidas da fibra do algodão (ver Pesquisa Fapesp nº 176), que não chegou a gerar patentes nem produto comercial. “Na época, algumas empresas me contataram, mas nenhuma se interessou em levar a tecnologia para o mercado”, conta. “Os filmes ainda não são produzidos industrialmente. Não foram feitos estudos de ampliação de escala e, portanto, seu custo é apenas estimado e considerado elevado. Por isso, são de difícil competição com os plásticos sintéticos”, comenta o professor Paulo Sobral, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, da Universidade de São Paulo (USP), de Pirassununga. “O uso de resíduos poderia reduzir o preço final do bioplástico, mas é muito difícil quantificar o valor porque depende da formulação, da escala e do tipo de biopolímero”, diz Mattoso.

Os trabalhos dos três grupos geraram artigos recentes publicados em periódicos científicos. Os que estão mais próximos de serem transformados em produtos comerciais são os filmes criados por Mattoso. “Já realizamos a prova de conceito, desenvolvemos várias formulações de embalagens e um processo de produção em escala piloto”, conta. Até o momento, sete empresas interessadas nos filmes comestíveis entraram em contato com a Embrapa. “Estamos em negociação com algumas delas. Ao acertar com uma empresa e fazer um contrato de parceria, partiríamos para adequar a formulação e desenvolver o produto final”, diz Mattoso.

Projeto
Estudo e otimização de biocompósitos poliméricos comestíveis formulados com resíduos do processamento de frutas e hortaliças e reforçados com fibras vegetais (nº 2014/23098-9); Modalidade Bolsa no País – Regular – Doutorado Direto; Bolsista Caio Gomide Otoni (Embrapa); Pesquisador responsável Luiz Henrique Capparelli Mattoso (Embrapa); Investimento R$ 92.264,64.

Artigos científicos
SARTORI, T. et al. Development and characterization of unripe banana starch films incorporated with solid lipid microparticles containing ascorbic acid. Food Hydrocolloids. v.55, p. 210-19. abr. 2016.
AZEREDO, H. M. C. et al. Development of pectin films with pomegranate juice and citric acid. Food Chemistry. v. 198, p. 101-6. mai. 2016.

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